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Melt-Banana, press play for insanity

Lembram-se do Click, aquele filme miserável em que a personagem do Adam Sandler tinha um comando que controlava a realidade, podendo, entre outras coisas, fazer fast-forward à vida se lhe apetecesse? Pois bem, esse comando existe mesmo, está na posse dos Melt-Banana. Depois de ir espalhar o caos ao Porto, a banda japonesa, na sua estreia em Portugal, usou o seu Grind intensíssimo para fazer o público que os foi ver na galeria Zé dos Bois simultaneamente mover-se a um ritmo desenfreado e perder a noção do tempo.

Mandam as regras da boa educação explicar quem são os Melt-Banana aos leitores potencialmente desconhecedores: formado em 1992 na metrópole babélica que é Tóquio, este projecto teve vários intérpretes mas sempre manteve o duo nuclear de Yasuko Onuki na voz (e, a espaços, baixo) e Ichirou Agata na guitarra. Como muitos dos seus pares geográficos, os Melt-Banana pegaram em música “ocidental” (um termo, que francamente, já nem faz sentido, mas que serve aqui como referencial para a música anglo-saxónica que os influenciou) e devolveram-na depois de passada sob um filtro de bizarria tipicamente nipónico. Por isso mesmo, são uma banda que foi adquirindo estatuto de culto e que, como André Mendes nos confessou, nunca tinha vindo a Portugal. Bendita a hora.

Imagine-se Grind barulhento, com a guitarra martirizada por efeitos e glitches (imagine-se o som que o computador faz quando está a dar o berro), mas também pejado de melodias reminiscentes dos jogos da era 8 e 16-bit e malabarismos como os guitar heros do rock clássico, com a cereja inacreditável no topo deste bolo surreal ser um vozinha esganiçada, tipo desenho animado (comparação feita sem qualquer intuito malicioso) a disparar freneticamente. Se isto parece estranho, há mais: desde o seu último álbum, Fetch, que o duo dispensa de baixo e bateria, estando tudo assegurado, literalmente, nas mãos de Yasuko, que com um comando controla as batidas, os sons e o puro ruído que emanam das colunas – como podem perceber, a comparação martelada no lead desta peça afinal até faz algum sentido.

O resultado é um turbilhão digital que compete com os Agoraphobic Nosebleed para ver qual é a banda que mais rapidamente provoca danos irreversíveis ao pescoço dos seus fãs mais aventureiros. Se a banda de Scott Hull não esconde os seus propósitos, os Melt-Banana são mais dissimuladamente fofinhos. Apesar de se mostrar bem-disposta e de dar graças ao Vinho Verde que é do nosso Portugal, Yasuko é impiedosa na utilização do seu engenho para mover a multidão a seu belprazer. Serve de exemplo este repórter, que nas danças descoordenadas que efectuou, teve o condão de dar uma espetacular cabeçada numa colega adjacente, igualmente descontrolada nos seus movimentos. Falar de músicas no singular é difícil, quando um continnum de agressão sonora toma conta de nós, mas foram os temas de Fetch que mais sobressaíram e registe-se também a sequência de 7 músicas de 5 a 15 segundos, na melhor tradição Napalm Deathiana, que a banda presentou com uma certa ironia.

O concerto prosseguiu e o cansaço foi tomando conta – não há corpo que aguente tanta porrada – à medida que a ZdB se foi transformando numa verdadeira estufa, com direito a gotinhas a escorrem pelos vidros. A certa altura olhámos para o relógio e uma hora tinha-se esvaído sem mais nem menos, o tempo certo para apreciar os Melt-Banana sem que o cérebro tome o mesmo rumo que o proverbial fruto que lhes dá nome. Para a estocada final, ainda voltaram para um curto mas derradeiro encore. Oxalá todas as estreias fossem assim.

Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Vera Marmelo