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Um abraço Tribalista

Passava pouco mais da hora marcada, quando os quatro ecrãs se acenderam e cobriram a frente de palco do Altice Arena em Lisboa. Uma tribo de oito elementos, vestidos num rigor carnavalesco de cor e brilho, entraram em palco para finalmente fazerem a festa tribal. Imagens de época retratavam um Carnaval de um Brasil meio cinzento, que intercalavam com imagens do trio Tribalista. As letras das músicas iam sendo projectadas com caligrafias sempre diferentes e humanizadas (jogo de luz de Juarez Farinson). Carlinhos Brown, com turbante e um roube preto brilhante, Arnaldo Antunes de capuz vermelho na cabeça e Marisa Monte coberta numa espécie de manto vistoso. Abraços e beijos foram trocados entre o trio, numa espécie de amuleto de sorte para o decorrer do espetáculo (primeiro) na Europa. Uma carioca, um paulista e um baiano, que compõem juntos há quase duas décadas, estavam a estrear-se nos palcos. A tour Tribalistas arrancou em Julho passado pelo imenso Brasil, e começou na Europa aqui em Lisboa no domingo.

Apresentaram-se no final do terceiro tema e em jeito de provocação, “vieram para colonizar Portugal, principalmente pelo pão, que é uma delícia!”, dizia entre sorrisos o baiano Carlinhos Brown. Um deslize no som que provocou uma forte e momentânea distorção, não teve reação nos músicos que continuaram a tocar com a naturalidade possível de quem tem muita estrada feita. Vindo da plateia, um “elenão” a plenos pulmões que, apesar da efusiva reação do público, não teve reação nos músicos.

“Água também é mar”, com um arranjo instrumental e de voz meticuloso, onde a água caía sob as nossas cabeças e a brisa do vento dançava pela sala. Quase que sentíamos os salpicos salgados das ondas na ponta dos lábios. Tiraram os casacos, e Marisa Monte transformou-se numa deusa angelical, onde a voz se projectava no cair da chuva. Entre os temas, partilhou que tinham mais de 50 temas no reportório. Apesar da distância entre o primeiro e o segundo álbum (2002 e 2017), ambos homônimos, a cantora carioca justificou-se com o trabalho intenso de composição dos três músicos e, inclusive, de que “algumas músicas surgiram durante esta tour (…) e esperamos que saiam também de Portugal”.

O alinhamento foi uma mistura de temas dos dois álbuns, e alguns de cada músico a solo (principalmente de Marisa Monte), mas onde o trabalho de composição foi também em trio ou em dupla. Não é fácil foi disso exemplo apesar de uma nova roupagem, em que os instrumentos de percussão enriqueceram os acordes. Sem você, de Arnaldo Antunes, marcou um dos momentos mágicos da noite. Um céu estrelado dominou o palco e espelhou uma afinação deliciosa da Marisa. O microfone vintage parecia fazer parte da indumentária da deusa carioca, que inclinava ligeiramente a cabeça enquanto projectava sons vindos dos lugares mais recônditos da Amazónia, ou das planícies sertanejas.

Nesta altura já Carlinhos Brown começara a sua performance de entreteneur nato, e agitava o público com um abraço tribalista para uma Lisboa, I Love You. Depois, os três músicos largaram os instrumentos e cantaram com lanternas que rapidamente contaminaram a sala. Maracas, flautas, pandeiretas, apitos, assobios, o palco era agora uma panóplia de sons tão alegres quanto os seus figurinos. Comboios, pássaros, chuva, vento, mar, samba, o Brasil inteiro estava naquele palco. Já sei namorar seguiu a onda de amor já instalada na sala, com o público completamente em êxtase. Despediram-se do público, e o palco ficou iluminado com o perfil dos três moços da “tribo” sob um fundo amarelo. Regressaram com novos figurinos (escolha de Rita Murtinho) mantendo as cores do tropicalismo (quase) ancestral. E foi na repetição da Velha Infância e de Tribalistas, que Carlinhos Brown colocou a bandeira do Brasil (oferecida pelo público) sobre a percussão, e Marisa Monte improvisou palavras de ordem entre as estrofes, “Viva a cultura, viva a educação, viva a diversidade”. Rematando com, “agora a festa é na floresta, toda a tribo vai dançar!” Em círculo os oito músicos deram as mãos e dançaram debaixo das pétalas de flores que entre sorrisos caiam sobre as suas cabeças. O tribalismo na consagração da vida e da riqueza da sua diversidade.