Backstage

Tinha mesmo de ser assim? Conversa com Pedro de Tróia

Tinha De Ser Assim é o segundo disco de Pedro de Tróia, mentor de Capitães da Areia.
Ambos lançados durante esta pandemia sem assim o saber ou pensar. São discos que falam de histórias de amor, de amizade e vivências sonhadoras.
Tinha De Ser Assim saiu no passado dia 15 de Outubro de 2021 e foi apresentado no dia 11 de Novembro no Capitólio. A festa foi bonita e teve alguns convidados. O Música em DX aproveitou o pós concerto para falar com Pedro de Tróia sobre estes dois anos, o disco e o concerto de apresentação. 

Música em DX (MDX) – O teu primeiro disco falava da tua entrada nos 30 e do que essa experiência te estava a dar ou a trazer e este é sobre que? Qual é a história por detrás deste disco?

Pedro – Não tem, necessariamente, de haver sempre uma história por detrás de um disco, mas no meu caso tem. Enquanto que no primeiro disco ele resulta de uma forma de me libertar da responsabilidade, ou seja, fui fazendo o disco, as coisas foram acontecendo, um bocadinho inconsequentemente, as coisas foram acontecendo à sua maneira e não tanto à minha maneira. O título já existia antes do disco, decidi que o disco se ia chamar Depois Logo se Vê porque era mesmo isso, depois logo se vê quem vai gravar, depois logo se vê qual é o estúdio, depois logo se vê se são 8 ou 10 músicas, se há guitarra ou não. No fundo, era uma forma de me sentir menos responsável pelas coisas, que é uma atitude meio infantil da minha parte mas de facto foi preciso eu não sentir essa pressão de “tenho de fazer isto ou aquilo”. Neste disco não foi assim! Primeiramente, ia fazer um disco muito concreto e percebi que esse disco, para ficar como eu quero, ia levar bastante tempo para ser concretizado. Depois em conversa com o Pedro Valente ele disse-me que se calhar era bom eu lançar qualquer coisa, um EP por exemplo. Eu tenho uma aversão ao conceito de EP porque nem é carne nem é peixe. Então percebi que tinha de lançar alguma coisa, um EP estava fora de questão, este disco que quero fazer não era fazível nesse tempo e então a dada altura falei com o Tiago Brito, que tinha produzido o disco anterior, e comentei isso e perguntei se eu e ele à distância conseguíamos ter 8 músicas prontas e lançar um disco para o ano (2021). Cada um foi ver ideias que tinha e começámos a desenvolver isso. Entretanto o Pedro faz-me um ultimato e nessa noite eu acabei por escrever 4 canções, que eram as que estavam em falta.
O processo de composição e produção foi muito rápido, o de mistura também e o da capa não foi assim tão rápido, porque havia um conceito a ser explorado que é o facto de me perder muitas vezes num labirinto mental, mas acreditar que para nos encontrarmos temos de nos perder e que a saída, muitas vezes, vai dar ao sítio da entrada, só que tínhamos de passar por isso.

MDX – É isso que tinha de ser assim? 

Pedro – O tinha de ser assim, mais uma vez, é uma atitude egoísta e de alívio de responsabilidade. É uma frase que eu considero muito serena e pacífica. Sabes quando acontece uma coisa meio dramática e alguém diz “aconteceu, porque tinha mesmo de acontecer, não há nada a fazer, é o destino”? Isso para mim é uma treta… aconteceu, ponto. Mas de facto serena muito as pessoas e, ao mesmo tempo, é algo necessário. Então tenho um bocadinho essa necessidade de escavar pretextos para encontrar alguma serenidade.
Isto vem de um ano muito intenso e pesado e tinha necessidade de expulsar alguma energia negativa que tinha dentro de mim, já chegava de estar naquela asfixia. 

MDX – Disseste-me que fizeste 4 músicas de repente e que quando tens coisas para dizer dizes tudo até ao fim porque às vezes não as consegues dizer e, quando consegues, dizes logo tudo. Mas, analisando o disco, a maioria das músicas fala de amor em geral, a várias entidades. Tinhas guardado estas palavras dentro de ti? Foi algo da pandemia ou o que aconteceu? 

