O tempo. Sempre o tempo.
Aquele que foge, aquele que não espera, aquela que nos lembra que tudo tem um fim, mesmo aqueles momentos que parecem esticar o tempo.
Aquele que, de igual modo, nos posiciona de ano para ano numa rapidez audaz no sítio onde somos felizes e nos diz ao ouvido baixinho “aproveita bem, pois daqui a pouco estás em casa novamente”.
Chegados a Coura, esta revela que é possível o tempo pausar o tempo, mesmo que seja algo meramente ilusório. A ilusão também faz parte do tempo!
Ganharmos consciência do tempo tira-nos a liberdade mas dá-nos a consciência do que fazer com ele. Quando e de que forma o podemos fazer. Ano após ano, a correria que passamos e a vida que nos foge diante dos olhos ganha um novo propósito e sentido quando chegamos onde queremos estar. Quando o nosso coração repousa e a alma sossega e se alimenta da melhor música.
Paredes de Coura é um local mágico e quase indescritível. Tentarei fazê-lo da melhor forma possível.
Depois de quatro dias de Sobe à Vila, desta vez com um cartaz menos aprimorado na minha opinião, dava-se início aquele que seria o primeiro dia de partilha, correria e degustação sonora. A quarta-feira, dia 14, começou de forma intensa e emotiva com o concerto de First Breath After Coma + Noiserv + Banda de Música de Mateus. Primeiro entram os miúdos (umas boas dezenas) e o seu Maestro para dar início a uma intro suave mas densa que abria caminho a First Breath After Coma e Noiserv. Sintetizadores, teclas, cordas e bateria compunham o resto do cenário. David Santos ou Noiserv, de guitarra acústica em braços e mãos encosta os lábios ao microfone e rapidamente os pêlos se levantam com o início de “This is maybe the place where trains are going to sleep at night”. Foi difícil baixar os pêlos e dar cabo da “pele de galinha” durante o concerto inteiro. Tratando-se de duas entidades que primam pela intensidade, apesar de ser em moldes distintos, abrilhantadas pela conjunto de instrumentos da Banda de Música de Mateus, tudo ficou mais encorpado, denso e incrivelmente belo. O concerto dividiu-se entre músicas de ambos e terminou em grande com aquela que já é conhecida como demolidora de sentidos e corações desde que fora tocada a primeira vez no Festival Bons Sons: “Don’t say hi if you don’t have time for a nice goodbye” de Noiserv. Depois disto, ainda bem que havia uma pausa, pois fazia-se notar uma certa demora em regressar a nós.
Após o cancelamento de Bar Itália por motivos de saúde, os Glass Beams passaram para o palco principal, que poderia ser demasiado grande para eles, mas mostrou-se à medida. Principalmente em momento de fim de tarde, no meio da natureza, com as árvores ao redor.
Com máscaras de vidro e metal a cobrir os rostos, como que a fazer jus ao nome, o trio australiano proporcionou um concerto envolvente, coberto de alguma magia oriental e um calor aconchegante.
O momento seria para dançar suavemente com ritmos tranquilos que variavam entre o synth rock, o funk e algum psicadelismo. Em meramente instrumental, a voz, quando usada, era também um instrumento que se fundia com os outros.
Uma das surpresas da noite viria a seguir e no mesmo palco. André 3000 vinha apresentar o seu New Blue Sun, mas não o fez tal como o gravou. Fê-lo de forma improvisada e, apesar de não saber como seria a interpretação fiel, esta levou-me a viajar bem longe.
O Vodafone Paredes de Coura tem a audácia e o poder de colocar sempre um ou outro concerto mais fora da caixa no cartaz. Este foi um deles.
Infelizmente, o público não estava preparado para isso e preferiu viver o clima de festival e festa do que aproveitar a cerca de 1h de viagem que André nos queria proporcionar. Era tão fácil! Era só fechar os olhos e sentir. O resto acontecia naturalmente.
