Concertos

O Gajo & Ricardo Vignini. Uma noite de inverno, duas violas transatlânticas e um mar de música numa Terra Livre.

Era uma vez uma noite de inverno, duas violas transatlânticas e uma sala cheia de amigos.

O Gajo, apresentou no passado dia 2 de Fevereiro no Centro Cultural de Belém “Terra Livre”, o sucessor de Não Lugar” (2023), disco nascido da colaboração transatlântica com Ricardo Vignini, com quem já havia colaborado no tema “Jangada”, precisamente em “Não Lugar“.

Depois de ter explorado a sonoridade da viola campaniça a sós em “Longe do Chão” (2017), no quádruplo EP “As quatro Estações do Gajo” (2019) e em “Subterrâneos” (2021), em 2023, “Não Lugar” trouxe à luz uma história de colaborações nacionais e internacionais, que acabou por ser ponto de ignição para este “Terra Livre”.

As histórias d’O Gajo e Ricardo Vignini tem várias características comuns, como o passado ligado a sonoridades mais electrizantes que as que agora navegam, ou a redescoberta de sonoridades tradicionais ligadas às respectivas tradições musicais. Mas talvez o que mais os une seja a forma genuína com que tiram som das respectivas violas. Dois autoditactas, ou dois músicos sem escola formal, mas muita escola de palco, e por isso como os próprios afirmam, sem barreiras  na composição, fazem das músicas o que sentem, sem formalismos ou regras rígidas.

© Ana Sofia Carvalho

O pequeno auditório do CCB encontrava-se recheado principalmente com amigos dos dois artistas, e esta pequena multidão de amigos e conhecidos foi convidada a entrar no universo desta colaboração, deste diálogo entre estas duas violas, a campaniça d’O Gajo e a viola caipira de Ricardo Vignini para ouvir “Terra Livre”, nove temas/histórias compostos à distância, entre e-mails trocados ao longo de vários meses, com histórias de uma cumplicidade que se foi construindo pelas afinidades sonoras que possuem.

Num palco que, não estando despido, emanava uma simplicidade estética próxima de uma sala qualquer perdida no interior de Portugal, onde à beira de uma lareira, poderíamos passar a noite fria a contar histórias dos dias que passaram ou a partilhar sonhos dos dias que virão João Morais e Ricardo Vignini contaram as histórias de “Terra Livre”.

Entraram com Terra Livre, tema homónimo que abre o registo e seguiram praticamente toda a ordem do mesmo. O Gajo fala sobre Albatroz e o porquê da escolha do nome dessa ave que atravessa grandes distâncias como a música de ambos teve de atravessar para poder agora existir. Ricardo conta como surgiu o nome para o segundo single, Corrosão, o Gajo publicou numa rede social um vídeo de Corrosion of Conformity que o transportou de volta a outros momentos da vida em que a sua onda era mesmo essa, e por isso um pouco em forma de homenagem a música acaba por se chamar Corrosão. Bandidos, porque como dizia Rita Lee, “Todo rockeiro brasileiro tem cara de bandido!”, ou Maria da Manta, que levou Ricardo a descobrir que afinal a lenda do homem do saco é mesmo universal e se conta um pouco por todo o lado para fazer tremer de medo do escuro os pequeninos.

© Ana Sofia Carvalho

Houve tempo para relembrar “Jangada”, a primeira colaboração dos dois músicos e repescar temas de ambos a solo, O Gajo brindou-nos com Tarântula, que tem este nome porque, esta espécie de aranhas será originária da cidade de Taranto em Itália, e a picada no ser humano pode provocar movimentos convulsivos involuntários, o que terá até segundo alguns inspirado a dança popular Tarantela e Ricardo Vignini brindou-nos com sua música “Alvorada”. O músico teve dificuldade em escolher a música que apresentaria, pois toda a gente lhe dizia que Portugal nesta altura do ano nada mais era que frio e chuva (e por vezes é), mas quis o destino que tivesse aterrado em Portugal durante uma onda de calor que trouxe dias primaveris no final de Janeiro que impressionaram pela luminosidade da atmosfera, levando-o a escolher por isso esta música. Aproveitem o embalo e deixem-se levar pela playlist do concerto que deixamos no final.

© Ana Sofia Carvalho

Terra Livre é um disco que está repleto de histórias contemporâneas mas que carrega a ancestralidade para que nos remetem os sons das duas violas, num cruzamento entre o passado e o futuro, um disco que faz falta para não esquecermos todos os sons de que somos feitos, um concerto essencial para quem quer ir mais além sem perder de vista o que já fomos.