Concertos

James em noite de glória no Coliseu dos Recreios de Lisboa

Com a imensidão de concertos que por aí têm havido em Lisboa e por outras zonas do país, seria de esperar que muito poucos tivessem reparado que os James voltariam a Portugal no início deste mês de Abril. Eu próprio só me lembrei que tinha este reencontro agendado com esta banda dois dias antes da data. Lembro-me -, ao contrário de muitos que porventura já tiveram o prazer de os ver em mais ocasiões do que eu, só vi os James anteriormente numa noite de má memória nas Festas de Cascais desafiado por um amigo também em cima da hora lá fui eu ter com a banda do álbum Laid, para mim, um disco essencial, pois tem direito a constantes replays aqui em casa e está mesmo a entrar em desgaste de tanto tocar. A discografia da banda está disponível no Youtube, sim, no Youtube, porque eu não sou nada de Spotify´s e dessas coisas e… (…) e tento esquecer-me dessa noite em Cascais em que ao ar livre foram debitados temas clássicos da banda perante a apatia quase geral dos “borlistas” lá presentes e, não foram nada ajudados pelo vento que se fez sentir e que prejudicou em muito o som tocado ao ar livre. Eu cá, que não gosto muito de ajuntamentos populares nem do mau serviço à música devido a más condições, esmoreci nessa altura, e fui para casa. Alguns anos depois, nem fazia eu ideia, apesar de sentir que aqui, no Coliseu, iria assistir a um grande concerto, que a sala iria estar assim tão… cheia, e não digo preenchida, digo cheia e se tiver que ser ainda mais preciso, digo mesmo insuportavelmente, cheia. Foi só o tempo de ir fumar um cigarro lá fora e quando voltei já não se podia andar na plateia quanto mais encontrar um lugar sentado com boa visibilidade. Mas isso só contribuiu para o revivalismo que comecei a sentir do tempo das boas noites de concertos que por cá aconteciam nas décadas anteriores quando os James nos começaram a visitar. Hoje, existe por regra um excesso de conforto nestas coisas, e assistir a música ao vivo não é isso, é antes tentar furar até perto do palco apesar de por vezes ser inútil.

Como referi, só vi os James uma vez antes desta noite, apesar de ser fan. Sou fan, porque, ora vamos lá a ver, gosto dos discos deles, da voz de Tim Booth, gosto muito do projecto dele com Angelo Badalamenti:  Booth and the Bad Angel e, numa altura em que a banda esteve quase a acabar ou a entrar em pausa, se preferirem, coisas da vida indie rock. Os James, são para mim um pouco como os U2, só que nunca se venderam tanto. Continuam a fazer música para massas mas com qualidade e sem se repetirem demasiado, aliás, até souberam acabar e depois voltar mais ou menos na altura certa. Têm espiritualidade nas letras e uma certa positividade encantadora e não se metem demasiado em política nem apoiam candidatos presenciais norte-americanos. Por isso, gosto da presença regular cá deles, é reconfortante saber que há bandas que gostam deste país. 

E… já faz uns anos que bebi uma cerveja e comi uns tremoços com a irmã do Tim Booth, pela tarde. O meu amigo que nos apresentou sabia que eu gostava da banda e limitei-me a dizer que sim, que gostava muito. Já nem me lembrava disso mas veio-me à memória enquanto os James entravam em cena para fazer o prometido concerto acústico de primeira parte. Enfim. Penso. Mas… quem é que abre para si próprio? – No mínimo é original e surpreendente. Esta banda com fortes ligações a Portugal, com irmãs e músicos a viverem temporadas por cá, muitos concertos cá tocados, continua a apresentar-se com uma simplicidade e modéstia ímpares, entram descalços de pretensões e brindam o Coliseu cheio até ao tecto com um acústico apresentado nas palavras do vocalista como: ‘a miserável banda de abertura dos James’.

