20171125 - Sevdaliza @ Vodafone Mexefest 2017
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Vodafone Mexefest’17, Dia 25: Sortido de Outono

Diz-se que a variedade é a pimenta da vida e a equipa do DX leva esse adágio tão a sério que no segundo e último dia do Vodafone Mexefest andou feita doida pela baixa lisboeta como uma criança hiperactiva numa loja de doces. A começar no Rap viscoso do Conjunto Corona e a terminar na Disco efervescente de Moullinex, as estrelas da noite foram as senhoras: Aldous Harding, Julia Holter e Sevdaliza, que diferentes formas nos encantaram. No entanto, não deixámos de apreciar a Pop cerebral e frenética dos Everything Everything, assim como a forma descomplexada como os Childhood debitam o seu Rock revivalista, mas quase caímos para o lado de tédio com os Cigarettes After Sex.

20171125 - Ambiente @ Vodafone Mexefest 2017

fotos na galeria Vodafone Mexefest’17 Dia 2 Ambiente

A noite começou com dose dupla de Hip-Hop, primeiro nacional e depois além-fronteiras, com percentagens de sucesso muito díspares. Lisboa sabe receber o Conjunto Corona e eles sabem disso: dB não se coibiu de elogiar a gentileza da capital. Os mais importantes dignitários de Gondomar – que até mereceram um cachecol da agremiação desportiva dessa localidade – voltaram e desta feita ao Capitólio onde distribuíram a habitual sessão de obscenidade, mau gosto e humor refinado disfarçado de brejeirice – tudo o que se quer, portanto. Com um Homem do Robe destacado para distribuir shots de hidromel pelo público (atente-se: os Corona são neste momento patrocinados pela Runas Hidromel, naquele que deve ser um crossover inédito na história do nosso país), Logos e Kron Silva foram desde os innuendos fálicos de Fruta da Ilha à (justa) promessa de maltratar turistas com Pontapés nas Costas, com tempo para relembrar que em menos dum mês estamos na altura mais sagrada do ano e também há Noite de Natal em Cimo de Vila.

20171125 - Conjunto Corona @ Vodafone Mexefest 2017

fotos na galeria Vodafone Mexefest’17 Dia 2 Conjunto Corona

Já quanto representante internacional, CJ Fly, a actuar na mesma sala, bem, digamos que por alguma razão não tem a mesma projecção que Joey Bada$$, seu comparsa nos Pro.Era. Podia ser só uma questão de mediatismo injustamente privado ao rapper nova-iorquino, mas a sua prestação em palco não deixa dúvidas. A sua identidade musical indistinta, ora a voltar ao Boom Bap, ora a apostar no Trap, não ajuda, mas o real problema reside mesmo no facto de CJ Fly não saber cantar e de recorrer a uma voz desafinada para tentar puxar ganchos que pouco têm de memorável. O ambiente estava a ser de tal forma constrangedor ao fim de Deposition que fizemos o que muita gente já feito naquela sala e fomos pairar para outros lados.

20171125 - CJ Fly @ Vodafone Mexefest 2017

fotos na galeria Vodafone Mexefest’17 Dia 2 CJ Fly

Entre estas sessões, demos um saltinho ao venerável Palácio Foz, onde O Gajo, modesta denominação que João Morais toma em palco, se encontrava a dedilhar a sua viola campaniça. Instrumento alentejano nas mãos de um lisboeta, O Gajo viu nestas 10 cordas a melhor forma de homenagear a cidade que o moldou e a verdade é que delas sai uma massa sonora digna de mimetizar a ambiência da capital em temas como Miradouro da Batucada ou Há uma Festa Aqui ao Lado, que podia ser o mote oficial do Mexefest. Raras vezes é agradável assistir a um concerto sem quase ver o intérprete, mas nesta ocasião foi bom ter um mar de cabeças à frente por significar que Morais estava a ter reconhecimento.

20171125 - O Gajo @ Vodafone Mexefest 2017

fotos na galeria Vodafone Mexefest’17 Dia 2 O Gajo

A manter o registo confessional entre um músico a sua guitarra, mas desta feita no feminino, Aldous Harding protagonizou um dos melhores momentos do festival no Cinema São Jorge. Cantores e cantoras folk há muitos/as, mas a neozelandesa desafia comparações com as suas composições esparsas, ocasionalmente rasgadas por arranjos de arranjos, de tons soturnos. A jogar contra si esteve o facto de não ser a mais imediata das artistas num festival onde se salta de sala em sala para tentar extrair o máximo de sumo possível e começar com Swell Does the Skull, tema belo mas obtuoso, não ajudou. Por isso mesmo foi trágico ver pessoas a debandar da sala, particularmente depois de picarem o ponto com Imagining My Man, o seu single mais conhecido. Quem teve paciência, viu uma artista a mostrar a plasticidade da sua voz em Horizon, magnífica canção suportada pelas teclas de H Hawkline onde Harding vai desde um agudo pueril a um agigantar sobre o microfone, ou Party, que faz uso do seu característico sotaque para expor as suas dúvidas. Muito gostaríamos de ter ficado até ao fim, mas não podíamos passar ao lado de um dos concertos mais esperados do festival, e uma das mais desilusões também.

