Backstage

Septeto Interrional – Um fruto desejado de uma pandemia imbatível

A essência do ser humano foca-se muito, por diversas vezes, em preencher vazios que nos tenham deixado ou que, até, já existam na nossa vida.
Na altura em que vivemos, não sabendo os nossos destinos nem, tampouco, o da cultura, não existindo concertos de todas as bandas, como antigamente, e sendo o livestream uma aberração, há quem ainda se foque em ajudar os artistas a não embrutecer as mentes e a tentar colmatar a falta que faz uma vida dedicada à música. 

Foi pelas cabeças que estão por detrás do MusicBox que surgiu a ideia de juntar um grupo de músicos que pudessem compor um disco que, sem esta pandemia, não existiria.
Contactou a
Lovers & Lollypops e ela encarregou-se da desejada selecção. A seis músicos diferentes e sem conexão juntou-se um artista de multimédia e os sete formaram este Septeto Interrional para dele fazerem o que de melhor sabem, música.
Este septeto é composto por
Arianna Casellas (Sereias), Mr. Gallini (Stone Dead), Rafael Ferreira (Glockenwise, Evols), Rodrigo Carvalho (Solar Corona), Violeta Azevedo (Savage Ohms) e Zézé Cordeiro (Equations) e pelo artista multimédia Serafim Mendes.

Com a música como factor de união e a vontade de criar coisas novas estes seis músicos criaram, à distância, um disco homónimo composto por sete faixas com camadas de paisagens solarengas, leves, brilhantes e intensas. A letra, ora em português ora em espanhol e, até, inglês molda-se de uma harmonia que se funde com os instrumentos e nos leva a passear. Um disco primaveril a cheirar a liberdade ao qual vale a pena dar a mão e deixar-nos guiar pelo espaço transcendente e terrestre que existe nele.

Foi neste contexto que o Música em DX esteve à conversa com Rafael Ferreira e Bruno Monteiro membros deste colectivo sobre a sua criação e a composição que gerou este disco Homónimo, editado em cassete na passada sexta-feira, dia 26 de Março

Música em DX (MDX) – Percebi que foi o MusicBox (MB) que teve a ideia da criação deste projecto, mas gostaria que me explicassem, se souberem, como é que o MusicBox pensou nisto e como é que chegaram a vocês? 

Bruno Monteiro (BM) – Não sei muito da parte do MusicBox, o que aconteceu foi que recebemos um email da Lovers a sugerir que nos juntássemos virtualmente para formar esta banda e gravar um disco e foi basicamente isso. Alguns de nós não nos conhecíamos, outros conhecíamos de vista mas a maior parte acho que nunca tinha trabalhado juntos e esta é a única parte que eu sei, não sei se sabes mais alguma coisa Rafael

Rafael Ferreira (RF) – A única coisa que eu sei foi o que a Eliana falou, a iniciativa foi do MB e depois eles contactaram a Lovers & Lollypops e mais algumas editoras e a ideia era fazer um álbum. A Lovers decidiu juntar pessoas de grupos diferentes e de sítios diferentes e nalguns casos pessoas que nem se conheciam.

MDX – Então a escolha dos músicos foi feita pela Lovers? 

RF – Sim! Nós recebemos um e-mail só a dizer: o desafio é este e digam sim ou não. 

MDX – E o nome? Foram vocês ou a Lovers? 

RF – Acho que foi o Zé Roberto (Lovers) que criou um grupo de whatsapp com esse nome e depois quando chegou a altura de dar um nome achamos todos que aquele nome era bom e acabou por ficar assim.

MDX – Na pandemia não podes ter contacto físico o que estreita um pouco as relações interpessoais que nós temos. Como é que foi partilhar ideias e construir músicas com pessoas sendo que com algumas nunca tinham tido contacto, de áreas bastante diferentes sendo que o rock é comum a todos, embora explorado de maneiras diferentes?  Como é que conseguiram essa harmonia, tentar conjugar isto tudo estando separados e com tantas pessoas diferentes? 

