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Big Summer, O embalo do sonho

Há dois tipos de sonhos. Há sonhos que nos acompanham desde que começamos a ter alguma consciência e capacidade de memorização e que se materializam mais tarde se acreditarmos e lutarmos por eles e, há sonhos, que nos colocam em realidades paralelas, em ponto de caramelo e nos enchem de uma satisfação e arrepio quentes.
Acredito que estamos perante estes dois tipos de sonho. O material e o espiritual. Este último proporcionado pela concretização do material – a criação musical.
Vasco Batista traz na sua bagagem o conhecimento e bom gosto suficientes para criar e recriar em tons quentes, e alguns frios, um shoegaze envolvente e introspectivo com ritmos e acabamentos algo dream rock, algumas pinceladas de indie e psicadelismo e uma bela capacidade de composição que personifica com Big Summer.
Passados 15 anos fora de Portugal entre Barcelona e Londres, regressa prematuramente fruto da guerra invisível que nos tem consumido os dias. Assume, sozinho, a continuação do seu projecto e procura alguém que partilhe o mesmo sentir para com ele subir aos palcos. 

Depois de 4 anos, Big Summer volta às edições físicas e apresenta no próximo dia 15 de Dezembro o seu EP Dead Royalty. Dele, já deu a conhecer ao público “Hungry Smile” e apresenta, hoje, o seu segundo single – “Drones”.
Foi neste sentido que o Música em DX decidiu conhecer melhor Vasco e perceber o seu trabalho que, infelizmente, tão longe de Portugal se tem mantido. 

Música em DX (MDX) – Lançaste em 2016 o teu último trabalho, “Trigger”. Nestes 4 anos de hiato o que andaste a fazer e o que achas que está diferente em ti e na tua música? 

Vasco – Acho que o hiato começou com a minha mudança de Barcelona para Londres há 3 anos e meio. Tinha a banda formada em Barcelona, éramos bastante activos e tocávamos bastante. Entretanto quando fui para Londres tive de repensar muitas coisas. Procurar emprego, tratar da mudança em si e estabelecer-me, por isso não estava com muito tempo para procurar músicos com quem tocar, apesar de eu ter pensado antes de ir para Londres que seria muito fácil encontrar pessoas. Afinal não foi assim tão fácil. As pessoas que eu sabia que tocavam e que iam encaixar bem já estavam todos com 30 e tal anos, com emprego estável e menos tempo para ensaiar. A opção de ter músicos mais novos, como há muitos músicos profissionais em Londres, também foi difícil encontrar alguém que quisesse encontrar-se num grupo que esteja a começar e ter disponibilidade para ensaiar sem contrapartida monetária. Não há aquela atitude que existe muito em Portugal de tocar por quase nada, às vezes. Cheguei a experimentar com algumas pessoas mas não deu certo. Então pensei que se calhar estaria na altura de reformular os Big Summer no sentido de editar novas coisas ou tocar ao vivo e sempre fui gravando nestes 4 anos, criava em casa, escrevia e gravava. Entretanto como estava a trabalhar na indústria musical era mais fácil encontrar concertos, consegui fazer 2 concertos em Londres como banda de abertura, sozinho e aí reformulei um pouco o meu formato ao vivo com outras bases. Deste EP que vai sair as músicas já estavam gravadas há 1 ano ou mais, eram músicas que chegámos a tocar ao vivo em Barcelona e então decidi editar as canções, uma vez que estava a tocá-las ao vivo. Esta é mais ou menos a razão do hiato. Relativamente ao que mudou, acho que em termos de musicalidade não mudou muito desde o “Trigger”, continuo a escrever o mesmo tipo de canções, talvez em termos de produção, o EP esteja um pouco mais refinado porque trabalhei com um amigo produtor e engenheiro de som que o melhorou um pouco tornando-o num EP mais elaborado. Em termos de letras também mantenho o mesmo estilo, talvez um bocadinho mais negro, mas Londres também puxa para isso e também passei por várias fases, isso reflete-se no disco. 

MDX – Ia perguntar-te isso, se o facto de teres vivido em Londres e Barcelona contribuiu para o teu enriquecimento enquanto músico e compositor/produtor?

Vasco – Se Espanha é maior que Portugal em termos de indústria da música, o Reino Unido nem se fala! Tive a sorte de ter trabalho na indústria da música por isso conheci mesmo essa  área por dentro e apercebi-me em primeiro que é preciso tocar bastante, quase todas as bandas que eu vi, pequenas ou grandes, tinham uma grande qualidade. Não querendo dizer que são melhores bandas que as espanholas ou portuguesas, acho que, talvez, culturalmente, seja um país diferente e cultivam mais essa ideologia desde a infância. Em Portugal os músicos com mais nível são, talvez, os que vêm de uma escola ou tiveram formação. Lá há muito mais músicos que vêm de escolas mas mesmo os que não vêm nota-se que a forma como tocam é muito evoluída, ensaiam muito, tocam muito ao vivo e depois há a vantagem de todas as agências mundiais estarem sediadas em Londres, há muito mais apoio, há bandas que esgotam salas com 200 pessoas que se calhar em Portugal têm 10. Quer nível musical quer a nível de produção isto fez-me ver que é preciso (mesmo fazendo as coisas em casa que é o que eu faço porque infelizmente os meus orçamentos de produção não são elevados) ter um nível bom, não basta ser a banda de garagem. Uma diferença de Londres para Barcelona é a qualidade dos músicos. Em barcelona há bandas muito boas mas depois ao vivo não soavam assim tão bem. 

