Concertos Reportagens

A boleia incendiária dos Riding Pânico

Numa semana abalada por temperaturas congelantes, que nos desabituava do ‘tropical’ mês de outubro, o típico português procurava voltar ao calor anormal que pairou pela cidade de Lisboa nos últimos dias. Pensando nestas almas sem rumo e (quiçá) vestir a pele de salvadores da pátria, os Riding Pânico apresentaram-se no passado sábado dia 5 de Novembro no Sabotage Rock Club, para uma sala bem composta, que já apresentava uma fila considerável ainda nem as portas tinham aberto.

20161105 - Concerto - Riding Pânico @ Sabotage Club

Com quase uma hora de atraso – “a pressa é inimiga da perfeição”, diria a minha avó Elisa – tempo mais do que suficiente para aumentar os níveis de alcoolemia e a nicotina no sangue, Miguel Abelaira, Makoto, José Penacho, João “Shela” Pereia e Fábio Javelim entraram em palco com o objetivo bem delineado: oferecer uma sessão de post-rock caloroso e incendiário, daquele tipo que só os Riding Pânico conseguem. Bastava olhar para o palco (tempo foi algo que não faltou) e para a disposição dos instrumentos que lá se encontravam para saber que aquelas três guitarras não iriam produzir música para ‘fazer bebés’.

Abrindo ao som de “Blueberry Surprise”, um dos protagonistas do último Homem Elefante que, a brincar a brincar, já tem três anos em cima, desde cedo que o Sabotage Rock Club começou a emancipar calor pelas suas paredes, tal não era a intensidade com que aqueles seis tipos se entregavam às suas composições, com Makoto Yagyu constantemente de olhos fechados numa tentativa de entrar em ressonância com o seu fiel baixo-elétrico. Todavia, não era só o baixista que divide o seu tempo entre os PAUS e os Riding Pânico, que acariciava o seu instrumento de forma loucamente apaixonada: Shela sorria desalmadamente sempre que os seus dados se entregavam às teclas e adoçavam o tom que, sem ele, levaria a um registo mais obscuro nas músicas da banda (ficámos com a ideia que o volume do dito podia ter estado um pouco mais elevado), ou José Penacho e a sua habilidade em ginasticar-se pelas cordas de uma guitarra, de forma imperial, para colocar ordem e tino na sessão de malhas efervescentes que por ali rolavam.

20161105 - Concerto - Riding Pânico @ Sabotage Club

Através de “Zulu”, “Código Morte” e “Monge Mau”, cada vez mais era fortalecida a ideia de que era a força da união e o poder do conjunto que faziam com que seis artistas originários de outras bandas (leia-se PAUS, Marvel Lima e Quelle Dead Gazelle) se complementassem de forma tão natural, com os múltiplos sorrisos de cumplicidade e gozo que trocavam a revelar que na música, a recompensa mais satisfatório para um artista é o prazer de pôr em prática aquilo que lhe vai em mente; agora imagine-se quando se encontra alguém que sente e pensa exatamente o mesmo. Contudo, por mais animados que estivessem os ânimos em cima do palco, o público não era esquecido, recebendo uma antiga “E Se a Bela For o Monstro” para causar uns quantos headbangings enquanto os corpos ebuliam de adrenalina, sedentos por mais e mais. Logo de seguida, a estreia de um inédito, “O2” – disco três? – veio roubar o oxigénio da sala para simular uma asfixia e os movimentos de aflição provocados pelo mesmo; claro que ninguém ficou sem ar, já fôlego… é outra conversa.

Face às milhentas obras que ocorrem no Cais do Sodré, com previsão de término para 2070, o camião TIR dos Riding Pânico provocaria uma destruição sem precedentes na segunda zona mais animada da noite lisboeta, mas felizmente que o transporte seguiu na direção oposta: uma viagem até ao núcleo do planeta. Se a crosta e o manto terrestre já tinham sido perfurados, era agora altura de atingir a zona mais quente da Terra, tudo isto num luxuoso “Volvo”; “esta música tem mais de dez anos, tendo sido escrita em 2005 ou arredores” enunciou Makoto de forma pouco percetível (sem microfone, era complicado) para a última do concerto.

20161105 - Concerto - Riding Pânico @ Sabotage Club

A boleia destas nunca se recusa e os Riding Pânico revelaram ser tão bons condutores como músicos, apresentando a mesma precisão e vitalidade tanto no fim como no início da atuação. Tal como seria de esperar nesta viagem ao centro da esfera em que vivemos, as temperaturas altas provocaram múltiplas expulsões e radiações de adrenalina durante os nove minutos de duração que “Volvo” acata, com peças de roupa como malhas e afins a começarem a ser trocadas por gotas de suor. Chegados finalmente ao destino, a boleia tinha cumprido a missão que lhe competia: aquecer o público do Sabotage e orientar os Riding Pânico por outra das suas maravilhosas atuações, demonstrando serem os meninos de olhos de ouro do post-rock português.

Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Luis Sousa