Reviews

Porto/Post/Doc, Mike Christie, Os Hansa Studios, Os New Order e os Suede, três filmes documentais em review aqui

O Porto/Post/Doc realiza-se em vários espaços da cidade do Porto, de 23 de Novembro a 1 de Dezembro. O destaque vai para o realizador britânico Mike Christie e assim está dado o mote para o pré-visionamento dos três mais recentes  filmes-documentários  do realizador que têm neste festival de cinema documental da cidade do Porto a sua pretensa estreia em Portugal.

Especial Mike Christie

  • Hansa Studios: By The Wall 1976-90, de Mike Christie
  • New Order: Decades, de Mike Christie
  • Suede: The Insatiable Ones, de Mike Christie

Esta é uma  tarefa que me dá muito prazer. Visionar no écran e depois escrever. Assistir, assim de seguida a documentários tão diversos como esta trilogia do realizador inglês Mike Christie e pela ordem em que os visionei e que me fez sentido, ou seja, Hansa Studios: By The Wall 1976-90, New Order: Decades, e Suede: The Insatiable Ones. São umas valentes horas, e então se contar com os replays para tomar algumas notas que me tomaram mais tempo, quero com isto dizer que existe tanto para dizer.

Hansa Studios: By The Wall 1976-90, de Mike Christie

Aqui está um documentário que irá apelar aos fans de todos os espectros alternativos pois não se resume a um único espectro da produção musical que passou por esses lendários estúdios. Temos sim, claro, de entre outros David Bowie, Iggy Pop e Depeche Mode, assim como a ‘trupe’ The Birthday Party/Bad Seeds, que ali gravaram alguns discos e todos eles ou quase todos se não de imediato, tiveram depois e ainda hoje um sucesso monumental pelo menos ao nível do culto que inspiram, assim como alguns projectos, como ali é dado o exemplo dos Wire, em que segundo os próprios, por várias razões foi a pior experiência que tiveram lá gravar. O tema da ‘guerra fria’ e da proximidade dos estúdios ao muro de Berlim, que terá inspirado David Bowie a escrever as letras para “Heroes ao ver da janela um casal que afinal, veio a saber-se que era o seu produtor Tony Visconti a passear junto ao muro com a soprano Antonia Maass num beijo terno e apaixonado, demonstra a importância criativa e a localização peculiar dos estúdios isto junto com vários exemplos para os mais do que amantes da produção áudio. São as imagens das salas de captação nos dias de hoje com relatos de produtores e técnicos que trabalharam em alguns desses discos, a maneira como a voz de Iggy Pop foi gravada na canção “Lust For Life”, através de um amplificador de guitarra ou como os Depeche Mode andavam a percorrer as estruturas do edifício a gravar sons, como por exemplo pequenas pedras a cair… Para os músicos que vejam este documentário há muito por onde se prenderem pois as escolhas de diferentes arranjos ou de novas técnicas (na altura) de gravação e mistura, são referidas no desenvolvimento tecnológico dos Hansa Studios mas não num input tecnicista, é também referido como se gastavam por exemplo, oito horas para usar uns sequenciadores para programar uma linha de guitarra baixo num tema dos Wire, ou como os Depeche Mode levaram uma semana a misturar uma única canção entre eles, com os resultados que hoje em dia se conhecem. Não é demasiado tecnicista este retrato de alguns dos principais eventos discográficos da história dos estúdios. Somos levados a percorrer as fantásticas imagens de como o Hansa é na actualidade e pelas salas cheias de reverberação… e temos, claro, algumas imagens de arquivo  do estúdio e de Berlim e de algumas canções por lá gravadas, tudo isto com um manancial incontável de convidados que como músicos, por lá gravaram, produtores, incluindo o já aqui referido Tony Visconti, Flood, por exemplo, são os nomes mais sonantes. Tudo isto faz com que a hora e meia de duração deste documentário passe rapidamente, para mim até me soou a pouco tamanho é o interesse que este registo me despertou. Como disse, um documentário para melómanos, músicos, audiófilos, produtores musicais, e, se calhar o mais apelativo dos três filmes documentais de Christie aqui falados, com o elenco de músicos desde Blixa Bargeld, e até Bono Vox em regime off e os detalhes de produção, com discos que não ‘arrancam’ e de repente, lá é magicamente gravado “One”dos U2. Claro que não se pode chamar de declínio o virar da década para os anos 90, mas na essência o período anterior é de ouro por alguma razão, e mais do que a adaptação às novas regras do negócio da música, ou porque realmente os discos que elevaram esta localização ao estatuto de estúdio lendário já haviam sido gravados. O documentário termina com um toque de amargo e discreto, muito discreto, quanto a mim esta é também uma peça ideal para os defensores da produção analógica da boa velha maneira de fazer discos em grandes estúdios, com salas reverberantes, grandes consolas analógicas de gravação e de mistura. Portanto, um paraíso para músicos, engenheiros de som e produtores.