BM – Foi tudo bastante natural visto que estávamos todos fechados em casa e que nem sequer tínhamos possibilidades de ensaiar com as nossas bandas nem de estarmos a ser muito produtivos em casa e isto foi um bocado uma luz ao fundo do túnel para continuarmos a fazer coisas e continuarmos a conhecer pessoas, porque também é uma coisa da qual sinto muita falta, de andar na estrada e conhecer pessoal, colegas, músicos. Recebemos todos 5 ou 6 colegas para tocar e fazer música e no momento em que estávamos foi muito bom porque o tempo que tínhamos foi para dedicar a isto. O facto de não nos conhecermos e de cada um vir de identidades diferentes e maneiras de abordar a música diferentes, também foi bom porque nos permitiu sair da zona de conforto e foi uma experiência muito positiva, por tudo! Cada um estava a fazer a sua coisa em casa e uma pessoa até pode ouvir isoladamente as coisas que cada um está a fazer mas depois quando está tudo junto e quando juntamos as faixas todas acaba por sair algo nada a ver ou uma coisa que nós nem esperávamos que viesse a sair e por isso foi sempre uma surpresa. À medida que íamos fazendo as coisas era sempre uma surpresa. 

RF – Pegando naquilo que o Bruno disse e naquilo que tu disseste de virmos de sítios diferentes e por acaso nunca tinha pensado nisso que somos pessoas associadas a projectos de rock, há muitas conexões. É engraçado porque nunca falámos sobre isso e como não fugimos para aí. Fomos todos de mente aberta para fazer uma coisa completamente diferente e isso acabou por se notar muito no resultado final do projecto, até no alinhamento do disco aquilo vai um bocadinho a todo o lado e a meio do processo, quando estávamos a perceber que disco é que íamos fazer e a estética que iria ter, havia a questão de as músicas serem todas muito diferentes e, embora o sejam, acho que fazem sentido no alinhamento e percebe-se que é o mesmo grupo de pessoas a tentar fazer um disco. Acho que nesse aspecto foi um projecto muito bem sucedido porque conseguimos todos sair um bocadinho da zona de conforto. 

MDX – Houve algum momento de discordância nesse processo? 

RF – É curioso porque não houve mesmo problema nenhum, principalmente a criar. Foram as partes mais divertidas. A única fase mais stressante foi esta fase final de fechar as misturas e a produção. É sempre a parte mais chata, mas o Rodrigo tratou disso, o Zé Zé e o Bruno deram uma mão e houve mais stress com isso do que propriamente com a parte mais complexa que seria compor o disco. 

MDX – Chegaram a estar juntos  durante a composição ou só no final? Como é que fizeram? 

RF – Houve ali uns dias em Agosto em que nos juntámos. Também tínhamos de fazer as fotografias e aquelas obrigações editoriais e combinámos para nos juntarmos. Fomos para a nossa sala de ensaios no Centro Comercial Stop e foi fixe termos ido porque acabou por moldar muito o disco. Em dois dias fizemos muita coisa, deu para o Bruno gravar baterias acústicas se não tínhamos de utilizar drum machines ou o Bruno gravar em casa sozinho, que era mais complicado. Também deu para sentir a orgânica do grupo. Juntamo-nos todos ali e foi como se aquela banda já existisse há muito tempo, pelo menos falo por mim, estávamos bem a tocar mas também estávamos bem no café a conversar, havia sempre uma boa dinâmica de grupo. Comportamo-nos sempre como um grupo de amigos e isso é bom, facilita muito as coisas.

Mas só estes dois dias juntos deu para perceber que é muito mais fácil do que estarmos todos à distância. É engraçado que no disco acaba por se notar as músicas que fizemos todos juntos e aquelas que fizemos em separado. Acho que a estética muda completamente, aquelas onde estamos todos juntos têm mais força, soam mais a banda e as que fazemos em casa nota-se que são feitas por camadas, também é uma boa forma, mas é diferente. 

MDX – Quem é que escreveu as letras e quem é que decidiu a língua? 

BM – As letras foram todas a Arianna. 

RF – A da “Disvorce” não foste tu e a Arianna?

BM – Sim, mas a letra em si foi a Arianna que escreveu basicamente tudo, eu cantei a “Farfarout”, foi um idioma que inventei… saiu instantaneamente por isso nem a escrevi. De resto, foi a Arianna que escreveu tudo. 

RF – Ela é muito fluente em português e espanhol, em inglês acho que nunca tinha gravado nada, pelo menos que eu conheça. 

