Backstage

Tenacidade como palavra de ordem, entrevista a André Mendes – Amplificasom

Agendar concertos e gerenciar artistas não são, seguramente, tarefas fáceis. Considerado o manancial de variáveis que é necessário antever e negociar, os meandros da música podem ser traiçoeiros, e em Portugal, pela sua pequena escala e parca capacidade financeira, a coisa tem de ser mesmo bem-feita para não dar barraca. Felizmente é isso mesmo o que tem caracterizado o trabalho da Amplificasom, agência portuense, e do seu programador, André Mendes, responsáveis por trazer algumas dos mais interessantes e relevantes projectos dos meandros alternativos à Invicta e a Portugal nos últimos onze anos.

Se o nosso país é cada vez mais um destino de excelência para muitas bandas e artistas que felizmente nos visitam, deve-se à tenacidade de um grupo capaz de, por exemplo, organizar um evento de excelência como o Amplifest numa lógica DIY, sem nunca ter feito concessões. Foi sobre o estado de coisas deste festival, interrompido no ano passado, das propostas da Amplificasom para a rentreé e sobre alguns dos álbuns para si mais marcantes de 2017 que André nos falou nas vésperas da estreia dos Melt-Banana em Portugal.

Música em DX (MDX) – A rentreé de concertos da Amplificasom mostra-se particularmente portentosa neste Outono e logo a abrir temos a estreia dos Melt-Banana em Portugal, com datas em Lisboa e no Porto. O que norteou esta escolha e como se procedeu?

André – Estamos muito entusiasmados com a estreia dos Melt-Banana em Portugal. É uma banda única, pioneira e inspiradora para muitas outras, andam por cá desde 91 e nunca tocaram em Portugal – é um prazer estarmos envolvidos em mais uma estreia relevante. Felizmente, depois de anos a tentar, a banda finalmente mostrou-se disponível a passar por cá e vai ser marcante, não temos dúvidas.

MDX – Um dos grandes eventos desta estação é a despedida desta segunda encarnação dos Swans, com dupla data depois de terem cá estado para o NOS Primavera Sound. Mesmo tendo em conta que vocês já os tinham trazido para o Amplifest de 2014, urge perguntar: qual é a sensação de tomar parte neste acontecimento?

André – Quem conhece a Amplificasom sabe que, durante estes 11 anos, só colaboramos com as bandas que realmente nos movem. Os Swans são uma delas, somos grandes fãs e, depois de os termos trazido ao Amplifest no mesmo ano em que foi tão especial fazer o Gira a solo, é um marco estar envolvido nesta despedida. É o fim desta mutação dos Swans, não volta a acontecer, sabemos que não. Vai ser a 8 de Outubro no Porto e a 9 de Lisboa, imperdível!

MDX – O que tens ainda a dizer sobre o retorno dos And So I Watch You From Afar e de Jarboe, desta feita acompanhada dos Father Murphy?

André – Já ouviste o EP da Jarboe com os Father Murphy? Está mesmo bom. Parte do concerto passará por estas canções e depois temas da própria Jarboe, figura altamente incontornável (e que, curiosamente, fez parte dos Swans durante muito tempo). Quanto aos And So I Watch You From Afar, ainda não ouvi o novo disco deles mas, a julgar pelo single, é mais um exemplo espectactular duma banda não menos espectacular e que ao vivo é das que mais me impressiona. Grande energia, grande entrega, o público completamente a dançar e a desfrutar. Esperamos mais duas datas esgotadas, é uma das bandas de pós-rock instrumental mais interessante dos últimos anos.

MDX – Já pensando no próximo ano, é em 2018 que voltamos a ter Amplifest? Se sim, já tens novidades para partilhar?

André – Espero que sim, espero mesmo que sim. Ainda não temos novidades, mas estamos a trabalhar para isso.

MDX – A interrupção do Amplifest neste verão passado foi acompanhada de uma nota no vosso website que registava tanto o carinho pelo que atingiram como o cansaço acumulado e o temor numa possível descaracterização no festival. Frente às adversidades, como é organizar um festival independente desta natureza?

André – Criámos um monstro, um monstro que amamos com toda a nossa dedicação, mas que chegou a um ponto em que faltou alguma energia e estímulo para avançar nos mesmos moldes e sobrecarga. Em seis edições/cinco anos fizemos um trabalho notável – não é arrogância, é a mais pura das verdades. Nenhum apoio, fundo, patrocinador nem nenhuma autarquia por detrás a garantir a sua subsistência, dependemos apenas da venda de bilhetes e não há outro evento em Portugal, desta dimensão, que se realize nestes moldes. Mas sim, lutámos, trouxemos quase todas as bandas que queríamos trazer, dos Godspeed aos Neurosis, dos Converge aos Godflesh até ao Ben Frost, Chelsea Wolfe, Russian Circles, Mono, etc, etc, etc… O Amplifest e o Porto receberam pessoas de todo o país, de literalmente todo o mundo e hoje, nos festivais a que vou, tanto por cá como lá fora, ora vejo as pessoas com t-shirts das edições passadas ora me perguntam ansiosamente quando é o seu regresso. Estamos a trabalhar nesse sentido, queremos mesmo muito.