New Order: Decades, de Mike Christie

(Um pouco) uma surpresa. Este documentário, lança-nos na premissa de que os New Order registaram um concerto com um grupo de jovens músicos de electrónica, pelo menos não é com uma orquestra sinfónica como é costume por estes dias com todas as bandas. Nos primeiros minutos somos rapidamente transportados para o início da história da banda, e como é obvio, para os primeiros dias dos Joy Division… e logo que Ian Curtis entra em cena por uns minutos a cantar na TV, acaba o bocejo que já se ia apoderando de mim. De facto, Bernard Sumner e o resto das boas pessoas que compõem a banda (com excepção talvez do baterista Stephen Morris), são  basicamente uma seca a falar, e já vou neste momento em 23 minutos do documentário, a ouvir os músicos e as pessoas que rodeiam a banda a dizerem que o projecto «é muito ambicioso» que o «legado da banda é enorme», etc, etc. Um tédio. Sinceramente, mesmo com o bom ritmo de realização… novamente o tédio instala-se. A escolha do local para tão prestigiado e único evento, os estúdios da extinta Granada TV dilui-se por uma qualquer respeitável razão histórica, ou seja, a primeira aparição na televisão dos Joy Division, claro. Ficamos a saber após a primeira canção registada ao vivo que o documentário nos mostra que demoraram muito tempo a escolher as canções para este evento especial, em que actuaram com uma orquestra de sintetizadores. A ‘coisa’ anima com imagens da banda a ensaiar  um tema de Joy Division, durante uns breves minutos. Há Imagens de “Perfect Kiss” e a previsível história da génese dos New Order. Embora previsível, começa a ser mais interessante esta parte, o uso de drum machines, a electrónica, os sintetizadores, faz-se a ponte para mais imagens ao vivo, todas com um som extremamente polido, e é na realidade aí que vamos ao que interessa, por exemplo a brilhante interpretação ao vivo de “Subculture” do álbum Lowlife é que traz entusiasmo a este visionamento, e é lá que vemos os artistas de música electrónica fechados num backdrop, como se quase em jaulas estivessem. Produzido em tempo real, adivinhamos nós, sabe-se lá, quais os sons que complementam a música que a banda toca em palco. Há pessoas a tocar teclados e os tradicionais laptops estào presentes, tocam 12 teclistas ou keyboard players como são referidos e o processo de orquestração dos elementos electrónicos da música dos New Order torna-se também mais entusiasmante. Mas… rapidamente somos novamente transportados para o passado, o hoje e o antigamente de Manchester: Factory Records, Tony Wilson, etc, de resto vemos o making of desta produção em palco desenrolar-se com contributos dos directores artísticos, de cenários musicais, ou o que seja, mas sinceramente, seria preferível afinal o visionamento ser com efeito o concerto todo. Tudo o resto simplesmente parece que está lá para encher (‘…chouriços’). Certamente fará as delícias de alguns dos fans mais acérrimos dos New Order nos quais me incluo, mas para mim reitero que! preferia ver o filme todo do concerto. Este documentário apesar de bem dirigido e profissional não é para todos os gostos até porque a duração não ajuda. Somos recompensados no final com uma versão arrepiante de  “Decades”, claro, de Joy Division.