BM – Pelo que ela diz foi um dos desafios para ela, cantar em inglês. 

RF – Este projecto também foi bom para experimentar coisas que normalmente não se fazem. 

MDX – No vosso press release, que não sei quem escreveu, há uma afirmação que diz que o disco Septeto Interrional é música para dar uma pausa ao confinamento. O que é que isto quer dizer?

RF – Do ponto de vista estético não sei explicar bem o que quer dizer mas se calhar acho que, ouvindo o disco, aquilo transmite um bocado uma sensação de “normalidade”.

BM – Acho que também é mais pelo simbolismo que teve, estamos em confinamento, à partida não há bandas juntas ou a tocar e nós de alguma maneira arranjamos forma de essa pausa no confinamento, apesar de termos feito tudo à distância.

RF – Eu acho que essa referência tem mais a ver com o resultado e não com o processo. Ouvindo o disco, acho que remete para o ar livre, a mim parece-me que a produção e o conjunto dos elementos traz uma aragem boa de outdoor, estarmos na rua e acho que é isso, tem a ver com o estado de espírito com que ficamos ao ouvir o disco. 

MDX – Acham que este homónimo é o primeiro disco de muitos ou foi acto isolado? 

RF – Por acaso nunca falámos sobre isso, de fazer mais discos. 

BM – Mas para a próxima que seja todos juntos. A proposta inicial foi gravar um disco e tocá-lo ao vivo, eventualmente .

RF – SIm! Se tivéssemos estado uma semana todos juntos, tínhamos feito o trabalho de quase um ano. Eu teria todo o gosto em fazer isso! Sem querer, juntou-se um bom grupo de malta que se dá bem. 

MDX – Um supergrupo…

RF – Mais que um supergrupo, é um grupo simples, de pessoas simples e isso facilita mais do que se calhar um supergrupo. Se fossemos um supergrupo se calhar já estávamos todos à batatada. 

MDX – Tocar ao vivo fazia parte dos objectivos ou era só fazer um disco?

RF – Faz parte do projecto apresentá-lo ao vivo, foi-nos apresentado dessa forma, haveria depois outra residência para prepararmos a apresentação ao vivo e tocá-lo no MusicBox. Acho que há algumas possibilidades de o fazer noutro sítio, mas vamos ver o que dá para fazer, tendo em conta isto tudo. 

MDX – Enquanto músicos e indivíduo queria que me dissessem como estavam a lidar com esta situação que vivemos. 

BM – Eu pessoalmente tenho estado minimamente bem, tenho aproveitado este tempo para compor e sei que não vou ter concertos a longo prazo, depois se acontecerem são com lotação reduzida e podem vir novas vagas… então por defesa penso sempre na pior das situações e quero apenas pensar em gravar e deixar coisas feitas para quando isto abrir voltar ao activo. A nível musical não é assim tão fácil continuar, alguns de nós tínhamos um pé de meia e tínhamos poupado algum dinheiro mas agora chega a um ponto em que temos de arranjar outro tipo de alternativas para termos income. Eu e uma carrada de amigos meus estamos nessa fase de ter esperança mas ao mesmo tempo que isto rapidamente não vai voltar a ser o que era e temos de arranjar outras alternativas de poder continuar a trabalhar. A nível pessoal, acho que isto nos vai afectando a pouco e pouco e chega a um ponto em que já é estranho quando estamos com alguém fora da nossa bolha habitual, acho sempre estranho o início da conversa, parece que já não estamos habituados a lidar com pessoas novas. 

