Concertos Reportagens

Sick of it All, incansáveis como sempre

Casa cheia, corações ao alto, cânticos a uma só voz e um abnegado fervor em torno de uma causa à custa do próprio bem-estar. Terá o Música em DX feito uma reportagem à Igreja Maná? Não, mas andámos lá perto, já que o RCA fica a escassos metros de distância dessa evangélica entidade. Na passada sexta-feira houve culto, sim, mas em torno do Hardcore Punk, com a missa a ser conduzida por uma das bandas que anda cá há mais tempo a pregar estas coisas da solidariedade fraternal e contra a injustiça social. A celebrar 30 anos de carreira, os Sick of it All deram (mais) um concertaço por terras lusas, com a sala de Alvalade repleta de dedicados fãs, numa noite excelentemente elencada pelos Terror, os Broken Teeth e os Siberian Meat Grinder.

O apelo do Hardcore não conhece fronteiras, sendo a primeira banda a pisar o RCA resultado disso mesmo. Apesar de o nome puxar para uma estética bem mais negra, o que os moscovitas Siberian Meat Grinder trouxeram do frio foi um Crossover bastante sui-generis. Tendo por base impiedosas rajadas de Thrash Metal, o grupo conta com dois vocalistas mascarados à MF DOOM, cuspindo barras e completando-se um ao outro com uma entrega que deve tanto ao Hardcore quanto ao Hip-Hop, mais não seja porque eles próprios apelaram à abolição de barreiras estilísticas num dos seus discursos e porque Walkin’ Tall conta com uma descarada homenagem aos House of Pain. Ainda que por esta altura o público se encontrasse a meio gás, os SMG provocaram as primeiras movimentações em frente ao palco, especialmente com a furiosa Hail to the Tsar e certamente terão conquistado fãs na sua estreia em Portugal.

Já os Broken Teeth não são alheios a estas bandas, tendo tocado na European Hardcore Pool Party do ano passado. A banda inglesa, na franja do movimento em terras de sua Majestade, viu a sua dedicação e ética de trabalho serem recompensadas no início deste ano com a assinatura pela gigante Nuclear Blast, voltando a Portugal na noite de lançamento do seu At Peace Amongst Chaos. O quinteto centrou-se em atiçar os karatecas empenhados em fazer do nome da banda uma inevitabilidade, muito à custa do seu Hardcore carregado de desdém. Nothing Like You e Show no Mercy foram representantes do álbum recém editado, mostrando os ingleses num contínuo flirting com o Metal, mas foram os temas mais antigos, como Reflection of Me e My Law que criaram maior tumulto, com breakdowns de fazer buraco no chão. Contando com o vocalista Dale em modo predatório, movimentando se como um tubarão movido a sangue alheio e pedindo aos presentes para fazerem do circlepit uma “fuckin’ warzone”, os Broken Teeth acabaram o espancamento com a devastadora Soul Destroyer.

Seguiram-se os Terror que, francamente, dispensam apresentações. Se até à subida dos californianos, as barreiras metálicas em frente ao palco tinham sido respeitadas, o caso mudaria de figura com o Scott Vogel em palco. Por mais que o segurança na lateral quisesse ver respeitada a sua tarefa, seria uma inglória luta contra moinhos de vento, ou neste caso humanos, tal foi o frenesim de corpos em queda livre. Com 25th Hour debaixo do braço, os Terror quiseram naturalmente tocar temas novos, mas foram naturalmente os clássicos que mais repercutiram com o público. O combo inicial de One With the Underdogs e Stick Tight quase mandou a casa abaixo e a partir daí foi sempre em crescendo com Overcome, Always the Hard Way ou Lowest of the Low. Goste-se ou não do homem, Vogel sabe como manter a energia em alta num concerto e por meio dos seus habituais “Vogalisms” foi incitando o público a ficar cada vez mais tresloucado, pedido esse respeitado sem objecções. Para o fim estavam reservados dois dos mais emblemáticos temas de Terror: Keep Your Mouth Shut, com Dale dos Broken Teeth a regressar para dar uma ajudinha, e Keepers of the Faith, hino à cena gritado em uníssono no RCA.

Chegou então o grande momento, a coroação da noite. Há que reconhecê-lo, aguentar uma banda durante 30 anos é obra, mas fazê-lo com a convicção e a saudável indignação com que os Sick of it All o têm feito é de outro nível. É que, tal como no Hip-Hop, no Punk e seus subgéneros presta-se ao risco de cair no rídiculo quando putos famintos e enfurecidos de 20 anos se tornam quarentões barrigudos e acomodados, continuando a cantar sobre os mesmos assuntos quando se nota claramente que a chama já não lá está. Não com os SOIA, já que os nova iorquinos têm mantido um rumo diligente e a mesma energia de sempre, sendo a idade apenas um número, vistas as coisas. Não obstante, o dia era de festa e Lou Koller e companhia chegaram para celebrar o feito, sendo com Take the Night Off que deram o salutar mote para cada um dos presentes mandar o mundo à merda durante uma hora e entregar-se sem contemplações, para logo a seguir Injustice System, It’s Clobbering Time e Good Lookin’ Out satisfazerem o bichinho de quem já andava a desesperar por Hardcore a lá Nova Iorque.

Diz-se que quem corre por gosto não cansa e o que se viu neste concerto foi um conjunto para o qual uma maratona de 3 décadas não parece ter causado a menor fadiga. Com um Pete Koller igual a si próprio, dando pulos na mesma proporção com que distribuiu riffs, foi nesta toada de alta energia que a banda percorreu praticamente todas as fases da sua carreira. Clássicos como My Life, Sanctuary, Step Down, Scratch the Surface, Ratpack e World Full of Pain coexistiram na perfeição com bujardas mais recentes como Machete, Death or Jail, Die Alone ou o throwback de DNC, o que diz bem da coerência que exibiram todos estes anos. É comum haver discursos durante os concertos de Hardcore apelando à união entre a comunidade que se ajunta em torno desta música. Com os Sick of it All não foi diferente e foram várias as intervenções gratas de Lou ao longo da noite, especialmente pelo apoio ao longo de tantos anos. Contudo, foi na letra de Us vs Them, a terminar o concerto, que pudemos verdadeiramente constatar o que move estes homens, tendo a certeza que só irão parar quando os corpos já não acompanharem. Não que isso os preocupe, o encore foi uma tal de Built to Last. Cantada praticamente 20 anos depois de lançada, se isto não é um statement então nada o será.

Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Valentina Ernö
Promotor – Hell Xis Agency