Acompanhado de uma bela panóplia de instrumentos e os seus executantes tais como gongo, bateria, teclas, sintetizadores, percussões várias, guitarra, flautas variadas, assobios e sons da natureza, André 3000 proporcionou uma experiência sonora única em modo intimista no meio de uma natureza pronta a recebê-lo. A sonoridade baseava-se no ambient, space e experimentalismo. Infelizmente troquei de local bastantes vezes, as pessoas têm uma aprendizagem lenta no que toca a não estarem no local onde não querem estar, mantendo-se lá a incomodar os outros. O que se estava ali a passar era um ritual algo espacial, algo místico pronto a guiar quem estivesse aberto a isso a uma viagem belíssima por entre bosques encantados cobertos de plantas e animais em perfeita harmonia. Destaca-se a voz de André e a sua linguagem inventada mas que soou muito bem por entre os instrumentos. O final da viagem foi bastante intenso e denso, causando a sensação de que o bosque era tridimensional e se mexia à nossa volta.
Depois de uma surpresa, viria outra. Não em modo viagem, mas em modo diversão e dança contínua. George Clanton já estava ligeiramente embriagado e por vezes poderia ter ficado calado, mas não deixou de ser um concerto interessante, divertido e cheio de ritmo. Começou por dizer “I’m coming from the fuckin’ shit imperial America to be here!” e depois questionou se seríamos punks, estúpidos ou malucos o suficiente para o ver e se estávamos excitados o suficiente para ver a melhor banda americana de rock’n’roll. A ironia transbordou do princípio ao fim do concerto, tanto pela fala como pela música.
Acompanhado de bateria, com sintetizadores à sua frente e uma guitarra sem mão ofertou um concerto onde pudemos dançar sem limites. A sonoridade chillwave, electropop e vaporwave (da qual é um dos pioneiros) proporcionou um momento de festa com uma aura feliz e leve à sua volta. Na primeira música já estava entre o público e, apesar de se encontrar ébrio, a sua entrega foi total e creio que a do público também. A dança, muitas vezes era interrompida por uma voz assanhada e momentos punk rock revelando as influências com que cresceu. Este entertainer nato e compositor exímio trouxe-nos de regresso do bosque para nos enraízarmos bem e ficar despertos!
Já me tinha questionado várias vezes sobre a origem do nome Model/Actriz mas bastou-me conhecê-los ao vivo para perceber tudo.
O que aconteceu no palco Yorn naquela primeira madrugada com esta banda foi algo bastante complexo e inexplicável. A elegância sensual do bailado (a meu entender bastante profissional) em saltos altos de Cole Haden conjugado com a agressividade da música e a quantidade de distorções e noise existentes fizeram com que perdêssemos rapidamente o norte e fossemos sugados naquele momento para um abismo cósmico e hipnótico como se de um buraco negro se tratasse. A dualidade de emoções foi uma constante, sendo difícil de percebermos o que poderíamos estar a sentir. As explosões vinham umas atrás das outras e o post punk mesclou-se rapidamente com o noise e o punk criando um efeito de adrenalina bastante energético. Se nos focássemos, podíamos dançar com eles, ou ao lado de Cole ou com os riffs irrequietos e furiosos.
Os Model/Actriz trazem uma garra que se sente. Que nos toca. Que nos abana e que nos faz libertar. Trazem consigo a genuinidade de um concerto imponente visual e instrumentalmente que consegue transformar aquele momento num frame sublime do nosso tempo. Apesar de não terem muito tempo de existência provaram, sem necessidade de o fazer, que não temem nada nem ninguém e que, juntando-nos a eles, nós também não!
Era muito ingrato o espaço deixado a uma banda após um concerto assim. Não só porque seria difícil chegar ao mesmo nível, mas também porque já era extremamente tarde. Os Sextile tiveram muitas coisas contra si. Para além do que acabei de referir, encontram problemas de som e tiveram uma postura mais tensa e algo pesada durante a sua atuação. Não a acompanhei até ao fim, preferi manter em mente o concerto anterior. Mas o trio americano de post punk/synth punk poderia ter feito melhor.
O primeiro dia estava completo e não podia ter sido tido um melhor começo!
GALERIAS DOS RESTANTES CONCERTOS DO DIA
Ambiente
Sababa 5
Dorian Concept
800 Gondomar