20171125 - Aldous Harding @ Vodafone Mexefest 2017

fotos na galeria Vodafone Mexefest’17 Dia 2 Aldous Harding

Se Harding foi a descida de uma montanha russa emocional, os Cigarettes After Sex foram aquela parte chata em que é preciso voltar à fila para dar mais uma volta. A banda texana merece um prémio pela coerência que demonstra: o tipo de som que apresenta mimetiza exactamente a languidez e o relaxamento que o seu nome pretende evocar. A questão é que, se fumar na cama é uma má ideia (quem disser o contrário é mentiroso, ninguém gosta de lençóis com bafum a nicotina), tentar replicar a sensação de pós-coito também, porque a seguir ao acto vem a inevitável sonolência. Percebe-se porque é que são um caso de sucesso: as letras descarnadas de Greg Gonzalez causam tumescência nas virilhas e a Pop sonhadora que as acompanha é bonita, mas não funciona ao vivo. A intimidade perde-se numa sala como o Coliseu, especialmente se as pessoas em redor estiverem a cochichar em vez de imaginar cenas românticas – quer no sentido erótico, quer no sentido trágico ou quer numa confluência de ambos a que se chama Vida – na sua cabeça, e em seu lugar instala-se o tédio. Ainda assim, como era expectável, músicas como Affection, Apocalypse ou Nothing’s Gonna Hurt You Baby foram o gáudio de muito boa gente que, acredite-se ou não, foi também quem mais deu uso ao telemóvel para captar o momento para a posteridade.

20171125 - Cigarettes After Sex @ Vodafone Mexefest 2017

fotos na galeria Vodafone Mexefest’17 Dia 2 Cigarettes After Sex

A cambalear depois desta pastelada, tivemos um surto de energia na forma de uns putos de Nottingham a lembrar os 60’s e 70’s via Rock perfumado de Soul. Os Childhood são britânicos mas têm a cabeça do outro lado do Atlântico, tal a forma como Universal High ou Understanding exibem refrães que evocam aquele sentimento agridoce de nostalgia tão presente no cânone da Motown. Apesar do som na Estação Vodafone roubar-lhes clareza, Ben Romans-Hopcraft e restante não se fizeram rogados e puxaram pelos galões com uma energia quase juvenil. Num dia em que se prestou homenagem a Charles Bradley com a exibição do seu documentário, o maior tributo foi ver a alegria com que esta rapaziada pretende ajudar a carregar a tocha.

20171125 - Childhood @ Vodafone Mexefest 2017

fotos na galeria Vodafone Mexefest’17 Dia 2 Childhood

Falando de jovens ingleses cheios de genica, os Everything Everything são daqueles exemplos da banda inglesa indie moderna, ao jeito de contemporâneos como Alt-J e Wild Beasts: Art Pop de letras inteligentemente construídas que não barra entrada a influências seja de que género musical for, seja New Wave, Rock, Funk, Prog ou até trejeitos de Hip-Hop. De regresso depois de uma passagem nesta mesma sala em 2013, o quarteto, com uniformes a condizer, mostrou o quanto evoluiu a abrir com Night of the Long Knives, de grandiosidade equivalida ao teor político, que permeia os seus últimos álbuns. Há uma certa dificuldade em reproduzir com a mesma força ao vivo os temas supertrabalhados em estúdio e o falsete de Jonathan Higgs numas ocasiões saiu forçado, noutras ficou enterrado sob a massa de instrumentos. Por outro lado, o carácter contagioso do balanço de Desire, a hiperactividade de Cough Cough ou o refrão recuperado directamente dos 80’s de Regret venceram as dificuldades colocadas perante a banda que, assinou uma boa, mas não incrível, prestação.