RF – Enquanto músico acho que não há aqui grande coisa a dizer, desgraça a todos os níveis! Nunca se viveu nada assim e acho que pior do que sabermos como isto está, é pensar como vai ser depois e isso ainda nos deixa mais inquietos. Tanto eu como o Bruno temos grupos que tocam bastante mas que não tocam muito em auditórios. Podem abrir os auditórios e os teatros mas os sítios que nos alimentam são os bares e os clubes e isso está tudo fechado e não sei como vai ser. Quando se fala de cultura parece que se está a falar de instituições, espaços culturais das cidades, mas a cultura está longe de ser isso. A cultura fomenta-se nos sítios pequenos e é aí que a cultura nasce e ferve porque nenhuma banda nasceu num teatro. Não conheço nenhuma história de uma banda que tenha começado num anfiteatro e isso deixa-me um pouco irrequieto. A nível pessoal por acaso tenho a sorte de não estar a viver no Porto ou em Lisboa e não pago uma renda ridícula, consigo pagar a minha vida mas, para além de ser músico, trabalhava como assistente de sala, a recibos verdes, por isso esta bala atingiu-me dos dois lados, pela frente e por trás assim a 100%. Depois há toda a questão dos recibos verdes porque trabalho naquele sítio há mais de dois anos, já devia ter contrato, mas as coisas não funcionam assim. Isto tudo podia ser a grande oportunidade de dignificar todo este sector, mas acredito que quando as coisas começarem a abrir as pessoas vão ficar mais entusiasmadas e estas questões de base que nos dão dignidade vão ser rapidamente esquecidas. Neste meio, as pessoas que não trabalham na cultura, têm a percepção de não há meio termo entre ser músico e ser super famoso, o problema é que este tempo novo trouxe um campeonato intermédio onde a minha banda pode trabalhar e ter um trabalho digno como se fosse outra banda qualquer e é preciso pensar neste campeonato intermédio como real, termos registo, passar recibos, os bares passarem recibos. Há todo um meio que tem de ser trabalhado e educado nesse sentido. 

MDX – Imaginemos que estamos nesta situação durante um longo período, o que é que vocês acham dos livestreams e desta realidade toda que agora surgiu? Vêem-se a apostar nisso?

RF – No meu caso não. Eu acho que é uma boa possibilidade se for uma estrutura grande e bem montada, agora uma banda completa não tem possibilidade de fazer algo bem feito e com qualidade. É bom para artistas a solo, acho que funciona bem, mas para uma banda não… 

BM – Mesmo tocando a solo acho que nunca faz jus ao que é um espetáculo ao vivo. Há bandas que conseguem fazer coisas fixes, como aquilo que vês no youtube às vezes, mas nem todos têm a possibilidade de o fazer e nem é a mesma coisa… Nunca podemos esperar o mesmo de um concerto com público, palco, bar, luzes, fumo, é impossível replicar isso para um computador ou um telemóvel e acho que é preciso ter noção disso. Nunca vamos ter a mesma experiência que temos num bar, assim. Há espaço para reinventar isso, talvez. Eu dei alguns concertos a solo e quando dei o primeiro percebi  logo que não fazia sentido estar a tentar replicar uma coisa que fazes ao vivo para ali… então fui tentando reinventar, dei um que era uma espécie de stand up ,por exemplo. No fundo acaba por ser entretenimento, mas isso não nos cabe a nós músicos, cabe aos comediantes, influencers… Nós não temos a capacidade de nos reinventarmos dessa forma pelo menos para já, mas acho que nesse sentido podemos sempre tentar arranjar espaço para coisas que possam funcionar através de uma webcam. Esperar que isso seja o mesmo que ao vivo, acho que estamos só a iludir-nos. 

RF – Eu acho que em vez das autarquias e o pessoal que paga a alguém para fazer um concerto em streaming, se calhar é melhor fazer como o MB fez que é dar o dinheiro a músicos para fazer um disco e terem condições para estar a trabalhar, estarem a criar em condições e não estar aqui a fazer de conta que vamos a concertos na mesma e não vamos. Se calhar o dinheiro é mais bem empregue se entregarem aos músicos para fazerem um disco para depois apresentar ou para o pessoal ouvir agora. Acho que é melhor ouvir um disco novo do que ver um concerto em streaming e, se calhar, deixo este apelo ao mundo.  Eu dei um concerto em streaming aqui em Guimarães e foi terrível, muito mau. O melhor que podes obter de um streaming é caro e é pior do que estar a investir na elaboração de um disco. 

BM – Subscrevo. 

MDX – Portanto, um futuro com concertos em livestream não é de todo concebível… 

RF – Acho que não. Os concertos em streaming foram uma ideia do imediato e acho que isso tem razão de ser, é uma reação ao momento. Agora passado um ano toda a gente concorda que os concertos em streaming não são uma solução nem para agora nem para o futuro. As experiências do concerto vão muito para além da música, não há streaming nenhum que substitua isso. 

Podem comprar o bilhete e apanhar o comboio interrional aqui.

Fotografia – Renato Cruz Santos