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Jorge Cruz, “Transumante” e outras paragens.

Um ano volvido depois dos seus dois últimos concertos a solo, Jorge Cruz regressou à Casa da Música na cidade do Porto e ao Teatro Maria Matos em Lisboa no passado dia 9 de abril. Para grande alegria dos seus fans, que esgotaram a sala da Avenida de Roma e que acompanharam em surdina praticamente todas as histórias que foi contando ao longo da noite. As que estão compiladas no novo álbum “Transumante”, e todas as outras que compôs para outros e para os seus, os saudosos Diabo na Cruz.

Foram quase duas horas de uma reciprocidade de afetos, entre Jorge Cruz e o público. Na verdade, tem sido uma espécie de namoro à distância, mas que neste concerto se percebeu o quão sedento estava o seu público de o ver, ouvir e acompanhar as estrofes tão robustas de sentido e que os acompanham de muito perto.

Mais um labirinto (…) não há emojis para o que sinto“. Um testemunho da contemporaneidade do mundo, em que o podemos acompanhar “através de uma vidraça, só não tenho sítio a que chamo casa“. Três primeiras músicas novas passando pelo tema ‘Transumante’, que acabou por ser a base e o fio condutor desta compilação de temas, assumidamente musicalidades populares tão portuguesas quanto rurais, marcando o seu próprio distanciamento com as urbes.

Como resultado de anos de uma intensa dedicação e entrega, quer nos palcos quer na proximidade com as gentes de norte a sul de Portugal enquanto andou em digressão com os Diabo na Cruz, tocou ‘Exausto’ um tema gravado em 1998 e que nesta noite soou como resposta a um “Como estão vocês? Eu estou assim (Exausto)”.

‘A Milhas do Mar’, na penumbra do nevoeiro das praias do Oeste e num silêncio das ondas da Praia da Barra que desertificava com a chuva miudinha de setembro. ‘Minh’Alma’ que por ti chama, e se regenera na lama da montanha e na penumbra do crepúsculo. Um toque de Andaluzia no final do refrão, que também nos faz pensar que sendo uma ode à música popular portuguesa, Jorge Cruz está sensível a outros ritmos geograficamente vizinhos.

‘Heróis da Vila’, tema que requer algum um rasgar de cordas mais roqueiro nas “guitarras sensíveis“. Jorge Cruz é um escritor de canções e tem dedicado a sua vida profissional a compor para outros artistas portugueses. E a genialidade das suas letras tem sido amplamente (re)conhecida, com ‘Rosa Sangue’ (Amor Eléctrico), ‘Um dia de folga’ (Ana Moura) ou ‘Já Não Choro Por Ti’ (Gisela João) que nesta noite o interpretou na perfeição!

As “modinhas são excelentes para desanuviar o ambiente“, e assim seguiu com uma intensidade d’alma portuguesa que nos fez acompanhar com o bater do pé nos acordes simples e repetidos. “Largos dias tem 100 anos, largos meses e largas horas“, antes da passagem para a música ‘Fronteira’, na qual muitos na sala se identificaram no que foi retratado dos dias longos vividos naqueles momentos complicados de crise social económica.

‘Rosa Sangue’, êxito da banda de Marisa Liz (Amor Electro) e que foi escrita no Parque da Paz na cidade de Almada. Depois deste tema, Jorge Cruz fez as delícias dos fãs que encheram o Teatro Maria Matos nesta noite, e tocou alguns hits de Diabo Na Cruz como ‘Forte’ e ‘Os Loucos estão certos’. E já no encore ‘Rock Popular’ e ‘Vida de Estrada’. Para terminar em grande, uma “moda que vem da Serra” e assim deixou o palco, com o público em pé a redobrar as palmas e a preparar-se para estar no foyer do teatro para dois dedos de conversa com ele, porque afinal este foi mesmo um momento de um namoro bonito.