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À conversa com Luis Ferreira, Diretor Artístico do Festival BONS SONS

Na contagem decrescente para a edição deste ano do BONS SONS, o festival que pôs no mapa a aldeia de Cem Soldos, estivemos à conversa com Luís Ferreira, um dos principais mentores deste protejo.

O pontapé de saída para um percurso que tem sido pautado pelo sucesso deu-se em 2006 e coube ao Sport Club Operário de Cem Soldos (SCOCS), a associação cultural local. Volvidos nove anos, o festival estreia uma periodicidade anual e já assumiu que não pretende ficar por aí. Até onde nos podem levar os bons sons? O director artístico do festival partilhou connosco a sua visão.

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Música em Dx (MDX) – Como é que nasceu a ideia de transformar a aldeia de Cem Soldos no recinto de um festival?
Luís Ferreira (LF) – Em 2006, para assinalar a celebração do 25º aniversário do SCOCS, organizámos um programa intenso de atividades que incluiu novas iniciativas e a reformulação de algumas que já se realizavam antes. Foi o caso do Bons Sons, que nasceu à imagem e semelhança da Festa de Arraial (festa local) mas com a ambição de, mantendo a mesma lógica comunitária e usando a malha urbana, como é tradição neste tipo de festas, ter uma programação muito mais de acordo com a perspetiva da nova geração, com um discurso e uma imagem muito mais contemporâneos.

MDX – O conceito do festival depende bastante do envolvimento da população. Esse envolvimento foi fácil de conseguir?
LF – É um trabalho muito duro porque todas as equipas (que trabalham para a preparação do festival) vivem essencialmente de voluntários da associação. Não é fácil porque todos nós temos as nossas vidas, os nossos trabalhos, mas faz sentido porque temos visto que os resultados do projeto se traduzem em mais-valias para a região. E as pessoas, ao constatarem isso, também se envolvem, tomam a decisão de fazer parte deste trajeto e aceitam sujeitar-se às decisões que vão sendo tomadas.

MDX – O Bons Sons parece funcionar bem na medida em que há um equilíbrio entre aquilo que o festival oferece – tanto ao público como aos novos artistas, que têm oportunidade de mostrar o seu valor – e aquilo que recebe, que é canalizado para a própria aldeia, nomeadamente através de projetos de caráter social. Qual é a estratégia da organização para manter este equilíbrio?
LF – O festival vai-se sempre renovando. Só há para nós dois dogmas: o uso da aldeia como matéria de trabalho e a música portuguesa. Tudo o resto vamos reinventando consoante as necessidades e os anseios da própria associação. Neste momento o festival está a transformar-se, vai passar a ter uma cadência muito mais regular e a estar mais presente na aldeia. A programação e produção de eventos vai ser mais gradual, mantendo a chancela “Bons Sons”, mas sem que esse seja necessariamente o evento maior. Vamos ter atividades de criação e formação artística, diluindo no fundo os motivos da vinda a Cem Soldos. Sentimos que só assim conseguiremos fixar mais jovens cá e criar uma dinâmica cultural mais robusta na região. O Bons Sons neste momento é muito importante para a associação porque é o nosso “credibilizador”: permite-nos ter parcerias e trabalhar a um outro nível, dando-nos uma visibilidade muito importante para os restantes projetos que temos na calha.

Portanto esse equilíbrio consegue-se não pelo crescimento do Bons Sons (enquanto evento isolado) e esmagamento da própria vivência da aldeia, mas pela diversificação. Atingimos já o “número de ouro”, que são os 40.000 visitantes durante os quatro dias do festival. Agora queremos criar uma atividade mais contínua e uma estrutura da associação ligada à música nos seus vários vetores que permita manter esse equilíbrio: no fundo, tornar o Bons Sons uma presença quotidiana, distribuindo-o pelos 365 dias do ano.

MDX – Na prática, isso é redefinir a própria vocação da aldeia, uma vez que ela está tão envolvida na organização. Acha que é um modelo que pode ser replicado noutras localidades do país?
LF – Sim e nós estamos em contacto com outras associações e organismos locais aos quais explicamos o nosso modelo de desenvolvimento. Mas não é o evento que é a chave da questão. Não interessa se é um festival, uma atividade desportiva ou de qualquer outro género, mas sim a forma como as pessoas se organizam e trabalham. Como é que se envolvem as pessoas hoje? Como é que se podem criar eventos comunitários? Não há uma receita definitiva, não é fácil e demora o seu tempo. Mas os resultados aparecem e só assim é que faz sentido fazer coisas. É importante que o que se faz não seja um “pastiche” ou uma cópia de algo que já existe: algo que tem uma forma reconhecível mas que não tem conteúdo e que, passados um ou dois anos, acaba por esmorecer. O que interessa é o conceito, o “esqueleto” da organização, e não a forma.