20171125 - Everything Everything @ Vodafone Mexefest 2017

fotos na galeria Vodafone Mexefest’17 Dia 2 Everything Everything

Fazemos uma confissão, não assistimos aos Everything x2 até ao fim porque não podíamos deixar passar a oportunidade de ver nem que fosse um pouco da actuação de Julia Holter. Consequentemente, apanhámos apenas os últimos 15 minutos do set da musa californiana, mas foram dos melhores que tivemos em todo o Mexefest. Ao entrar no Tivoli, estava Holter ao piano com Tashi Wada a acompanhá-la nos sintetizadores. Sem o acompanhamento barroco que trouxe ao seu último álbum, a cantora fez uso de um efeito de coro na sua voz para uma experiência diferente de Have You in my Wilderness. Primeiro foi Sea Calls Me Home e depois com Betsy on the Roof, tendo sido particularmente na segunda onde evidenciou o máximo potencial do seu canto de sereia com o seu final arrepiante. Pena, muita pena de não termos visto mais, mas estes curtos momentos encheram o coração.

20171125 - Julia Holter @ Vodafone Mexefest 2017

fotos na galeria Vodafone Mexefest’17 Dia 2 Julia Holter

Do outro lado da avenida, uma enorme fila estava formada desde o São Jorge até ao Teatro Maria Vitória. O motivo? Sevdaliza, que pela multidão que arrastou merecia uma sala maior e menos formal, já que as filas da frente estavam compostas por fãs excitados, de pé em todas as músicas. Foi o concerto da cantora irano-holandesa motivo para tudo isso? Apesar da histeria colectiva roçar o insuportável, sim, foi, e diga-se que essa comoção sensibilizou a artista por ver tanta gente ser sua fã sem ter uma grande editora a apoiá-la. O espectáculo começou em grande, com uma longa introdução até Time abanar a sala com os seus graves monstruosos, fortificados pela presença de um baterista. No centro, Sevdaliza seduz com uma voz tão vulnerável quanto poderosa, um espectro adequado para quem simultaneamente valoriza a sua condição de mulher independente mas também chora por amor falhado. Essa faceta é exposta em pleno em The Inside e Human, canções tão sónicas quanto visuais, que contaram com um bailarino num duelo de dança cheio de tensão com a cantora. Contudo, o momento em que a casa quase foi abaixo foi com That Other Girl, Trip-Hop travestido de Dubstep com o refrão cantado em uníssono pela audiência. A dimensão política do seu trabalho, que vai desde a inversão do Male Gaze à premente questão étnica que continua a incendiar o mundo, não ficou ausente do concerto com Sevdaliza a trazer Bebin, tema de protesto contra a discriminação inteiramente cantado em persa. Por fim, observámos a sua habilidade performativa, quando terminou Marilyn Monroe em posição fetal, arrasada pela tormenta de criar uma fachada sobre si mesma. Tendo sido outro dos pontos altos do Mexefest, esperamos voltar a vê-la noutras condições.

20171125 - Sevdaliza @ Vodafone Mexefest 2017

fotos na galeria Vodafone Mexefest’17 Dia 2 Sevdaliza

A encerrar as festividades com chave de ouro, Moullinex mantém a tarefa árdua de nos levar de volta para o final dos anos 70 com a sua reintrodução da Disco nas nossas vidas. Ok, é verdade que não foi Luís Clara Gomes que iniciou o movimento; esse deve-se àqueles dois ubíquos franceses com máscaras futuristas e Luís sabe disso, o que não tem mal algum, dado tour de force que são os seus concertos ao vivo. Tal como os Orelha Negra no dia anterior, este projecto está noutro nível em termos de produção: uma plataforma onde Ghettoven – o cantor convidado para esta noite – dançava em frente a um ecrã Chroma key, uma criança de macacão a partir tudo em cima do palco, um keytar tocado sem o mínimo de vergonha – há uma séria dedicação a esta causa. Quando chegámos, Carnival fazia jus ao seu nome e a partir daí metemos as mãos no fogo em como a banda não parou uma única vez até chegar ao encore. Pelo meio tivemos direito a Work it Out, ao fantástico remix de Do it Again cantado por Da Chick, à presença dos Best Youth para Hidden Affection e de Nuno Cardoso (Xinobi) para o que foi um Family Affair para a Discotexas. A potência com que meteram o Coliseu a dançar foi tal que o baterista, Diogo Sousa, ameaçou não regressar devido a uma caibra. Mas os deuses do glitter e do groove tiveram misericórdia e permitiram que regressasse para que Morse Code e Take My Pain Away fechassem com um estrondo esta edição do Mexefest.

20171125 - Moullinex @ Vodafone Mexefest 2017

fotos na galeria Vodafone Mexefest’17 Dia 2 Moullinex

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Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Luis Sousa
Evento – Vodafone Mexefest 2017
Promotor – Música no Coração