Opinião Reviews

Kompromat e o loop de coacção musical

Todos nós sabemos que existem variadas dimensões. algumas que conseguimos alcançar e outras que nunca tocaremos.
Hoje quero falar-vos de uma dimensão longe de tudo e de nós próprios que se aproxima e nos suga para dentro com um simples toque na tecla play.
Depois de um
Distress Distress que nos conquistou desde o primeiro segundo em 2017, havia alguma incerteza acerca da supremacia de algo que viesse a seguir. No entanto, a banda em questão é 10 000 Russos e, claro que o que viria a seguir não iria defraudar.

Os 10 000 Russos são um trio nortenho composto pelo André (baixo), o Pedro (guitarra) e o João (bateria) e têm em si uma grande capacidade de fazer música de um certo modo que tem sempre efeitos colaterais nos ouvintes.
Kompromat, para além de ser o nome do terceiro disco, é um termo russo usado para definir material comprometedor sobre alguém que pode ser usado para coagir essa pessoa. Algo como extorsão ou chantagem. Aqui, Kompromat carrega o peso de um passo em frente para caminhos ainda mais drone, kraut e algo space como se estivéssemos a encarar um futuro distante que, ao mesmo tempo, está demasiado perto e a força de nos entrar rapidamente na mente, sem precisar de usar qualquer vantagem.
É composto por 5 faixas e carrega consigo camadas sobrepostas de texturas circulares e oblíquas, algo caleidoscópicas e alucinantes. Traz uma lufada de ar fresco que tanto nos liberta como nos prende.
“It Grows Under” tem alguns “+” diante de si, não só é a faixa mais longa como, é a primeira e, também, a minha preferida. Com ela percebemos logo a essência deste disco e, tal como o nome indica, vai crescendo e vem de baixo. Quer isto dizer que se consegue sentir uma energia a vir do chão que se vai apoderando de nós, fazendo de nós aquilo que quiser. A mistura de sons eléctricos e electrizantes apresenta-se num loop instrumental que cria confusão e desorientação. Arranca com uma força e confiança cheias de perspicácia e audácia e mantém uma certa inquietação que se manifesta na constante repetição de percussão que não sai do ouvido esquerdo, parecendo o diabo que nos mostra o caminho quente e de perdição mental. No fundo, esta faixa traduz-se numa caixa negra onde entramos e nos fechamos, entregando-nos ao ritmo que nos é ordenado e induzido, como se fossemos marionetas e não quiséssemos, efectivamente, ser encontrados. 

Em “Runnin’ Escapin” a caixa negra abre-se e sentimos uma enorme vontade de correr. Sem darmos conta, entramos noutra dimensão que nos faz observar uma atmosfera mais clara, mas igualmente densa, dando a sensação de que nos deixam respirar alguns segundos para nos voltarem a tentar sufocar em modo loop. Os pedais ganham espaço e as distorções peso. Peso esse que ampliará o nosso espaço na nova dimensão.
Com um passo curto até “The People” ganhamos um conforto reconfortante que se contrapõe a uma percussão perturbadora e fortemente desnorteante. A supremacia do loop ajuda a um trabalho de perícia nas cordas. Já fora da dimensão anterior continuamos a correr já com um ritmo mais reduzido. Pelo caminho, encontramos outros que, como nós, são vítimas de ondas sonoras que nos controlam.
“Quite a Charade” apresenta uma guitarra demasiado palpitante e arrebatadora que varia entre o ténue da luz que nos toca na pele e o choque que vem das forças da natureza.
Para terminar, “The Wheel” guia-nos a uma outra dimensão, diferente daquela onde já estivemos, para onde somos empurrados no fim do caminho. Esta, em tons mais mecânicos, forra-se de distorções alucinantes e espaciais e põe-nos de fronte com a loucura à qual teremos a opção de anuir ou, simplesmente, acordar. 

Kompromat tem o poder coercivo sobre nós de nos obrigar a carregar em repeat sempre que chega ao fim. Para além de um disco, é uma explosão de sensações que nos leva a perder algum controlo sobre o corpo e mente, fazendo-nos sentir cada acorde como a leve brisa que nos toca e nos faz sentir felizes por estar vivos. 

Este disco tem o selo da Fuzz Club, foi lançado a 08 de Outubro de 2019 e, para além de ser um dos melhores de 2019, já foi apresentado em várias cidades do mundo.
Pode ser escutado
aqui.