O dia amanhecera quente e o sol pedia rio, mesmo aquele de águas gélidas. Foi à beira rio que se viveu um momento de perfeito relaxamento e levitação com o concerto de Acid Acid no Jazz na Relva. Acid Acid tem sempre o especial poder de nos guiar por uma viagem bonita por entre paisagens encantadas. Neste dia, a paisagem veio até ele e até nós e ele apenas teve de musicar o momento que passou demasiado rápido.
De regresso ao recinto do festival, esperavam-nos os Deeper no palco Yorn e com eles o início da viagem aos anos 90 que se iria fazer sentir ainda momentos mais tarde nesse dia. Ou noite. Com sintetizadores, baixo, guitarras e bateria, começaram por parecer uma banda normal de post punk com um gosto aprimorado pelo indie rock. No entanto, não tardou muito a tornarem-se um cocktail que juntou The Cure a New Order e Joy Division. Poderíamos esperar melhor? Eu creio que não. Escrevendo aquela que adora as três bandas. Com graves bem vincados, sintetizadores à New Order e voz à Robert Smith a soar a Estados Unidos e distorções irreverentes, os Deeper conseguiram rapidamente captar o interesse de muitos e direcionar-nos a um profundo deleite nostálgico.
No mesmo palco, onde iríamos estar a maior parte desta noite, também dos Estados Unidos, viriam os Wednesday. Após uma passagem pelo Primavera Sound, estavam de regresso ao norte do país para regalo deste início de noite onde construíram paisagens de vários tons e intensidades. Começaram de forma suave e tranquila ao jeito indie para nos brindarem com subidas repentinas a um rock perspicaz cheio de country e algum shoegaze. As composições da banda, notáveis e deslumbrantes, tinham como base um lap steel, baixo, guitarras e bateria, criando texturas complexas que poderiam ser belas ou mais impetuosas. Karly tem uma voz carregada de poder e sabe usá-la na perfeição.
Um dos concertos que mais aguardava esta noite era o único que iria ver no palco principal. Por incrível que pareça, as Sleater-Kinney nunca tinham vindo a Portugal. Não sei se por falta de desejo delas, ou se falta de desejo dos nossos promotores. Ultimamente está tudo muito estranho! A verdade é que vieram e não podia ter sido em melhor sítio!
Já só com duas delas da formação original Carrie e Corin fizeram-se acompanhar de mais três mulheres, não fossem elas Riot grrrl! Apesar dos anos, estas senhoras mantêm a aptidão e energia para se abanarem e nos abanarem com elas. O rock escorre-lhes pelos poros e, apesar de já não se sentir o calor efusivo do punk rock de antigamente, sente-se o glamour de um rock extremamente bem trabalhado e vivido. Acredito que muitas daquelas pessoas não fizessem ideia que estavam diante de umas rainhas de espadas que marcaram a diferença durante uma década completa e ajudaram muitas pessoas a crescer e revoltar-se. Aquelas senhoras ainda têm a sua essência rebelde e trouxeram-nos um concertão que passou muito pelo seu mais recente disco Little Rope mas também nos presenteou com as faixas mais antigas e hinos que perduram no tempo, principalmente naquele daquelas que ainda lutam para ter direitos. As Gibsons são as suas armas e usam-nas da melhor forma! Carrie transpira rock e não para diante de nós, fazendo-nos sentir pequeninos defronte de tamanha grandeza!
Regressamos ao palco secundário e a mais um concerto de mulheres. Desta feita um concerto instrumental de Los Bitchos que se faziam acompanhar de um guitarrista convidado. O palco inaugura-se com a canção de Belinda Carlisle “Heaven Is A Place On Earth” e ocupam sorridentes e a dançar as suas posições. Efectivamente a terra está cheia de céus, principalmente quando vivemos bons concertos!
O ritmo é suave e alegre e até dá para abanar a anca, proporcionando uma festa encantadora. Todas elas se ligam e interligam muito bem entre elas, deixando uma nota à boa percussão da banda. A voz é usada algumas vezes como instrumento e o público entregou-se rapidamente a estes bichos do bem que trazem felicidade. Acredito que muito tempo de concerto possa causar aborrecimento, mas meia hora soube bem pela harmonia e dança jovial.
Se num momento estive a dançar de forma mais leve, no momento seguinte a dança tornou-se introspectiva e mais densa. É esse o efeito dos mestres Protomartyr e o seu post punk coberto de um negro aveludado. A voz não canta, declama e tem uma aura cavernosa.
A sonoridade é uma mistura entre o ritmo de The Fall com a atmosfera negra dos Wire, composto com o toque destes sábios senhores. Se fechássemos os olhos podíamos sentir uma espécie de choques leves como pulsões de energia que vinham do palco. Uma energia encorpada, tempestuosa e cerrada em si. Abria-se a nós e fechava-se connosco lá dentro, sendo capaz de proporcionar uma sensação de libertação sem termos de nos libertar de nada. Os Protomartyr são sempre intensos e seguem em crescendo, tornando o ar quase acutilante dentro dos nossos pulmões!
Infelizmente o corpo não aguentou para ver Sprints, espero que tenha sido tão bom como se esperava que fosse!
GALERIAS DOS RESTANTES CONCERTOS DO DIA
Ambiente
Moonshiners
L’Imperatrice
