20180227 - Tricky @ Lisboa Ao Vivo
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Tricky na penumbra enérgica da sensualidade

A sala de espetáculos escolhida foi tão perfeita como o tempo tempestuoso que se fez sentir durante a noite da passada 3ª feira. A penumbra underground da Lisboa ao Vivo encaixou que nem uma luva na performance do britânico Tricky e dos seus músicos. A chuva intensa também.

Quase vinte minutos depois da hora agendada, o corpo esguio e seco de Adrian Thaws entrou em palco envolto numa nuvem de fumo. Timidez dissipada em camadas de vidas, tatuadas num corpo enérgico e genuinamente expressivo. Deambulou com precisão a direito, de perfil para um público que em noite de tempestade compactou com mais de hora e meia de transcendência sonora. “I´m not going” logo no segundo tema, surge na voz (e presença) angelical de Martha, uma espécie de antídoto ao negro crú do cenário. A voz feminina que acompanhou todos os temas recolhia-se na lateral, quando o palco era exclusivo do grandioso Tricky.

20180227 - Tricky @ Lisboa Ao Vivo

Destorção limpa ressonante no sítio certo, que nos fez desprender aos poucos do solo. Precisão milimétrica na entrada das vozes gravadas, numa sobreposição dos dois microfones que o acompanharam a maioria dos temas. A bateria respondia aos seus pedidos de descida ou subida de tom, como um maestro que sabe exatamente qual o momento certo para fazer a magia acontecer.

Saída momentânea de palco depois de empurrar (com ligeireza) o técnico que apressadamente desenrolava o fio do microfone. Tricky regressou com um copo na mão e acendeu mais um cigarro que o envolveu numa silhueta perfeita. Gestos que se fundiam nos sons de hélices a rasgar o nevoeiro da sala, numa sensualidade arrepiante. As mãos agitavam-se ao alto com rapidez, como que a expurgar os ódios sofridos a um Deus que esteve ausente na sua estória. O enrolar da camisola, num gesto de menino perdido nas ruas de Bristol que se fundia numa expressão de rebeldia potenciada pelos excessos.

20180227 - Tricky @ Lisboa Ao Vivo

Alinhamento direcionado numa discografia cronologicamente cuidada que, pela reação do público, foi do agrado de todos. Nothing Change (False Idols, 2013), Wonder Woman (Adrian Thaws, 2014), Dark Days (ununiform, 2017), Overcome (Maxinquaye, 1995), foram alguns dos temas que nos deixaram rendidos à genialidade do músico. Cumplicidade com o baterista já quase a terminar o concerto, colocou-se a seu lado e apresentou-o. Seguiu as apresentações dos restantes músicos.

Tricky mostrou que é coerente com o seu registo e que não está para fazer fretes, seja aos críticos, às editoras ou aos seus pares. Singular e autêntico na excentricidade e no inconformismo. O ecletismo sonoro fazem de cada canção composições únicas que se perpetuam no tempo. Tricky esteve inteiro em palco e entregou-se a cada uma das músicas com uma intensidade contagiante. Para quem ainda tinha dúvidas sobre as capacidades artísticas do percursor do trip-hop, certamente que nesta noite deixou de as ter. Tricky continua um performer envolvente, com uma presença arrojada e a transbordar de sensualidade enérgica.

 

Texto – Carla Sancho
Fotografia – Luis Sousa