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Señoritas no Lux Frágil, uma banda feminina dominada pelos graves

As Señoritas lançaram este mês As saudades que eu não tenho, o seu segundo registo de originais, depois da estreia em 2016 com Acho que é meu dever não gostar. O Lux Frágil foi o local escolhido para apresentar o novo disco à cidade de Lisboa.

As Señoritas são Mitó Mendes e Sandra Baptista, duas senhoras que antes da fundação deste projeto já tinham um trajeto relevante no universo da música portuguesa. Sandra Baptista foi a acordeonista dos inesquecíveis Sitiados, o que por si só já lhe dá um estatuto que só alguns conseguem alcançar. Terminada a aventura com os Sitiados, Sandra Baptista e Mitó Mendes viriam a encontrar-se no projeto A Naifa, em que a primeira tocava principalmente baixo e a segunda cantava e interpretava os temas à sua maneira. Acabada esta aventura, as duas, fruto da sua forte amizade, aventuraram-se em mais uma banda, de nome Señoritas e em que a melhor forma de a definir é dizendo que ela resulta por completo da junção desta duas senhoras e respetivas personalidades.

Chegados ao Lux Frágil na quinta-feira, dia 24 de maio, somos encaminhados para a sala onde se iria realizar o concerto. Descemos as escadas e de imediato chama-nos à atenção os dois vestidos de senhora suspensos no palco. De resto, alguns amplificadores e pouco mais. Afinal de contas, as Señoritas são só Sandra Baptista, que toca baixo e acordeão, e Mitó Mendes, que para além de cantar toca também guitarra elétrica (e já no encore ainda tocou tarola no tema “Solta-me”). A sala foi-se enchendo, com pessoas de gerações que viveram de perto o fenómeno Sitiados (mas onde param os miúdos de hoje?), e quando o concerto se inicia por volta das 23h30 já o espaço está muito bem composto.

As duas senhoras sobem ao palco mas um problema no computador de serviço dificulta o seu arranque. Computador operacional e de imediato atiram-se ao novo As saudades que eu não tenho, tocando de seguida “Bomba Relógio”, “Enlouqueci” e “Tanto Faz”. Ao quarto tema da noite, regresso ao disco de 2016 para a interpretação de “7 Pragas”, seguido de “Acho que é meu dever não gostar”, “Confissão Confesso” e “A Mão Armada”, todos do álbum de estreia.

Nesta altura já entrámos por completo no universo Señoritas, criado por Sandra e Mitó e que passa por fazer música de uma forma totalmente livre e despretensiosa. Aqui não há propriamente grandes ambições para além da de fazer algo de que gostam e que as faz feliz, acrescentando o facto de as manter em contacto uma com a outra, o que também tem a sua importância já que demonstram uma forte intimidade entre si. Sandra Baptista surpreende por aquilo que é enquanto baixista. Já sabíamos das suas capacidades como acordeonista, agora, ficámos a saber que estamos perante uma mestre do instrumento. O seu baixo é peça essencial na sonoridade das Señoritas. Mitó Mendes não é propriamente uma grande guitarrista, mas esse facto é totalmente compensado pela sua voz grave e pela maneira intensa e envolvida com que interpreta os temas – algo que se percebe melhor olhando para os movimentos algo descontrolados dos seus pés, sendo tal facto sobressaído, propositadamente ou não, pelas duas grandes botas-ténis brancas que tem calçadas. Podemos afirmar que a essência das Señoritas é constituída pelo baixo de Sandra e a voz grossa de Mitó, o que não deixa de ser curioso, já que se pode dizer assim que são os graves quem mais se destacam numa banda marcadamente feminina. A juntar a tudo isso temos as palavras escritas por Sandra que são interpretadas de uma forma única por Mitó.

No seguimento do espetáculo segue-se um momento inédito na história das Señoritas. Pela primeira vez, as duas partilham o palco com um senhor. Nuno Carvalho junta-se a Sandra e a Mitó para com elas tocar, primeiro baixo e depois guitarra, os temas “Tempo” e “Serve-te”, ambos do álbum acabado de editar. Mais tarde, voltaria a juntar-se às duas na ponta final do concerto, antes do encore.

Segue-se “Rato”, o primeiro single de As saudades que eu não tenho onde se sobressai a batida proveniente das backing tracks, usadas em quase todos os temas, continuando no novo disco com “Vem Comigo”, anunciado por Mitó como sendo a primeira canção de amor escrita por elas as duas, algo que só aconteceu, assim, já depois de chegadas aos “entas”. “Uma Mulher Só” e “Sem Vida” surgem de seguida, para regressarmos ao trabalho de 2016 com “Ciática” e “Alice”. O público queria mais e as duas senhoras fizeram-lhe a vontade, regressando ao palco para interpretar mais dois temas do álbum de estreia, “Solta-me”, o tal onde Mitó bate forte numa tarola, e “Nova”.

Cerca de uma hora de concerto onde o novo disco foi tocado quase na íntegra. No final, e ouvindo os temas do primeiro e do segundo disco misturados, fica a ideia de que este As saudades que eu não tenho é um trabalho que apesar de ser mais maduro não tem canções tão orelhudas como acontece com Acho que é meu dever não gostar, onde constam canções como o tema-título, “Alice”, “Nova” ou “Solta-me”, que facilmente entram no ouvido de qualquer um. Ou então é uma questão de tempo até as canções de As saudades que eu não tenho também começarem a fazer moça nas cabeças de todos nós.

 

Texto – João Catarino
Fotografia – João Rebelo