Concertos Reportagens

Two Hands de Big Thief, um experimentalismo de afectos

A banda francesa Pays P., foi uma agradável surpresa na noite de 2ª feira no Lisboa ao Vivo. Os Pays P. são três miúdos franceses que tocam nas horas e estão a acompanhar alguns concertos da digressão do novo álbum Two Hands, dos norte-americanos Big Thief. Os 30 minutos que tocaram foram intensos e poderiam ter sido mais porque, na generalidade, o público esteve receptivo. A voz feminina em desalinho meio sofrida e falada que cantava em dois micros, pertence a Laura Boullic.  A garra da bateria e da guitarra, aos jovens Valero, o Pablo e o Lucas respectivamente. Um indie rock a soar a electro-punk em declamação, que anda a encher bares e espaços rockeiros em Paris.

À hora prevista a banda de Adrianne Lenker instalou-se no palco do LAV e concertou quase duas horas de música. Um concerto de certa forma atípico pela informalidade mas também pela exigência de Adrianne, dela própria e do resto da banda. Como alguém que trata o palco “por tu”, abriu as hostes sozinha abraçada à guitarra. “From” e “Mythological Beauty” num desempenho irrepreensível de cordas e no alento da sua voz. “Not”, “Sloulders” e “The Toy” três temas do novo álbum Two Hands, editado em Outubro do ano passado e que, na verdade, é o motivo desta digressão.

Feixes de luzes vermelhos que brilhavam na intensidade dos incríveis riffs das guitarras (a sua e a do excelente guitarrista Buck Meek), e que se fechavam sobre cada um deles numa espécie de casulos protectores. Capacity esbatida numa paleta de cores fotográfica com base no amarelo e azul. Elegantemente vestida num fato verde-escuro. Flutuou na voz, afinando e desafinando docemente sem quebras nos decibéis, com o mel limão nas cordas vocais. Tocou a guitarra com a vivacidade de quem jurou ao mundo de que iria fazer grandes músicas o resto da sua vida!

20200217 - Concerto - Big Thief + Pais P. @ Lisboa Ao Vivo

O baixo de Max Oleartchik deu expressividade às duas novas músicas que se seguiram, mas Adrienne não ficou convencida no ritmo “demasiado acelerado” de um dos temas e parou a meio. Talvez este momento esteja associado ao realismo e à veracidade com que se comprometeram estar perante as músicas, onde o tema do ambiente é emocionalmente transposto nas composições. James Krivchenia (bateria) retomou o inicio da música e descolaram na perfeição, “ainda estamos numa fase experimental”, confessa  Adrienne a sorrir. “This is an age song” (risos) de regresso a 2017 e ao álbum que os consagrou como uma das melhores bandas indie e um dos melhores álbuns do ano, Capacity.   E em “Shark Smile” Adrienne teve uma branca e esqueceu-se da letra já a meio do tema, o público na sua melhor dedicação, ainda cantou para a ajudar mas ela decidiu parar e recomeçar onde ficara. Um momento de uma certa beleza constrangedora, em que a fragilidade humana esteve totalmente exposta, provocando em nós uma sensação de maior proximidade com todos eles.

Uma terceira pausa demasiado longa para afinar a guitarra acústica (12 cordas), apesar da inquietação do público ter sido bastante comedida, com um grito de “Take your time” a ressoar na sala. Two Hands é uma compilação de grandes canções, e a interpretação docemente raivosa de Adrienne foi magnifica em “Not” e em “The Toy”. Os Big Thief foram em palco tão verdadeiros quanto o revelam nas entrevistas e nas fotos: uma banda de afectos, cúmplice na genialidade musical e cheia de vontade de fazer (ainda) mais e melhores canções.