MDX – Entretanto voltas para Portugal. Como estás a gerir o choque de realidades não só enquanto sociedade como a nível de indústria da música? Tendo em conta que é uma banda que se está a dar a conhecer agora. 

Vasco – O meu regresso a Portugal foi um bocado adiantado por causa do que se está a passar. Como estamos numa situação tão surreal é difícil eu avaliar que oportunidades há e o que se está a passar em concreto na música. Já sei que a indústria é muito mais pequena do que em Londres ou Barcelona, já percebi que não é fácil começar se não tiver os conhecimentos certos, mas de momento estou em fase de avaliação. É óbvio que sinto uma diferença brutal. Não querendo vangloriar-me por ter vivido no estrangeiro, mas isso mudou-me! Estive 15 anos fora, é inevitável não sentir isso e as pessoas aqui não mudaram muito, pelo simples facto de estarem aqui. Então estou muito na fase de adaptação, de ver se realmente quero mesmo ficar ou mudar.
Mas é isso, É muito difícil avaliar as coisas neste momento porque estamos nesta situação estranha mas estou a par do que se faz, felizmente conheço algumas pessoas na indústria e vou seguindo o que eles fazem. Algo que eu quero muito fazer é poder encontrar um grupo para poder tocar ao vivo com banda em vez de ser sozinho. Espero que seja mais fácil pois também tenho mais conhecimentos aqui no Porto e, para já, é continuar a gravar. Como a minha ligação à editora de barcelona continua, para já vou continuar a fazer isso. Dependendo do que acontecer, se calhar o plano é ir editando EP’s e singles até fazer mais coisas e ir vendo como corre, tentar ir conhecendo mais pessoas na indústria e conhecer o ambiente daqui.

MDX – Ao ouvir a tua música senti muito shoegaze, algum dream rock, DIIV, Toy, Slowdive. São estas as tuas influências? 

Vasco – São essas sim! Na onda dos DIIV e Toy, Real Estate também, os clássicos: The Beatles, Black Sabbath e Tame Impala antigos, também. Depois todas aquelas bandas dos anos 90 como Pavement, Sonic Youth, Pixies ou Nirvana também são grandes influências e algumas, de modo inconsciente. 

MDX – O EP sai dia 15 de Dezembro no meio de uma pandemia. Quais são as tuas expectativas, o que vais fazer, quais são os planos? 

Vasco – Acho que ainda não pensei muito sobre isso mas o plano original era lançar o EP em formato digital porque não valia a pena estar a fazer edição física. Entretanto o plano é fazer uma edição limitada de cassetes, já estive a ver opções e em princípio vai ser isso. Para já vou contar em primeiro lugar com pessoas como tu, a minha editora e pessoal da indústria da música que possa divulgar o máximo possível a minha música e claro que se surgir uma oportunidade de tocar, se já tiver a banda formada (isso seria o ideal porque acho que estas músicas, especialmente neste EP funcionam muito melhor com banda) não dizendo que não a fazer concertos a solo, apesar de não ser o cenário ideal mas não estou fechado a nenhum cenário que se possa desenvolver. Também há a hipótese de fazer concertos mais acústicos,  já fiz isso no passado. O que me vai dar mais interesse é ver o que acontece, como vai ser a resposta, se vai haver alguma resposta ou não porque é a primeira vez que edito estando em Portugal e também estou muito curioso com isso. Por outro lado estou constantemente a gravar temas e acho que toda a gente precisa de música nova e destas coisas durante estes tempos.. por isso não podemos deixar de editar e lançar coisas. Vamos ver, é uma experiência!

MDX – A pandemia trouxe-te algo de criatividade? 

Vasco – Já me ajudou a escrever algumas coisas. No soundcloud por exemplo tenho sete versões de músicas que têm a ver com isolamento que fiz. Agora tem ajudado porque tenho muito tempo. Como eu trabalhava na indústria musical, neste momento não estou a trabalhar e tenho mais tempo para escrever. 

MDX – Agora uma questão sobre o nome da banda, és mais de verão? 

Vasco – Estava a ver isso antes da chamada, se me perguntasses quando é que o projecto começou, quando é que foi a primeira música que editamos que foi numa compilação em 2012 e quando vi isso, vi o nosso primeiro nome que era Borders que eu gostava muito mais. Até descobri que Portugal é o país com as fronteiras mais antigas da Europa e estava todo contente mas depois descobri que já existia um grupo com esse nome e tivemos de mudar e foi o nome que surgiu. Surgiu por acaso mas é engraçado porque apesar de no primeiro disco haver músicas mais de verão, mais pop, agora as músicas são mais negras e então é engraçado ter o nome Big Summer com músicas mais negras apesar de as letras sempre terem sido mais pesadas e abordarem coisas mais deprimentes. É como se fosse uma contraposição. É negro mas ao mesmo tempo é irónico, gosto de fazer piadas. 

Fiquem atentos ao lançamento do EP no dia 15 de Dezembro. Até lá podem desfrutar os dois singles já partilhados e ficar a par de tudo aqui