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IndieMusic 2023. O arranque com Anton Corbijn e a colossal Hipgnosis

Este ano, o melhor festival de cinema independente que temos o privilégio de ter em Lisboa faz 20 anos de atividade. Com mais de uma dezena de secções, onde a originalidade e a ambição de ter sempre o melhor em termos cinematográficos, é já uma imagem de marca do Festival IndieLisboa. O desafio é escolher aquele ‘mundo’ incrível de curtas ou longas, ficção ou documental, conversas ou debates, DJ ou concertos! Nós acabamos sempre por fazer as nossas escolhas exclusivamente na seção IndieMusic que, por si só, já nos cria alguma ansiedade.

Começámos a ronda pelo IndieMusic na sala Manoel Oliveira do Cinema S. Jorge na passada 6ªfeira dia 28, com o magnifico documentário, “Suaring The Circle (The Story of Hipgnosis)”, do realizador Anton Corbijn (2022, Reino Unido). O fotógrafo e cineasta holandês a residir em Londres, tem um curriculum invejável na área da música, com a realização de vários videoclips para os U2, Nirvana, Roxette e Depeche Mode. Quanto ao cinema, Corbijn realizou o filme “Control” sobre Ian Curtis o vocalista da lendária banda britânica Joy Division em 2007 e, mais recentemente em 2019, o documentário ” Spirits in the Forest” sobre os Depeche Mode.

“Suaring The Circle (The Story of Hipgnosis)” é a história da equipa britânica de designers que projetou e produziu as melhores capas de álbuns da história da música anglo-saxónica, a Hipgnosis. A equipa de criativos Storm Thorgerson e Aubrey Powel (“Po”), e mais tarde Peter Christopherson, teve uma influência à escala planetária com o sucesso de inúmeras capas de discos dos Pink Floyd, Led Zepplin, Peter Gabriel, Paul MacCarteney ou os 10cc..

Este documentário é muito mais que uma narrativa sobre dois génios das artes gráficas que se juntaram para testar os limites da sua criatividade visual. É a história de uma geração de artistas que tornou a relação das culturais e criativas numa simbiose perfeita, transformando a indústria da música numa das indústrias que mais contribuiu (e ainda contribui) para o PIB britânico. As capas dos vinis eram autênticas ‘obras de arte’, meticulosamente fotografadas e retocadas pelas mãos de desenhadores gráficos de excelência. A produção era bem paga, porque todo o processo criativo e de execução não conhecia limites nos recursos físicos e humanos existentes. Uma subida ao Evereste para fotografar uma estatueta banal ou deitar uma ovelha num divã no mar das Caraíbas, eram ideias possíveis e fazíveis!

Afortunada a noite em que Roger Waters e David Gilmour se cruzaram com Powel (“Po”) e Storm, e acabaram em gargalhadas provocadas por uma rusga mal sucedida! A partir desse momento começou uma relação de amizade, consubstanciando-se numa constante troca de ideias artísticas onde culminaram em míticas capas de álbuns, como a famosa vaca de Atom Heart Mother ou do “homem em chamas” de Wish You Were Here.

O filme-documentário é protagonizado por “Po” que, de uma forma tranquila mas suficientemente cativante, consegue prender-nos e projetar-nos para uma Inglaterra socialmente deprimida nos finais dos anos 1960, mas a fervilhar de criação artistica. Um trajeto apaixonante que começa com um “once upon a time in UK” e termina numa arriscada transformação de um estúdio de design numa produtora de cinema mal sucedida. Um circulo de fortes personalidades, que inconscientemente fizeram da sua história de vida os momentos mais marcantes da história do Rock’n’Roll. Amizades que se sedimentaram num fulgor criativo e que se perdoaram no reconhecimento de relações simbióticas, em que a genialidade musical se completou na produção física do melhor que se produziu na música no mundo anglosaxónico. O criativo e produtor Storm Thorgerson, dotado de uma personalidade sui generis, deixou sentimentos antagónicos em quem com ele se cruzou. Arrojado e brilhante artisticamente, acutilante e irascível no trato pessoal, pelo menos estes foram os testemunhos de todos aqueles que o conheceram, com maior destaque no documentário para o de Roger Waters e do próprio Powel. Storm morreu em 2013.

Durante a década de 1970 Storm e “Po” eram a dupla que qualquer superstar do rock queria encomendar a capa do seu álbum, pois sabia que o sucesso estaria garantido. Hoje olhamos para todo este incrível trabalho de artes gráficas e do “renascimento do surrealismo fotográfico 12’x12′”, e pensamos na perda de autenticidade que os photoshops nos trouxeram. Não foi só a ascendência de bandas como os Pink Floyd, os Led Zeppelin, ou de músicos como Peter Gabriel ou Paul MaCcarteney, Hipgnosis marcou uma geração de artistas que deixou um legado colossal na música do século XX.