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Noite inquietante do Festival RESCALDO

O já aclamado Festival RESCALDO este ano contou 9 edições e voltou a dividir-se pelos palcos da Culturgest e Galeria Zé dos Bois. Em 5 dias espalhados por dois fins-de-semana, estes espaços partilharam uma boa dose de vários estilos de música e aproximaram pessoas com noites calorosas e intimistas.

O Música em DX foi à Galeria Zé dos Bois no dia 25 de Fevereiro e viveu uma noite inesquecível tanto visual como auditivamente.

Esta noite estava a cargo de Acid Acid e Plus Ultra, que embora contemplem formas e estilos distintos, ambos conseguem criar formigueiros no corpo de todos nós.

Tiago Castro ou Acid Acid abriu-nos o seu mundo mágico e místico. Num set de cerca de 1h, planamos por paisagens ancestrais e planícies recheadas de atmosferas densas e complexas. Só ele e os seus instrumentos a romper a escuridão num cenário com projecções do universo e natureza. Guitarra, pedais, sintetizador e samples unidos e em loop criam camadas de psicadelismo transcendente que nos fazem viajar por entre clareiras de bosques cercados de partículas de ácidos mágicos que se perdem entre o azul do céu e o verde espesso da flora.

Ondas cobertas de sons da natureza e ecos tribais que se transformam em rodas de fogo e fumo e nos fazem invocar antepassados e forças sobrenaturais. De olhos fechados, as distorções agudas fazem-nos perder em pensamentos labirínticos que estacam em criações mentais que podem guiar a uma loucura transcendente.

Tiago, dono de um ouvido e uma sabedoria musical apurados, consegue sempre fazer-nos caminhar por entre sonhos desconcertantes invocando um prazer auditivo sem limite.

A adrenalina afasta de imediato a inquietude meio tranquilizante deixada por Acid Acid: os Plus Ultra já estavam no palco e o ciclone estava-se a formar.

A carismática banda dotada de uma boa bagagem na arte da música e do palco estava disposta a criar uma espécie de revolução e anarquia na sala da Galeria Zé dos Bois.

Energia, destruição, fúria, inquietação e intensidade apoderam-se do palco e abraçaram a plateia, que recebeu os braços dos 3 senhores e, de imediato, se concentrou num moche desafogado.

O Gon, o Kino e o Azevedo conhecidos já de outras andanças, têm rock nas veias. Tal como as duas palavras que compõem o nome, são tudo em grande e vão aumentando a intensidade.

O jogo de percussão é o maior ex-libris. A bateria e os tambores unidos como irmãos que tanto andam de mão dada como se zangam, fundem-se com os riffs electrizantes e hipnotizantes. Por cima, a voz rouca e deliciosamente perturbante, tanto murmura, como geme, como assume contornos de várias tonalidades.

Em cerca de uma hora, ouvimos malhas como “Blood In Veins”, “Haters Spend More”, “Like It”, “What U’ll Find”, “Scream” e “Trust Is For The Weak”. Entre saltos, empurrões, voos para cima dos instrumentos, idas ao meio do público, conversas com pessoas através da janela e muito desassossego, assistimos a um bom concerto de hardcore puro e cru de garagem, com matizados de sludge e algum punk. A diversão e a loucura fizeram parte do espectáculo e o público, insaciável, não vai esquecer tão cedo esta noite. A banda saiu do palco de forma épica e poeticamente bonita, deixando ficar um bicho que só vai ser expulso no dia em que voltarmos a ver estes senhores do norte.

Que os outros dias do Festival tenham sido sensorialmente tão bons como este!

Texto – Eliana Berto
Fotografia – Luis Sousa