O tempo vai fugindo e sem darmos conta chega-nos o terceiro dia de festival com a rapidez de um rasgo de luz. Rasgo de luz esse que viria acompanhado de um calor imenso, tornando este dia um dos mais quentes da semana.
Foi com a companhia do calor que nos deslocamos a uma mansão em pedra no centro da Vila, como se estivéssemos no meio de um deserto tal mansão isolada entre as ondas de calor que saem da areia, imagem digna de postal. As Music Sessions são mesmo isso, momentos únicos e belos no meio de locais inimagináveis que nos mimam a alma ainda mais e nos colocam em espaços onde não iríamos de outra forma.
Esta music session foi curta, leve, sensual e coberta de um brilho bastante cintilante. Não só pelo reflexo da água, mas também pela aura que se sentia ao redor.
A música esteve a cargo dos Nouvelle Vague que, em formato acústico, trouxeram quatro versões das suas versões. The Specials, The Clash, Depeche Mode e The Smiths foram as bandas escolhidas para nos adoçar os ouvidos e o corpo.
Era tempo de regressar ao recinto para o penúltimo dia de festival que começou logo em grande força com o trio nortenho Conferência Inferno. Há muito que ansiava ver um concerto deles e não poderia ter ficado mais satisfeita. Tal como esperava, dão concertos consistentes, electrizantes e, acima de tudo, contagiantes. Com uma imagética meio gótica, meio descontraída, sempre com uma dinâmica calorosa com o público, trouxeram sintetizadores revivalistas com cheiro a Heróis do Mar e uma voz grossa, com alguns efeitos, mas cheia de consistência que dava cor a uma poética mundana e humana. O concerto foi de dança, ora mais energética ora mais suave mas sempre com uma energia pura que fluiu naturalmente entre a banda e entre a banda e o público. Ata Saturna é o meu preferido, mas Pós-Esmeralda não lhe fica atrás!
Era tempo de voltar ao calor sensual de Nouvelle Vague. Desta vez com menos sol e em formato eléctrico mas com a mesma vibração da tarde.
Apesar de não ser fã de bandas de versões, os Nouvelle Vague, conseguem, pelo seu gosto e por tudo o que são em palco, criar ritmos e sensações belas à volta das músicas que nos geram uma espécie de sensação de feitiço. Daqueles onde que nos deixamos, simplesmente, ir.
A banda francesa tem a capacidade de transformar canções tristes e/ou melancólicas em momentos alegres e de festa, fazendo com que nos apeteça a todos brindar à vida! E isso tem muito valor. As composições variam entre bossa nova e ritmos lounge, espalhando ondas de sensualidade bastante envolventes e cativantes. Foram vários os hits dos anos 80 que desfilaram pelo palco, dando especial destaque a “Too Drunk to Fuck” de Dead Kennedys e “Teenage Kicks” dos The Undertones.
Mantendo registo ténue e suave, mas numa linha mais psicadélica vinham os Allah-Las a seguir no palco secundário.
Cinco rapazes em palco, a típica composição de duas guitarras (uma sem mão), baixo, bateria e teclas onde todos cantam. O cheiro a Califórnia sente-se ao longe. Não sei se pelo calor que emanam pelas colunas, se pela tela alaranjada de pôr do sol por entre as palmeiras que rapidamente pintei na mente mal fechei os olhos. Sim, é um concerto para se sentir de olhos fechados, deixando a música guiar-nos por onde quiser e para onde quiser. No caminho, que fiz de mota em direcção ao sol que se punha no mar da Califórnia, talvez de Venice Beach, encontrei The Mamas & the Papas e dancei com eles um bocadinho. A dança lenta e leve de quem ama a vida e quer saborear cada bocadinho que ela oferece. Os Allah-Las variam entre o psicadelismo terno, a folk e o surf rock e deixaram no pública uma bonita sensação de leveza.
O contrário de leveza viria de seguida com o regresso de Cat Power a Portugal. Em registo cantautor e intimista começou em trio com piano, guitarra e voz. O caminho apresentava-se profundo e melancólico. Mas não é assim Bob Dylan? Infelizmente as pessoas não fizeram o trabalho de casa e a maioria devia esperar algo mais rock’n’roll, notando-se que não estavam a perceber nem a fazer esforço para perceber o que tinham diante de si.
