Concertos Reportagens

Se querem os The Hives, vão ter de fazer barulho a sério.

Sexta feira à noite e no coração de Lisboa, o Capitólio abriu as suas portas para a energia provocadora dos The Hives. A música dos The Hives é, desde o século passado, música de fazer um verão durar um ano inteiro porque transporta em si o gatilho da juventude inconsequente.

Não vertiginosa, não inconsciente mas sim inconsequente. O público que aqui anda na frente do palco ouviu as primeiras músicas dos The Hives quando ainda se sentavam na cadeirinha do carro dos pais e os Hives rodavam em grande nas nossas rádios, às vezes com uma insistência até maior que o desejável.

Esses são em bom número. Depois temos aqueles que estariam na adolescência/inicio da idade adulta.

Olho para as horas, dois minutos para as nove. Olho para a sala. Cheia. Não sei se estava esgotada, mas se estava esgotada estava mesmo na medida certa. Duas jovens circulam no palco, causando alguma confusão. São as Bratakus, as irmãs Breagha (guitarra e voz) e Onnagh (baixo e caixa de ritmo) vindas de uma pequena cidade chamada Tomintoul para aquecer a multidão antes do regresso dos suecos The Hives ao abraço da multidão portuguesa.

Acho que a maioria dos presentes não estava preparada para o que se seguiu… As irmãs rebentaram literalmente com a cabeça de muita gente que ali estava num estalar de dedos. Munidas de uma garra fantástica e cheias de ideias políticas e outras que tais como manda a sapatilha, gritaram nas nossas caras o que pensam sobre a morte de animais, a pressão colocada sobre as mulheres e o aspecto que devem ou não ter, assédio e espaço pessoal ou simplesmente uma canção sobre não gostar de canções de amor.

Amantes de filmes de terror, todos os anos lançam um EP no Halloween e é com uma das música do EP de 2023 que nos presenteiam quase a terminar a actuação. Afirmam-se uma banda DIY, e apelam para que o público as visite na banca de merchandising após o concerto, mesmo que seja só para conversar. Ainda lá passei no final mas já não as vi.

Meia hora de concerto. Punk, rápido e cheio de mensagens e a turba satisfeitíssima mas impaciente pelos The Hives aplaudiu as Bratakus com uma intensidade muito merecida.

Music | Bratakus (bandcamp.com)

Personality Crisis a rodar na sala e um soundcheck que parece uma coreografia. Dois ninjas, de quem só se vislumbram os olhos percorrem todas as zonas do palco, removem as panos que ocultam a bateria com uma elegância e um timing inacreditável. Isto durou meia hora certa. Entram, saem, experimentam, voltam, cruzam-se no palco. Até que às 21:59 se posicionam de cada um dos lados do palco. Imóveis, de guitarras na mão. 22:00 e nada, mas agora o público exige. 22:01 e as luzes mais ou menos que se apagam, porque na verdade durante a maior parte do concerto a luminosidade foi sempre bastante grande em frente ao palco. E finalmente depois de uma meia hora que pareceram 2 horas, porque o calor que se faz sentir na sala amplifica tudo, os The Hives entram em palco ao som da Marcha Fúnebre de Chopin. Sincronizadíssimos, os cinco. Quase 30 anos a tocar juntos trouxeram-nos a este momento em que nos apresentam o novo disco, The Death of Randy Fitzsimmons de onde sai a primeira Bogus Operandi. Se é verdade que estão aqui para o fazer, mostrar o novo disco, também é verdade que terão  obrigatoriamente de percorrer as imensas músicas orelhudas que fizeram nestas três décadas. São várias e são óbvias mas também são incontornáveis, e no final temos playlist com todas as músicas da noite.

O calor escala rapidamente com o Main Offender e Walk Idiot Walk. Howlin’ Pelle Almqvist corre pelo palco aparentemente imune ao suor que num par de minutos já lhe escorre pela face. Pede palmas, pede mais, manda o público gritar. Ou seja o que ele nos quer dizer é “se querem o melhor de nós, têm de nos dar o melhor de vós. Ou tudo! .

O sentido de humor confunde-se com alguma ironia e Howlin’ Pelle não desarma, não desiste enquanto percorre o palco, salta para as colunas laterais e percorre todas as mãos da fila da frente para as tocar.

Rigor Mortis Radio e depois Good Samaritan, aquela em que a banda simplesmente congela por tempo indeterminado no meio da maior confusão e estupefação de muitos, o pit pára, a multidão exclama e reclama durante o que não foi muito mais de um minuto, para novamente toda a confusão instalada na frente de palco recomeçar ainda mais forte. t-shirts pelo ar, água e cerveja pelo ar, pessoas pelo ar. É isto que eles querem. Mas nada parece ser suficiente para os Hives que a cada música pedem mais e mais do público. Go Right Ahead cantado quase em uníssono pelo Capitólio e Stick it Up precedem mais um dos momentos altos da noite, Hate To Say I Told You So. Eu disse que era óbvio. Tinha de ser assim e foi assim até ao fim. Sente-se que o público está ali pelos Hives, não apenas pelas músicas que mexeram com eles há 25, 20 ou 15 anos, mas também pelo novo álbum e principalmente porque um concerto dos Hives é como se viesse com selo de garantia de concerto cheio de adrenalina e bom humor.

Sem grandes diferenças de humor ou adesão os Hives navegam o seu planeadíssimo set com mestria misturando o mais recente trabalho com a restante discografia e proporcionam aquilo a que sempre nos habituámos a ter deles, um concerto irrequieto, juvenil e provocador. Trapdoor Sollution, I’m Alive, See Through Head precedem a que será, supostamente a última Countdown to Shutdown.

Prestes a sair de palco, avisa que teremos, como habitualmente, de nos manifestar para os ter de volta. Porque é assim. Como se fosse um protocolo ou ritual que se cumpre sem questionar. É o que fazemos, gritos, assobios o que for necessário para ouvirmos assim Come on! e Tick Tick Boom.

Podíamos ter voltado ao início, ouvir tudo de novo, sem que isso fosse novidade de qualquer espécie, que de alguma forma os Hives conseguiriam tornar aquele momento especial e irrepetível. Podia ser um enorme deja-vu e não é. É um espetáculo extremamente bem coreografado, mas à maneira dos The Hives para quem todos os gritos e assobios de uma sala nunca chegarão.