Opinião Reviews

Acid Acid e a viagem encantada ao mundo alienado de Jodorowsky

Há universos brilhantes e ousados que vão entrando na nossa vida e revelando que o medo existe para ser enfrentado e que uma pitada de audácia é o que nos falta para abrilhantar um pouco a nossa vida rotineira. O universo fantástico de Alejandro Jodorowsky teve maior impacto no mundo quando nos ofereceu em tons quentes e algo psicadélicos, a sátira cheia de chamadas de atenção de nome Holy Mountain. É muito fácil confrontarmos os nossos pecados, difícil é admiti-los como nossos, ainda que sejam fruto de uma busca consciente ou inconsciente de saciedade.
Há um senhor que, apesar de dotado de uma tímida audácia, consegue criar uma mistura de universos em homenagem a Jodorowsky conseguindo revelar uma beleza intrínseca, capaz de nos guiar pelas mais variadas e intensas paisagens. 

Tiago Castro é o criador de Acid Acid. A acidez que transporta tem tanto de amargo como de doce e num estalar de dedos consegue colocar-nos em profunda hipnose degustativa. Depois do álbum Homónimo de 2016, Jodorowsky surge no dia mundial da música, dia 1 de Outubro, como uma espécie de renascimento e libertação.
Com a participação de Violeta Azevedo (flauta transversal, toy ray-gun e pedais), de Rui Antunes (sintetizadores, drum machine e sintetizador modular) e Pedro Morrison (timbalões), este álbum é um acto contínuo com uma pausa para uma inspiração profunda. A narrativa faz-se em crescendo como se, lentamente, estivéssemos a despertar de um ritual coberto de uma beleza que tem tanto de translúcida como de opaca.

Começamos entre estrelas e trovões que se fundem com o bater do coração. A forte intensidade desfaz-se delicadamente para entrarem uns tambores que carregam consigo um leve cheiro a “Atmosphere” (música de Joy Division que mais me transmite esperança) servindo para nos apertar o cinto e deixar magneticamente presos àquele que será o nosso veículo nesta viagem.
De rompante, surge uma invasão de pássaros com os quais voamos tranquila e serenamente. O ar acaricia-nos ao de leve e a guitarra aconchega-nos a alma. Dentro de nós, borbulhas de cores e sabores quentes percorrem o corpo, assemelhando-se a um formigueiro.
Anoitece e descemos ao solo. De mão dada, por baixo de uma lua clara e brilhante, dançamos ao redor de uma espécie de fogueira que, ao invés de queimar, nos liberta de nós e do mundo. As águias que antes voavam ao nosso lado estão agora a acompanhar a nossa dança por cima do cume das árvores que existem à nossa volta.
Ao aproximar-se o final da primeira parte da viagem estremecemos com uma fria paisagem algo distorcida e inquietante com electrónicas a ecoar na mente. 

Depois de um profundo suspiro entramos para um pequeno barco de madeira e preparamo-nos para cruzar um rio cercado de árvores nas margens. A tranquilidade que nos chega do horizonte é algo que acalma tanto ao ponto de o ritmo cardíaco começar a baixar consideravelmente. A flauta surge em forma de silhueta esbelta que vai saindo lentamente do rio e ondulando de forma sensual diante de nós. Sorrimos e deixamos o barco ir à deriva pois, aqui, o medo desaparece dando azo à conjugação dos elementos da natureza com o nosso próprio interior. Aos poucos começamos a levitar e saímos do barco. Pairando por uma paisagem límpida e serena sentimos braços a apertarem-nos dando uma sensação de perfeito aconchego. O arco do violino que acaricia a guitarra vai deixando fios no ar que passam por nós.
Amanhece e, ao nosso lado, vemos estrada e dunas criando uma realidade em tons de amarelo barrento. A guitarra é a nossa caixa de velocidades e desenha a nossa perspectiva sobre o que nos rodeia. De repente uma sucessão de flashes diante de nós e um novo cenário. Regressamos à floresta onde nos deitamos na mãe terra. Sobre nós uma clareira onde voltamos a reencontrar as águias.
Os olhos humedecem e, aos poucos, vamos sentindo o corpo cada vez mais leve. A beleza à nossa volta inunda-nos e a água que nos escorre pelo rosto é o nosso maior combustível para a completude e libertação, seja ela do que for.
Terminamos o trajecto com um momento cristalino, quase palpável, que acolhemos juntos ao peito.

Podem fazer esta bela viagem com um simples play aqui. Aconselho vivamente que seja feita de olhos fechados.
Podem, igualmente, sentir a vibração deste disco ao vivo já no próximo dia 8 de Outubro em Lisboa. Mais info
aqui.

Capa disco – Carlos Gaspar