Pouco tempo demorou a ter a sua banda completa em palco, mas ainda assim Charlyn, não esteve confortável durante o concerto inteiro, tendo problemas com as luzes e com o som. Apesar disso, fez o esforço para dar o melhor de si como o momento pedia. Aquele momento específico em que decidiu dedicar grande parte do concerto à carreira do seu amigo. A folk, o rock, o bom gosto e um pouco de blues banharam a poesia densa de Bob Dylan e a sua, também. Foi um momento de luz das velas, que merecia um pouco mais de respeito, mas num festival pode acontecer tudo, incluindo ter convidado o vocalista dos Idles a cantar consigo e não ter aparecido para terminar em beleza com “Like a Rolling Stone”. Joe Talbot não apareceu, mas todos cantamos com ela!
Ainda no palco principal, viria uma surpresa bonita. Girl in Red deve ter sido a produção mais cara do festival e fez um belo festão naquele palco. Em jeito teeneger e em modo Avril Lavigne com pirotecnia, Marie escorre pop pelos poros e pelo cenário. Apesar de não me identificar minimamente com o estilo, fiquei quase o concerto inteiro a assistir à forma cativante como explorou o seu talento. Marie não é apenas uma cantora pop! É uma compositora exímia que toca piano, guitarra e tem uma voz bonita. Para além disso, tem uma excelente interacção com os seus fãs, acarinhando-os do princípio ao fim, revelando uma humildade bonita. Se ainda não está lá, vai chegar ao topo com bastante facilidade e, sem dúvida nenhuma, de forma merecida!
Mas o concerto da noite ainda estava por vir. Por vir, por ver, por ouvir e por sentir. Os Beach Fossils nunca tinham vido a Portugal e há muito que os ansiava. Felizmente, conseguiram ser ainda melhores do que esperava. Começaram numa especie de afetividade sonora em tons de algodão que se desfazia ao tocar. Sim, porque mal começaram, os olhos fecharam e a viagem em forma de sonho começou. Foi uma viagem profunda cheia de alma no meio de uma indie sonhadora coberta de shoegaze e uma energia apaziguadora. A voz, sonhadora, também, tinha a habilidade de sussurrar aos vários cantos do nosso corpo, fazendo a pele de galinha aparecer e o sorriso nascer. As distorções que chamavam o shoegaze quase nos acordavam, sendo que muitas vezes nos empurravam repentinamente por vales cobertos de nuvens onde nunca tocávamos o chão. A beleza que construíram naquele momento abraçou-nos e deixou-nos em perfeita união. As pessoas que se mantiveram naquele palco e não seguiram a enchente, tinham entregado a alma aos Beach Fossils e o mundo tinha parado ali. Por momentos, os pés levantaram e, alguns de nós, puderam levitar. A intensidade ganhou neste concerto e eles estavam rendidos a nós, tal como nós a eles. Mas haveria melhor local para uma estreia em Portugal?
Iríamos continuar naquele palco até ao fim da noite e quem vinha a seguir era Mdou Moctar e o seu estilo Tuareg ou assouf. São quatro em palco mas as guitarras é que mandam e que bem trabalhadas são! O público dança com elas uma dança única e, passado algum tempo, a música cria a sensação de ser uma faixa única também. É um concerto de energia mística mas a ser consumido por pouco tempo.
O último concerto da noite teria início bem tarde, já depois das 4e30 mas, tendo o corpo aguentado, era imperdível! Os Tramhaus são holandeses e apareceram durante a pandemia. São um grupo de cinco amigos com uma paixão vincada em comum: o post punk dualista que mistura uma tranquilidade inquieta com uma presença impetuosa em palco. Com um baixo bastante potente, distorções electrizantes e riffs penetrantes, acompanha-os um vocalista algo teatral e com uma voz bastante penetrante, sendo o conjunto algo meio explosivo, meio perturbador mas nunca indiferente! A ser um pouco mais cedo, poderia ter tido um pouco mais de energia para absorver a sua vibração e saltar com eles. Foi, sem dúvida, um dos concertos mais potentes deste dia.
GALERIAS DOS RESTANTES CONCERTOS DO DIA
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