Robert Forster photographed at The Gap, Brisbane, Queensland, on 27 September 2018 by Bleddyn Butcher
Backstage

Robert Forster – Inferno, a entrevista ao ex The Go-Betweens a propósito do seu novo disco

Foi numa ensolarada tarde de Inverno em Lisboa que falámos com Robert Forster, fundador dos The Go-Betweens e dono de uma aclamada carreira a solo. Forster, que se encontra em viagem promocional do seu novo álbum Inferno, contou-nos como foi gravar este disco em Berlim e o porquê destas nove novas canções soarem tão contundentes e frescas. Falou também dos seus planos de digressão que incluem dois concertos em Portugal já no final deste ano.

Música em DX (MDX) – A primeira pergunta remete-nos para o título do disco Inferno, e uma vez que a palavra inferno está também presente no título do primeiro single de apresentação “Inferno In Brisbane”, o que significa para ti essa palavra nesse contexto musical e o porquê da escolha para o título do álbum?

Robert Forster (RF) – A escolha do título para o álbum começou no Verão precisamente com “Inferno In Brisbane”. Escrevi essa canção… e… cheguei à conclusão de que até gosto bastante da palavra inferno. Nunca tinha pensado nisso antes, mas simplesmente veio com essa letra…, escrevi-a após acordar repentinamente numa noite de Verão, e estava tão quente, escrevi algumas linhas e de repente a palavra inferno estava lá, no sentido de quem vive num forno.

MDX – Faz muito calor em Brisbane? 

RF – Sim, e está a ficar pior… cada vez mais quente devido às alterações climáticas. Toda esta ideia das plantas e da selva a entrarem pela porta adentro… é assim um pouco como uma fantasia. Já tinha o título dessa canção e pensei que inferno era uma palavra muito forte e um possível título para o álbum, e ficou, ficou o título do álbum Inferno. Mas essa canção também tem a ver com o estado do tempo e também de alguma maneira ajusta-se ao som do disco, que é muito longo. E inferno é uma palavra grande, com significado… pareceu-me que ficava bem.

MDX – Falando do som do disco. A minha primeira impressão é a de que o som está muito claro e muito bem definido, com algum peso e não necessariamente nas guitarras eléctricas ou na distorção, até porque é rara. As guitarras estão mais presentes no single, mas até ao peso, à presença das guitarras acústicas muito marcadas e nítidas, como foi trabalhar com Victor Van Vugt que gravou o disco? 

RF – Foi maravilhoso.

MDX: Gravaram em Berlim…

RF – Foi óptimo, o Victor para além de ser muito bom engenheiro e produtor, é também muito boa pessoa, é muito entusiasta. O Victor é o tipo de pessoa que pode só ter um kit de bateria, um baixo e uma guitarra acústica e soa tudo fantástico. Dá-lhes um certo tamanho e grandiosidade que não é excessiva e eleva as coisas.

MDX – Logo no processo de gravação?

RF – Sim, é isso que ele faz. Coloca os microfones e tem uma habilidade ou um talento de ser capaz de gravar muito bem, sem que os sons venham a soar muito artificiais ou processados, soam de uma forma natural e conjuga o som de uma maneira muito bonita.

MDX – E no que diz respeito aos arranjos das canções?

RF – As canções já tinham arranjos definidos antes de chegarmos ao estúdio. E isso é algo que faço normalmente. Nunca trabalhei com um produtor que fizesse muito com os arranjos ou viesse a alterar os arranjos das minhas canções. Normalmente, falam da instrumentação, mas normalmente também, ficam satisfeitos com os arranjos das canções, isso é algo que eu posso fazer.

MDX – Ao falarmos desse processo, pode ser interessante para os nossos leitores saberem quais os músicos que te acompanharam em estúdio.

RF – Cinco músicos, eu próprio na voz e guitarras, o Scott Bromiley que é de Brisbane, tocou no álbum anterior Songs to Play, é um multi-instrumentista, e é capaz de tocar baixo, guitarra, teclados, canta e é uma pessoa muito talentosa. No violino, canto e glockenspiel a Karin Bäumler, na bateria o Earl Havin que vive em Berlim, é um músico de estúdio e é baterista nos Thindersticks também… não sei se os conheces?

MDX – Sim, perfeitamente.

RF – E com os The The também, ele toca com eles também, e também o Michael Mühlhaus que vive em Berlim, um berlinense que toca piano. Somos só nós os cinco.

MDX –  Será essa a banda que te acompanhará em digressão?

