Opinião Reviews

Valter Lobo, na tranquilidade azul do “Mediterrâneo”

Músico cantautor natural de Braga, que se fez notar em 2012 quando integrou a coletânea de Novos Talentos da Fnac, com o tema “Pensei que fosse fácil”. As referências musicais anglo saxónicas dos anos 90, como Oásis, Blur ou The Verve foram, como para muitos músicos desta geração, algumas das influências da composição. Porém, Valter Lobo distancia-se das suas bandas de culto, editando o seu primeiro trabalho discográfico, o EP “Inverno” lançado em 2013.

Em Setembro de 2016 lança o seu primeiro álbum de originais, “Mediterrâneo”. De uma varanda acolhedora, visualiza as águas quentes e paradas do Mediterrâneo, mas a composição revela um agitar de marés. Uma tentativa introspectiva de derreter o frio do Inverno do Norte, para em seguida se espraiar no Sul quente e luminoso.

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Sem nunca se desviar daquilo que assumiu numa prosa literária despojada de preconceitos, “Mediterrâneo” oferece-nos trilhos melodicamente distintos, num lirismo de sentimentos crus, bonitos. Caminhamos em guitarras acústicas e vocábulos deambulantes nos interstícios das veias do coração, afirmados nos diálogos de juras de amor efémero. Sem nos apercebermos, somos envolvidos numa orquestra grandiosa, disciplinada, numa pauta complexa de versos carnudos de um estado d’alma extenuada, Pra sentir mais dou de mim mais.

Num tango latino, uma amizade improvável entre maracas que dão o ritmo de dança e umas teclas soltas “que só de te ver dançar o mundo altera-se”, Oeste. Confidências saudosas de amores quase adolescentes, em sonhos viscerais de uma eternidade desejada “estar nos teus poros ad aeternum”, Tenho saudades.

Um dedilhar de cordas transversal em quase todos os temas, que cria uma espécie de estrutura arquitectónica do álbum. Mas em certas faixas é mais evidenciado, projectando pinceladas coloridas num degradé perfeito. E quando esse dedilhar suporta a subida do refrão, no elevar do timbre da voz e tranquilamente se fecha num único deslize de dedos, isso é o Mediterrâneo.

“ (…) espero uma maré vazia que me detenha, quero ir ter com ela” / “de um corpo envolto em desalento, não consigo mais esconder”. Um registo pop numa intervenção contemporânea, O Governo não sabe nada do nosso amor, se não pagávamos imposto. Guarda-me esta noite, é um hino à força da entrega de cada momento. Uma comemoração ao amor, sem passado e sem futuro, apenas no presente desta noite sem tréguas com o amanhã.

Uma subida de tom, uma ligeira agressividade no ritmo, Fora do Coração, demonstra bem qual o lugar onde (deveríamos) encaixar tudo o que nos magoa tudo o que “nos faz mal”. E talvez por isso é o single escolhido do álbum, um conselho simples mas difícil de seguir pelo peso das mágoas que acumulamos. A subir nos tops das rádios nacionais (Antena3).

#Supernós é mais uma balada de amor com um início que hesita em arrancar. Um começo de simplicidade rítmica, num embalo acústico harmonioso. Os ritmos vão-se juntando, os acordes complexificam-se e a composição torna-se numa pequena orquestra de múltiplos sons que se compromete com a determinação da voz, “lança-me as cordas (…) vai ser supernós”.

Um final de um romantismo que emociona os mais cépticos. Uma sublimação de um amor verdadeiro, no reforço de expressões com os elementos da Vida. Mas se aparentemente poderia cair num cliché, troca-nos as voltas e num jogo de palavras sentidas “e ofegante respirar-te um oceano / puxa-me à superfície dá-me provas do teu sal”, sopra as notas num fliscorne e deixa-as suspensas naquela varanda, sobre a tranquilidade azul do Mediterrâneo.

1. P’ra sentir mais Dou de mim mais
2. Mediterrâneo
3. Oeste
4. Tenho saudades
5. O Governo não sabe nada do nosso amor
6. Guarda-me esta noite
7. Fora do Coração
8. #Supernós
9. Quem me dera

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Valter Lobo – voz e guitarra
Jorge Moura – guitarras e teclados
Tiago Borges – Fliscorne

Texto – Carla Sancho