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Bizarra Locomotiva, mais uma dose maciça de ultraviolência

É comum caracterizar a atmosfera de um concerto bem-sucedido como sendo de festa, de apoteose até, já que o clima de celebração acaba por surgir quando público e artistas se sentem realizados por aquele intenso período de partilha. Contudo, tais designações são parcas para descrever o concerto que os Bizarra Locomotiva deram no passado dia 22 de Abril no Sabotage, o primeiro de dois numa iniciativa de warm-up para o Reverence deste ano. Com um alinhamento composto por temas compostos entre 1993 e 2003, o quarteto fez da noite uma homenagem aos seus fãs indefectíveis, resultando numa performance ainda (!) mais intensa do que o costume perante uma casa quase lotada.

Qualquer razão é boa para assistir a um concerto dos Bizarra Locomotiva – tal como engenho que os intitula, também a banda tem uma propensão maquinal para dar sucessivos grandes concertos. Porém, desta vez o certame revestia-se de ainda maior interesse, já que se tratava de uma rara oportunidade em ver o abominável grupo debruçar-se sobre o seu passado já longínquo, incluindo algumas músicas de First Crime, Then Live cantadas em Inglês, língua que os Bizarra Locomotiva renunciaram desde então.

Foi precisamente com um desses temas, Growing Pains, que deram início às festividades, provocando de imediato alvoroço nas falanges mais antigas da sua “escumalha”. O forte começo prosseguiria com Apêndices, malha seminal que desde cedo denunciou qual seria o registo do quarteto nesta noite, com Rui Sidónio a cantar a meias com o tresloucado público numa maior cumplicidade do que é costume. Escusado será dizer que o possante vocalista não se coibiu de deambular pelo público sempre que lhe apeteceu, reforçando ainda mais a proximidade que se vivenciou no diminuto Sabotage.

Como é seu hábito, os Bizarra Locomotiva apresentaram um set com poucas pausas para respirar, sendo a excepção a sempre enleante Câmara Ardente. Gatos de Asfalto, Gritos de Deus e Cavalo Alado foram dignos representantes da bicharada diabólica de Bestário, ao passo que Cada Homem e Homem Máquina recordaram o seu LP de 2003 com gabarito, mas foram as mesmo velhinhas que causaram maiores desacatos. Candelabro do Amor debastou com precisão industrial, Ultraviolência fez jus ao seu título, Fear Now trouxe agressão calculada e Druídas recordou o nosso futuro distópico na sua toada repetitivo-maníaca.

A coroar uma exibição de galar, o concerto dos Bizarra Locomotiva teria um fim verdadeiramente excepcional. Extraída do álbum de tributo aos Xutos & Pontapés, a versão de Se Me Amas carrega uma extirpe tão concentrada do ADN da banda que poderia facilmente passar por um tema original, não fosse a toada lírica ligeira de mais para o negrume habitual do conjunto. Como é tradição, Escaravelho teve a função de fechar a loja na habitual desconjuntada dança do público em torno de Rui Sidónio numa violenta catarse. Ao invés de um encore, o público seria presenteado com uma emotiva homenagem de Miguel Fonseca a Prince, tocando trechos de Purple Rain de uma forma tão à Bizarra que, ao fim ao cabo, com certeza não houve quem tenha pensado numa maneira mais digna de ter acabado a noite.

Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Daniel Jesus
Evento – Reverence Valada Underground Sessions #1