Pedro – Há um bocadinho de tudo: canções de presente, passado e futuro. Tanto há canções que foram escritas naquele momento em que estava a fazer o disco, como há canções que foram escritas antes. A “Mãe”, foi uma canção que ficou de fora do disco anterior, fazia parte da primeira maquete desse disco das quais só sobreviveram 4. Há músicas de futuro, onde canto coisas que ainda não vivi e que quero viver. Hoje em dia as pessoas escrevem sobre o que? Amor, saudade, perda… o que é que não é uma canção de amor? Há muitas coisas que não são, mas as maiores fatias do bolo são canções de amor, tu escreves aquilo que sentes não é? Ou aquilo que queres sentir. Eu vou muito atrás de escrever sobre coisas que sonho, que espero que daqui a muitos anos aconteçam e que me façam todo o sentido. Por isso, as minhas canções serão tendencialmente sobre amor. Que pode ser sobre o amor próprio também, porque quando a chama do amor próprio se apaga, começas a ver tudo escuro à volta e também há muito essa necessidade de quereres materializar sonhos que tens, torná-los reais numa canção para que te dê mais força e embalo. Da mesma forma que na “Rés do Chão” do disco anterior eu dizia que queria viver no topo, no último andar porque estou cansado de viver no R/C e eu espero mesmo daqui a 30 ou 40 anos ouvir essa música e sorrir com uma vista bonita e pensar que não estou no último andar mas estou no penúltimo. É uma forma de recordares a história e recordares quem foste. A espinha dorsal das minhas canções são uma marcação da minha memória não só daquilo que estou a viver mas daquilo com que estou a sonhar agora para um dia mais à frente eu ter a capacidade de saber quem fui e como é que cheguei ali. É muito importante não perdermos o fio à meada daquilo em que nós acreditamos e não tem mal nenhum uma pessoa aos 10 anos acreditar numa coisa, aos 20 noutra e aos 30 noutra. Isto para te dizer que, de facto, tenho muito essa necessidade de ir materializando a memória e o sonho enquanto memória para que um dia, no limite, quando eu morrer, as pessoas possam lembrar-se de mim por aquilo que eu cantei. 

MDX – Tu foste um dos casos que tinha o lançamento marcado para o dia em que as coisas começam a ser canceladas. Acredito que tenha sido horrível mas queria saber como é que olhaste para as coisas nesse dia.

Pedro – Posso dizer que toda a gente à minha volta me estava a fazer crer que o concerto não devia deixar de acontecer mas na véspera, quinta-feira, estava na Antena 3 quando o Pedro Valente, assim que acabo de dar a entrevista me diz “tens de tomar uma decisão, isto está a ficar preocupante, ou damos o concerto e está tudo bem ou damos o concerto amanhã e pode acontecer um surto, ou cancelas o concerto e adiamos”. Houve ali um momento em que eu pensei que estava há 3 meses a ensaiar para o concerto, que tinha investido imenso neste disco: tempo, sentimentos e dinheiro… e que não podia deixar de acreditar que as coisas iam correr bem. Ao mesmo tempo houve um feeling que me disse que tinha de pensar mais fora de mim, ver mais de cima. E a partir do momento em que tive este feeling foi mesmo, sentir que, por muito que me custasse e custou muito, teria de cancelar. Mas também te digo, se não tivesse acontecido a pandemia, quase de certeza que não tinha editado um disco este ano. Editei um disco este ano para me manter um bocadinho com o nariz fora de água, como não havia concertos.

MDX – Tiveste alguns concertos no ano passado. O que sentiste, nessa altura, depois de teres passado por isso? 

Pedro – Foi uma forma de acreditar que estava tudo a voltar ao normal e ainda havia tempo. Aconteceram dois momentos muito importantes: o início e o fim. No primeiro concerto, na Covilhã, ao ar livre, eu estava super feliz e quando afastam uma tela onde estava a ser projectado um filme, eu estava em cima do palco e olho para o público, havia imensas pessoas nas cadeiras de máscara e eu nunca tinha visto pessoas sentadas de máscara a olhar para mim. O concerto ia demorar 45min e demorou 1h30, chorei compulsivamente! Houve um choque com aquela realidade que foi muito violento. O concerto começou e depois acabou muito bem mas foi muito forte. Depois veio a sensação de ok, já passamos isto, agora vamos voltar ao normal, ainda dei uns concertos giros e depois foi o concerto em Novembro no Altice Arena em que aí senti, que estava tudo mais profissional e cheio de gente, tudo com segurança, cuidados e, de repente, cai tudo outra vez. Aí já não fiquei em choque, mas o desgosto foi maior. A surpresa foi menor, mas o desgosto foi maior. Foi aqui que decidi que devia lançar um disco e deixar a outra ideia em stand by, é um disco que vai exigir muita calma, muita paciência e tempo, o método vai ser muito diferente. 