MDX – Acha que a reconciliação da Nossa identidade rural com as tendências mais atuais pode ser estratégica para o futuro do país?
LF – Achamos que sim e essa é a nossa batalha: trazer a contemporaneidade ao campo e fugir à ideia de que o campo está eternamente arredado da inovação e da criação. Há muita gente criativa fora dos grandes centros urbanos. Há espaço, há tempo, há um potencial enorme para explorar. Só é preciso olhar para este território de forma diferente, sem paternalismos nem estigmas, que inclusivamente já nem têm a ver com o campo de hoje.

MDX – Na edição de 2010 do BONS SONS, o Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto fez um estudo que visava traçar o perfil do público do festival. O que é que esse estudo revelou?
LF – Conseguimos perceber que 70% do público vinha de centros urbanos e fazia normalmente o circuito dos festivais ou de outros eventos culturais. Os restantes 30% eram provenientes da região e vinham sobretudo pela proximidade, por terem alguma relação com a aldeia de Cem Soldos ou pela oportunidade de conhecer um evento desta envergadura.
Depois, com outro estudo realizado em 2012, tivemos oportunidade de conhecer o impacto financeiro da vinda dos visitantes e ficámos a saber que a sua permanência durante os cinco dias em que o festival acontece representaram uma receita de cerca de 750.000 € para a região. Foi muito importante percebermos que afinal estes eventos, que se pensa serem sempre subsídio-dependentes, geram de facto receitas.

MDX – A vossa programação assenta totalmente em artistas portugueses, no entanto incluem músicos que optam por cantar em inglês. Não haverá aqui um contra senso?
LF – Não, porque nós queremos apoiar e não limitar a criação. Queremos apresentar aquilo que se faz cá (no país), hoje, seja mais ligado ao cancioneiro tradicional português, seja na exploração de outras línguas ou mesmo na música instrumental. Queremos perceber como é que as pessoas se expressam hoje no nosso território e no contexto presente. Queremos sobretudo mostrar a diversidade, que é uma característica desta década, e observar os movimentos, as novas linguagens e aculturações que estão a acontecer no momento. Será sempre um português a pensar e a fazer a música que apresentamos e é isso que queremos valorizar, seja cantada em português ou noutra língua.

MDX – O que é que os festivaleiros podem esperar este ano do alinhamento?
LF – Temos um cartaz muito equilibrado nos vários dias. Temos nomes sonantes como o Manel Cruz, a Ana Moura, os Clã e o Camané, que acabam por ser aqueles que trazem a maioria do público mas que também desempenham a importante missão de fazer esse mesmo público descobrir outros músicos, alguns já com carreiras relativamente consolidadas e outros com projetos recentes. Essa componente da descoberta é essencial na nossa programação. É óbvio que no dia da Ana Moura as pessoas virão sobretudo para a ver, mas se calhar vão descobrir o Bruno Pernadas e vão adorar. É isso que nos interessa e que temos conseguido manter. Esta é a 6ª edição do Bons Sons em que conseguimos não repetir nomes, o que acaba também por ser um sinónimo do vigor da produção nacional.

MDX – Gostaria de deixar alguma mensagem aos leitores do Música em DX?
LF – De uma forma muito prática, lembrar que o preço dos bilhetes é ainda muito simbólico (35 € pelo bilhete de quatro dias/15 € pelo bilhete diário). No nosso site têm toda a informação logística: há a possibilidade de usufruir de descontos no comboio e obter transfer para o Bons Sons; há várias atividades paralelas que complementam a música, bem como a vivência da aldeia, com as suas tasquinhas. Para além desta troca direta entre o valor do bilhete e o programa, há ainda o facto de cada um saber que com a sua presença estará a contribuir para um projeto que é inspirador e que está a mudar, à sua escala, o paradigma dos eventos culturais e a forma de nos organizarmos e trabalharmos para o bem comum.

Outros artigos relacionados com o BONS SONS 2015:
“Festival BONS SONS 2015” – https://www.musicaemdx.pt/events/festival-bons-sons-2015/
“Festival BONS SONS, onde a música é apenas (mais) um pequeno pormenor” – https://www.musicaemdx.pt/2015/08/10/bons-sons-musica-pormenor/

Mais informações sobre o festival:
Website oficial – http://www.bonssons.com/
Facebook oficial – https://www.facebook.com/bonssons?fref=ts

Entrevista por – Pedro Raimundo
Fotografia (Luis Ferreira) – José Carlos Albino | BONS SONS
Fotografia (Cem Soldos) – Carlos Manuel Martins | BONS SONS