MDX – Portugal, apesar dos constrangimentos geográficos e financeiros, tem recebido cada vez mais artistas internacionais, mesmo nos meios independentes e underground. Qual pensas ser a razão deste aumento?

André – As bandas adoram cá vir. O país é lindíssimo, a nossa hospitalidade é única e, acima de tudo, os portugueses quando são fãs de algo são mesmo entusiastas fazendo a diferença na altura do concerto. Estivesse Portugal na outra costa da península e mais de barriga cheia estaríamos – muitas continuam a queixar-se que atravessar que é longe (e isto deve-se à falta de opções em Espanha, um país tão grande mas, no que toca a concertos habituais, é pouco mais que Madrid, Barcelona e Bilbao). Por outro lado, como dizes e bem, cada vez há mais bandas a passar por cá, estamos neste momento com uma agenda bastante rica onde também se reflecte na necessidade das bandas fazerem muito mais estrada do que quando vendiam mais discos. De qualquer maneira, Portugal está bem e recomenda-se.

MDX – A adição de Peter Broderick ao vosso roster de artistas é mais uma prova de que, apesar de ser associada a sonoridades pesadas, a Amplificasom pauta-se pelo ecletismo tanto no agenciamento como na produção de eventos. Quais são os vossos critérios?

André – Gostarmos do artista/ banda e acreditarmos na sua música e que somos os parceiros ideais, são esses os nossos critérios. Somos eclécticos como melómanos, isso reflecte-se no que fazemos na Ampli e não é de estranhar que tenhamos um roster com o Peter, os Macumbas, os Process of Guilt e os Névoa. Aliás, para nós é altamente estimulante.

MDX – O que é que ainda falta à Amplificasom fazer e que bandas falta trazer a estes pastos?

André – Enquanto houver sonhos há energia, oxalá me entrevistes em 2026 para falarmos dos 20 anos de Amplificasom. Não há propriamente uma lista de bandas/ desejos, todos os anos aparecem bandas novas que te entusiasmam e queres trazê-las a Portugal tal como queres trazer as bandas que por cá passam há muito tempo mas têm disco novo para apresentar, por exemplo. No meio disto tudo, tendo em conta o nicho de mercado por onde nos movemos e tendo em conta a carga fiscal em Portugal, tem que haver uma gestão minuciosa – infelizmente, não basta só gostar duma banda se depois não houver retorno, não é viável nem teríamos futuro. Mas sim, a música acima de tudo, vai ser sempre assim com a Amplificasom.

MDX – Fazer parte de uma promotora como esta implica certamente estar sempre a par das novidades que vão aparecendo. Quais são as surpresas e os grandes álbuns do ano até agora, para ti?

André – Neste momento, estou obcecado com o novo de AMENRA, ouço-o várias vezes por dia; o novo dos gigantes Godspeed You! Black Emperor também roda, o Spun [Hiss] da Chelsea [Wolfe] também, e estou ansioso por ouvir o novo do Ben Frost – o EP deixou-me a salivar. Mas como é de surpresas que falamos, partilho uma lista de novidades, contigo e com quem nos lê, por ordem alfabética, pode ser? Aqui vai:

– Áine O’Dwyer – Gallarais [MIE Music 2017]
– DEAFKIDS – Configuração Do Lamento [Neurot Recordings 2017]
– Demen – Nektyr [kranky 2017]
– Desflorestação – Parking Lot [LABAREDA 2017]
– Ellen Arkbro – For organ and brass [Subtext 2017]
– Endon – Through The Mirror [Daymare Recordings 2017]
– Ifriqiyya Electrique – Rûwâhîne [Glitterbeat 2017]
– Jessica Moss – Pools Of Light [Constellation Records 2017]
– Khünnt – Failures [Riot Season 2016]
– Oiseaux-Tempête – Al-‘An! [Sub Rosa 2017]
– Penguin Cafe – The Imperfect Sea [Erased Tapes 2017]
– Robert Aiki Aubrey Lowe – Kulthan [Latency 2017]
– THALASSA – Bonds of Prosperity [SIGE Records 2017]
– The Bug Vs Earth – Concrete Desert [Ninja Tune 2017]
– Those Who Walk Away – The Infected Mass [Constellation 2017]
– Valgeir Sigurðsson – Dissonance [Bedroom Community 2017]
– Zeal and Ardor – Devil is Fine [Reflections Records 2016]

MDX – Obrigado pelo tempo despendido nesta entrevista ao Música em DX.

André – Obrigado eu, foi um prazer. Até breve!

 

Entrevista por – António Moura dos Santos