MDX – Fala-me da participação de Rui Reininho neste disco. Eu sei que ele é uma pessoa marcante na tua vida. 

Pedro – Durante muitos anos fiz viagens um bocadinho longas com o meu pai e o meu irmão de carro, nomeadamente, pela zona da Serra da Estrela, Viseu, Coimbra e Figueira da Foz. Eu sou muito calado, daquele silêncio gélido. Não quer dizer que esteja tudo mal… apenas gosto de estar calado e ouvia tudo, os outros, conversas, música, sons, ruídos. Durante essas viagens ouvíamos muito três artistas: O Rodrigo Leão, GNR e Madredeus. Isto é muito engraçado porque se me perguntares hoje quais são as minhas referências musicais, eu não sei muito bem quais são mas posso dizer-te que no ADN estão estes três artistas porque aquilo que tu ouves durante um período da tua vida vai ficar sempre contigo… Durante essas viagens, sempre que ouvia GNR sonhava, começava a olhar pela janela para a paisagem e sonhava estar ali ao pé dele, a cantar, a assistir em privado ao concerto, perguntar coisas, saber o que é que é a bellevue, quais dunas? o que são os divãs?
Dizia muitas vezes para mim o que queria ser no futuro.. inventor, astronauta e que um dia ia cantar com os GNR e as pessoas sempre olhavam para mim a pensar que era ridículo. Mas ainda assim, felizmente, eu gostava de estar sozinho e não dava tanto valor a esses comentários. Esse sonho ia-me alimentando, era uma espécie de amigo imaginário, o Rui Reininho era um amigo imaginário que eu tinha, sempre que ouvia as músicas dele eu estava ali e comentava e falava como se ele estivesse ali ao meu lado. Cantar com o Rui foi uma coisa em que não tinha pensado, para te ser sincero. Não era um objetivo mas era um sonho tão antigo que não me apercebi que podia acontecer e que, às tantas, já estava mais perto do que eu pensava. Quando fiz a “Carrossel” e a mostrei, houve três pessoas que me disseram que tinha de a mostrar ao Rui, porque se calhar ele ia querer cantá-la nos GNR, mas isso era ridículo, ele não precisa que ninguém lhe escreva canções até porque seria muito presunçoso da minha parte. Depois pensei que ele cantar comigo não me parecia estúpido e enviei-lhe um email, contei-lhe a história, juntei a maquete e passado uma hora ele responde-me a dizer: “adorei isto, vamos lá falar sobre isto” e eu pensei que ele estava a gozar mas depois pensei que não e que se calhar era a sério. Passado uma ou duas semanas  ele liga-me e pergunta se vem a Lisboa ou se eu vou ao Porto. Aquilo estar a acontecer foi uma espécie de revolução da infância, foi perceber que os meus sentimentos em criança me podem dizer muito mais do que posso imaginar.

MDX – Qual foi o teu sentimento em relação ao concerto no Capitólio, correspondeu às expectativas se é que tinhas alguma? 

Pedro – Foi um concerto que encarei como mais um recomeço. Foi muito importante e serviu de ponto de partida para o que virá a seguir, contou com músicos a quem agradeço muito por acreditarem em mim. O alinhamento foi pensado em função do próximo ano. Quase como se fosse uma preparação para o que vai acontecer.
Eu sabia que nunca iria esgotar, sabia que ia ser um concerto difícil pois era muita coisa para aprender em pouco tempo e sabia que podia já estar destreinado. Foi, também, um desafio muito grande porque sabia que iam estar alguns familiares e eu tenho muita dificuldade em gerir emoções em palco e também por isso acabo por falar em modo de bóia de salvação.
Mas, no geral, acho que correu bem. 

Podem ouvir e adquirir o disco aqui