Opinião Reviews

No final, haverá sempre uma Cura

Um dos motes do ser humano enquanto ser senciente e frágil, é andar constantemente atrás de uma cura para o que vê e para o que não consegue ver. Muitas vezes, a cura está dentro dele próprio e até chegar lá faz um caminho longo e desgastante. A este desgaste também procuramos dar uma cura e tudo se transforma num eterno retorno constante onde a boca está sempre ligada aos pés. 

No contexto mundial que atravessamos, caminho longo e cada vez mais pesado que vimos percorrendo, a cura volta ser um dos principais focos. Tanto do físico como da mente. Há uma forma de cura que gosto de privilegiar e pela qual nutro especial gosto, a cura através da música.
Há um músico do norte que conseguiu, de alguma forma, trazer aos nossos ouvidos uma cura que, não curando na totalidade, ajuda a atenuar os efeitos do desgaste da luta constante pela qual passamos. 

Cura é o segundo disco de Samuel Martins Coelho. Músico de profissão com uma vasta carreira em diversos solos e com raízes na música clássica, tem vindo a trilhar caminhos pela música conceptual, experimental e de improviso. Cura é a personificação da busca de uma cura para si e da busca de cura que fazemos diariamente. 

São 7 os passos que temos de percorrer até sarar. São 7 as fases desta Cura que vem na hora em que mais é precisa.
Sendo a base fundamental “Respirar”, esta inicia-se com com uns acordes suaves de guitarra que personificam um sol brilhante e quente que nos toca, ao de leve, com os raios no rosto e na alma. É um sol apaziguante e amigo do tempo pois faz com que ele pare e nos deixe respirar com esperança abrindo os braços a uma dança harmoniosa onde começamos a descolar os pés do chão e a subir no ar na companhia de um violino virtuoso e belo. “Pele” foi o primeiro single a ser apresentado e traz com ele um violino grave, triste e melancólico com passos intrigantes que se apoderam de nós e ditam o ritmo a que o coração bate. É uma música em crescendo acompanhando a ansiedade que vamos sentindo e que se alastra dentro de nós até nos consumir numa intensa e densa miragem ligeiramente desfocada. 

A faixa mais longa do disco é a “Vento”. Nela, um violino agudo rompe a atmosfera onde nos encontramos com a força e rapidez de um vento astuto que nos estica a mão para com ele dançarmos uma espécie de tango dos sentidos. De súbito, imagens encriptadas e amontoadas cruzam-se no olhar e a percepção da existência vai-se diluindo. Sentimos uma enorme vontade de libertação e começamos a correr por entre a mente e a paisagem esverdeada e desconhecida, enquanto águias voam sobre nós. A “Cura”, segundo single apresentado, requer mais concentração e foco e é isto que sentimos ao escutá-la. Um momento de introspecção na companhia de uma guitarra simples e reconfortante. Aqui, mergulhamos na nossa essência e tornamo-nos seu amigo, numa reconciliação profunda e serena. “No Duality” é uma faixa cheia de cor. Enchemos o peito de ar e de todas as partículas que nos fazem sentir vivos e abraçamos a vida com curiosidade e satisfação, sem pressas ou metas. Quase no final de todos os passos, “Terra” marca um ritmo diferente, mais perspicaz e aventureiro. A serenidade continua a imperar e a introspecção acompanha o violino. Ao nosso redor, ondas sonoras que trazem um magnetismo intenso e nos absorvem na sua existência. “Awakening” é o último passo deste processo de cura. Um violino agudo desperta-nos e ajuda-nos a abrir os olhos e a perceber onde estamos. Há uma espécie de chamamento do mundo que nos dá um empurrão de força e energia. Vozes em coro chamam por nós e pelos nossos sentidos, revelando-nos o caminho para onde queremos ir. 

Cura é um disco para ouvir e sentir na sua plenitude. De preferência despidos do que possa bloquear-nos neste caminho. Podem fazê-lo aqui.

Fotografia – Carina Albuquerque