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Glassjaw arrasam Lisboa em noite do pós-hardcore

Alex D’Alva Teixeira, compositor e vocalista da banda pop D’Alva e Ricardo Martins, baterista de várias bandas como Pop Dell’Arte e Jibóia (entre outras), deram corpo ao projecto que já vinham a falar há algum tempo, Algumacena. Uma recente (2018) dupla de grandes músicos, que se vai musculando e tornando perfeita, seja pela intensidade enérgica que deles emerge, seja pelo seu genuíno talento instrumental e de composição.

Algumacena é o exemplo perfeito de que o segredo do sucesso pode estar na simplicidade. Uma guitarra intercalada com um baixo e uma (estrondosa) bateria podem ser mais do que suficiente para encher um palco. Alex intercalava entre a guitarra e o baixo, sobrepondo sons gravados e loops de voz. Ricardo era uma extensão da sua bateria, como se os ritmos estivessem gravados no seu ADN e os movimentos surgissem naturalmente. Letras com uma carga de intervenção social e política, onde o racismo e o machismo são os temas de destaque. Uma manifesta versatilidade vocal, em que no meio de um adocicado agudo Alex soltava gritos definidos. Esta foi a 5ª aparição em palco dos Algumacena, mas todos sentimos a cumplicidade dos dois músicos, a qual certamente nos irá dar mais boas “cenas” no futuro.

Os Ash is a Robot são uma banda de pós-hardcore portuguesa, e que já andam nestas andanças desde 2012. O quarteto setubalense foi uma das quatro bandas portuguesas convidadas para abrir os dois concertos em Portugal dos nova-iorquinos Glassjaw (Pledge e Redemptus no Porto). A banda de Cláudio Anibal (voz) já tem um legado de fãs que os segue desde os primeiros concertos e acompanha a sua discografia, que já conta com quatro trabalhos editados. “The Chronicles of Edward”, o seu segundo álbum, foi fruto de uma campanha de crowdfunding através da plataforma PPL, em 2016.

Cheios de “pica”, os Ash is a Robot tocaram meia dúzia de músicas do seu reportório, manifestando o seu contentamento por serem convidados como banda de apoio a uma das bandas que certamente os influenciou. No primeiro tema um pequeno incidente com o baixista João Descalço (rebentou-se a fita do baixo) que o obrigou a sair do palco, fez com que Cláudio tivesse mais tempo para agradecer a algumas pessoas. Neste compasso de espera, foi falando com os amigos e fãs que por ali estavam. De camisa vermelha aos quadrados e cap à Ribas, Cláudio puxou pelos outros músicos e pelo público o quanto pode. Mais uma mão cheia de músicas e, no meio dos devaneios, o vocalista desceu do palco e dançou no meio do público estimulando o moshe.

Os nova-iorquinos Glassjaw estiveram pela primeira vez em Portugal para dois concertos no Porto e em Lisboa. Foi no passado domingo que subiram ao palco do Lisboa ao Vivo exactamente à hora marcada, às 22h30m. Os trinta minutos de intervalo entre bandas serviram para dois dedos de conversa e um cigarro à porta do recinto. Um dos concertos mais ansiados do ano, não fossem os Glassjaw e o seu front man Daryl Palumbo um dos ícones mundiais do pós-hardcore. Com mais de duas décadas de existência, os norte-americanos emergiram no início de 2000 no rol de bandas do nu-metal, pela mão do produtor Ross Robinson (produtor de bandas como Limp Bizkit, Korn e Slipknot).

Um percurso atribulado, fosse pelo hiato de tempo entre álbuns de estúdio, pela falta de consenso entre os elementos da banda, ou mesmo por questões de saúde de Palumbo que o obrigaram a ser hospitalizado mais do que uma vez. O certo é que em cada álbum editado e em cada tour, o sucesso foi crescendo e a sua estrutura identitária também, conseguindo conquistar um espaço próprio sem se manterem na sombra de ninguém.

Três longa-duração editados que, mesmo que espaçados no tempo, principalmente do segundo (“Warship and Tribute”, 2002) para o terceiro e último (“Material Control”, 2017), editaram também várias compilações de singles e EP´s. E foram “El Mark” (do EP homónimo de 2005), “You think You´re (John Fucking Lennon)” e “Jesus Glue” do EP “Our Color Green” (2011) que fizeram parte do alinhamento da noite. Os temas concentraram-se nos álbuns “Warship and Tribute” e “Material Control”. Mas apesar de todas as músicas terem recebido a reacção efusiva do público, que foi acompanhando as letras num coro constante e em sorrisos extasiados, “Convectuoso” e “Siberian Kiss” (já no final), foram autênticos hinos ao “silêncio” pós-hardcore (“Everything You Ever Wanted to Know About Silence”, 2000).

De cerveja na mão, Daryl Palumbo pediu desculpas pelos EUA e mostrou-se entusiasmado por estar em Portugal pela primeira vez. Descontraído nos movimentos, com roupa confortável o suficiente para se mexer à vontade,  camisa larga fora das calças evidenciando o peito magro e seco. Canções prolongadas que se seguiram quase ininterruptamente, permitindo aos músicos explorar os acordes até ao limite. Destaque para a excelente performance do fabuloso guitarrista Justin Beck, que acompanha os Glassjaw praticamente desde o seu início, facto que se percebeu quando Palumbo apresentou a banda.

Uma noite em cheio que começou ainda de dia, onde a prestação das emergentes bandas portuguesas esteve à altura dos veteranos do pós-hardcore Glassjaw. Mais de três horas de música efervescente, quase como uma antecipação da 4ª Edição do Vagos Metal Fest, que terá lugar de 8 a 11 de Agosto na Quinta do Ega.