Suede: The Insatiable Ones, de Mike Christie

O documentário sobre a carreira dos Suede começa com pujança, e aqui, Mike Christie, o realizador, esmera-se porque realmente há uma história para contar e um propósito definido, e é isso mesmo, somos levados de forma descontraída e humilde pelos Suede e as pessoas que de alguma forma estiveram ou estão ligadas à banda, são interessantes e têm realmente vontade de contar algo, isto vindo de uma banda que até já se separou durante uns anos valentes. Somos levados para o mundo adolescente do vocalista Brett Anderson e do seu amigo e baixista Mat Osman, e de como se conheceram, enquanto passeiam pela sua antiga vizinhança. Temos ainda pessoas como o actor e comediante Ricky Gervais e ficámos também a saber que foi músico outrora, e que o próprio admite que a sua contribuição como manager se resume à importante entrada do baterista Simon Gilbert para a banda, enquanto na actualidade alguns dos Suede brincam com o baterista perguntando-lhe se ele depois destes anos sabe montar o kit de bateria sozinho. O documentário segue a um ritmo excelente com incursões por imagens de arquivo do início conturbado do outfit londrino, em que os próprios admitem que durante um tempo ninguém lhes ligou muito embora percorressem o circuito de pequenos palcos a tocarem por vezes para muito pouca gente até ao momento em que sairam na capa do Melody Maker apontados como a melhor nova banda do Reino Unido sem ainda terem nada gravado como deve ser. Ao melhor estilo dos tempos da britpop dos anos noventa, é, essencialmente quanto a mim esta a parte do documentário com os primeiros tempos da banda com os detalhes que levaram à separação prematura do guitarrista Bernard Butler, muitas imagens de arquivo, comentários de todos os intervenientes, os músicos e o que sentiam na época com toda a adoração que o Reino Unido e a Europa (ou o resto da Europa) lhes prestavam. Tudo isto com comentários adicionais de Justine Frischmann (que antes das Elastica tocou guitarra nos Suede), do produtor Ed Buller, ou seja de pessoas próximas, nos primeiros anos da banda. É retratada a cisão pessoal entre a dupla criativa Anderson/Butler no processo de criação e produção  de Dog Man Star enquanto somos levados a perceber pelos relatos o quanto o dogmático guitarrista tinha uma visão para a música nesse segundo disco dos Suede chegando a fazer o ultimato de sair caso o produtor não fosse despedido. Esta é só uma das pérolas, chega Richard Oakes, guitarrista substituto de 17 anos, a digressão desse disco espectacular a subsequente entrada de  Neil Codling e temos provavelmente o último dos discos espetaculares da primeira vida dos Suede, com capa de Peter Saville, cujo input e colaboração é explicada na materialização da capa de Coming Up. O período conturbado em que a banda após uma digressão extremamente prolongada desse disco e com Brett Anderson confessadamente a recordar o seu vicio das drogas e foi nessa altura que surge o álbum Head Music que poderia ter sido muito mais do que é caso a banda se tivesse concentrado num ambiente saudável. Em resumo, pois não será necessário aqui resumir toda a história da banda, o processo de porem fim à carreira, o processo de voltarem devido ao convite para tocarem num espectáculo de beneficência… Está tudo muito bem contado e muito bem retratado neste documentário, e mesmo os dez minutos finais dedicados à nova vida da banda não são uma propaganda excessiva a esta nova fase dos Suede. Um documentário muito bem feito que mesmo para não fans absolutos, é uma visão interessante dos ‘ups and downs de uma banda bem sucedida com uma história singular.

Podem consultar o programa do Porto/Post/Doc em www.portopostdoc.com.