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Tio Rex no Sabotage, A catarse de um caso sério da música portuguesa

Escrever sobre o concerto de Tio Rex no Sabotage, ao início, parecia-me fácil, mas rapidamente me dei conta que talvez não fosse bem assim. Quando assistimos a um concerto que nos leva as lágrimas aos olhos, que nos impele a percorrer uma montanha russa em que percorremos tanto o abismo como a alegria de viver, é difícil arranjar as palavras certas. Mas tentemos começar pelo início.

Tio Rex é Miguel Reis e recentemente lançou um novo EP – 5 Tragedies. Foi este o mote que o levou ao Sabotage, sendo acompanhado por outros quatro artistas de luxo – Marta Banza (Museum Museum), Sérgio Mendes (Hands On Approach), Bernardo Pereira (Ella Palmer) e Diogo Sousa (QuartoQuarto).

O percurso de Tio Rex tem sido um percurso de descoberta, encontros e desencontros, mas acima de tudo de perseverança. Conheci o Miguel Reis em 2014, altura em que lançou o EP 5 Monstros e já na altura a música era para ele um sonho a ser conquistado. Trabalhava numa época do ano para poder compor na outra. A sua paixão pela escrita de canções ia para além da conjugação de notas musicais – sempre houve uma mensagem a transmitir. E esta tem sido uma característica que com o tempo só se tem aprimorado. Se há uns anos os acordes ainda se mantinham simples e com a inocência de quem dá os primeiros passos, neste último EP – 5 Tragedies – Tio Rex alcança uma maturidade que pega na tenebrosidade da vida e a faz ribombar no nosso peito, libertando-a. Em palco, admite o processo de catarse, que já havia admitido na entrevista que deu precisamente ao MDX.

Se já viram Tio Rex ao vivo e a solo, certamente reconheceram o poder da sua voz e da sua emotividade na guitarra. Se não o viram ao vivo, mas ouviram o disco, também não será difícil ficarem maravilhados e transtornados (como só a arte o sabe fazer sem que o sintamos como um peso) ao mesmo tempo. No Sabotage, tivemos a sorte de poder ver e ouvir essas canções, com outras de outros discos pelo meio, com toda a sua dimensão e força orgânica. Com a Marta de voz sempre delicada e sólida ao piano e na harmónica, com o Sérgio na guitarra eléctrica e na lap steel guitar a electrizar ainda mais cada canção, com o Bernardo e a sua energia incrível no baixo e com o Diogo sempre pujante na bateria, Tio Rex deu mais um passo na sua afirmação como um caso sério da música portuguesa.

Houve espaço para um pouco de tudo durante o concerto. Sempre grato ao Sabotage e a todos os presentes, Tio Rex reforçou a importância das pessoas que o têm acompanhado neste seu caminho. Com humildade, boa disposição e garra de quem sabe o que quer, cada tema tocado contou com toda a sua entrega e dos que o rodeavam. Cada tema é uma espécie de pequena história com a qual é fácil identificarmo-nos. E Tio Rex tem muitas histórias para nos contar. Viajámos entre músicas de 5 Tragedies (2018), 5 Monstros (2014), Preaching to a Choir of Friends and Family (2013) e Ensaio Sobre a Harmonia (2015), e ainda uma cover do Zeca Afonso “My Village”, tema que só será lançado no próximo disco (alinhamento no fim).

Uma coisa é certa, não houve quem ficasse indiferente. Seria impossível. Existiu uma vibração tão forte e familiar na performance de Tio Rex que, confesso, me voltou a levar as lágrimas aos olhos. No fim, os sorrisos partilhavam-se, tal como o sentimento de gratidão. Do Sabotage ao técnico do som, dos companheiros ao público, Miguel não deixou ninguém de fora nos agradecimentos, fazendo-nos sentir acarinhados. Foi imediato sentir que estamos perante um daqueles projectos musicais portugueses que não é apenas “mais um”. É provavelmente um dos mais bem conseguidos a nível de escrita de canções e urge ser reconhecido e apoiado.

Alinhamento:

Dark Con of Man
Joe
Little Witch
A Hash Self-Realization
A Morte Saiu À Rua (cover Zeca Afonso)
You’re My Machine and so Much More
Autofla-gela-ção
The Gods Are Dying
My Village
O Gigante
This Is An Intervention
Encore
D. Eu I
O Que o Tempo Destrói

Texto – Sofia Teixeira | Blog BranMorrighan
Fotografia – Luis Sousa