Não foram muito pontuais para o meu rigor britânico nestas coisas, entraram dez minutos atrasados… e eu que já estava a começar a adivinhar que caso os eventos da noite apontassem para o êxtase total e sinergia absoluta entre a banda e o público, como se veio a confirmar, a coisa iria acabar um pouco mais para o tarde. E então, neste acústico com violinos, guitarras acústicas, pianos e secção rítmica maioritariamente downtempo, ouvimos logo a começar “Hello” do disco Millionaires, de 1999, apropriado, pois a versão de estúdio é maioritariamente acústica e despida de sofisticação electrónica. A voz de Tim Booth, como se veio a verificar pelo resto da noite está em grande forma e eleva as canções, sentimentais, meio tristes e luminosas deste acústico a um patamar de excelência superior. A segunda canção “Broken by the Hurt”, dizem eles que não saiu no mais recente disco, e é belíssima com as suas guitarras a fazer lembrar os The Cure. Já a terceira “All I´m Saying”, do disco La Petite Mort, foi tocada de forma radicalmente diferente do arranjo em disco.

Não vale a pena escrever grandes linhas mais sobre este acústico, o único ponto negativo para mim, foi a inclusão da canção dos James com que sempre embirrei e em formato acústico ainda menos gostei: a “Just Like Fred Astaire”. Para compensar, “Sit Down” foi desde logo tocada ali, naquele formato. De resto, sem queixas, embora não acredite muito nesta ideia da própria banda abrir para a própria banda. Foi um momento bonito mas também um pouco fatídico esperar mais vinte minutos pelo regresso dos mesmos músicos que tinham acabado de abandonar o palco. 

O lado bom, foi que nessa noite os James, a seguir à “interrupção” deram um concerto exemplar e magnífico sem a mínima falha, em que intercalaram músicas do mais recente álbum Living in Extraordinary Times, que reconheço ainda não ter explorado devidamente, mas de cujos temas tocados ao longo do concerto intercalados com os mais antigos, soaram muito bem em regime eléctrico. Logo, e por exemplo, o terceiro tema com o uso do megafone nas vocais “What´s it All About”, onde a banda exemplar na execução musical, dá o mote para as danças características ao estilo epiléptico herdado de Ian Curtis que Tim Booth protagoniza em cena. No fundo, os James nem precisavam de ter sido exemplares, tamanha é a devoção do público. Com “Tomorrow”, veio o primeiro momento de delírio absoluto… eu, finalmente rejubilei!! pois o efeito hit clássico instantâneo a ser tocado em palco desentorpeceu os sentidos e aliviou o cansaço da semana. Embora tudo até agora tivesse sido muito bonito, agora é que estava realmente a valer a pena. De seguida, duas canções em catadupa de Laid, as excelentes “Dream Thru” e “Five- O” fizeram-me arrepiar. E é esse o sentido quanto a mim, de vir ver uma banda ao Coliseu dos Recreios, ou a outra sala qualquer, sentir aquele arrepio característico dos bons concertos. 

Pouco depois, o palco encheu-se de fumo para acolher os sopros majestosos de “Born of Frustration”, e onde desta vez Tim, levou a sua voz e a sua presença a uma das bancadas do Coliseu, passeando-se entre o público. Mais tarde, Andy Diagram haveria de se passear também pelo piso de cima do Coliseu a tocar o seu trompete em “Sound” enquanto ao mesmo tempo o vocalista chegava a meio da plateia carregado em braços pelos fans, e isto, depois de umas quinze músicas em formato eléctrico, foi o auge antes do encore. Para não me alongar demais numa crónica de uma noite memorável, o encore teve alguns momentos singulares: o guitarrista Saul Davies a dizer em português perfeito que este concerto era muito importante em Lisboa depois da experiência difícil que a banda teve por cá da última vez no Rock In Rio, e o público em coro a cantar o verso de “Many Faces” durante longos minutos, e claro, o tema final “Laid” a encerrar a festa. Já se veem poucos concertos assim, não foi o melhor concerto que já vi, mas sem dúvida foi dos mais singulares e inesquecíveis. Que voltem muitas vezes mais e que continuem a surpreender é o que lhes desejo. São boa gente, têm uma boa relação com o seu público e nas palavras de Tim Booth em palco a apresentar uma canção de 1984 ‘… because we are timeless…’ -, é isso: são intemporais. Até à próxima, e na próxima toquem o “Waltzing Along” por favor.