RF – Não, em Abril e Maio vou fazer uma digressão pelo norte da Europa com a Karin Bäumler, o Scott Bromiley e com uma secção rítmica sueca de Estocolmo. E depois, vou para a Austrália em digressão com uma secção rítmica diferente, mais a Karin Bäumler e o Scott Bromiley. E no final do ano volto aqui então para fazer mais shows com a Karin Bäumler, e vamos tocar no Porto a 22 de Novembro e em Lisboa a 23 De Novembro.

MDX – Era precisamente uma das questões que tinha para ti… se teríamos a oportunidade de te ver a tocar ao vivo com este disco.

RF – Sim! Vão! E aguardo com grande expectativa por isso.

MDX – Ainda tenho uma questão no que diz respeito à Austrália e às digressões mas já voltamos a isso. No que diz respeito ao disco, há uma canção em particular que para mim soa incrivelmente bonita, a “One Bird In The Sky” que tem um arranjo lindíssimo. Quando a ouvi, pensei “espero que não termine em breve” pois é uma canção que se vai desenvolvendo de forma muito bonita, tem uma melodia lindíssima. – No que diz respeito às letras, intrigaram-me. Podes falar sobre elas?

RF – Ah! Essa é a mais difícil de falar, sobre as letras, mas vou tentar. Tem tudo a ver com metáforas e coisas assim mas, basicamente tem a ver com isto: eu sou o género de pessoa que se toda a gente estiver a ver um filme, um filme muito popular, ou um disco que dizem fantástico, ou um livro que dizem muito bom, eu não o leio, eu não assisto ao filme e nem oiço o disco. Existe uma perversidade que significa que se algo é muito popular… . Ocasionalmente abro uma excepção mas normalmente espero uns seis ou sete anos, e quando todos já se esqueceram e estão entusiasmados com outra grande novidade, é então aí que eu vou e oiço o disco. Sou esse tipo de pessoa, não sei porquê… e é então aí que eu penso que, se todos ouviram isto, isto é um clássico, e se todos gostam, então aí é que eu vou, vou apreciá-lo sozinho. Quanto a esta canção, esse pássaro que vem a atravessar o céu… e… todos já comeram a comida que está no chão… e aterra, e está a picar os ossos e coisas, e assim – os restos: é disso que a canção fala. Chegar às coisas mais tarde e encontrar o que restou.

MDX – Muito bem, não teria adivinhado. “Crazy Jane on the Day of Judgement“, abre o disco, também estou curioso sobre as letras desse tema.

RF – Não as escrevi.

MDX –  Não?

RF – As letras dessa canção foram escritas por um poeta chamado WB Yeats que foi um famoso poeta Irlandês e, em 2015 tivemos o 150º aniversário do seu nascimento que foi celebrado em Dublin, e eu fui convidado, vários cantores do mundo todo foram convidados para musicarem um dos seus poemas e fazer um concerto. Mandaram-me alguns dos poemas e um deles foi Crazy Jane on the Day of Judgement, e como eu já tinha uma melodia que tinha escrito, os dois resultaram muito bem juntos. E foi então que fiz o concerto em Dublin com outras pessoas, foram duas noites no Dublin Concert Hall, e cantei a canção nas duas noites e mais uma ou duas outras, e senti que foi fantástico. As pessoas adoraram. E pensei: tenho que meter esta canção no meu próximo álbum e… abre o álbum. Nessa canção a melodia é minha e o texto é de WB Yeats.

MDX – Como ouvinte, a minha próxima questão tem a ver com a leveza que sinto em certas letras, por exemplo na “In The Morning”, traz assuntos que para mim parecem ser sobre a vida no dia-a-dia, a repetição dos dias… quando cantas que cada manhã é um “amigo”… ‘each morning is a friend’, achas que este  disco é… (e falaste no Verão há pouco noutra pergunta) um disco com um som primaveril?

RF – Penso que tem um som primaveril, acho que isso é algo que o Victor trouxe. Acho que há mais electricidade no disco. Será o mais eléctrico que fiz. O ritmo é diferente. Ele colocou um ritmo diferente no disco… sim, acho que sim, é um disco de Primavera. Penso que estás completamente certo.

MDX – Nesse sentido também me apercebo que existem letras profundas com significado, mas também te sentes de alguma forma upbeat ao ouvir o disco.

RF – Isso é bom. Eu penso que se deve ao facto de ser… é, provavelmente um pouco mais melódico que os meus álbuns anteriores, quanto à produção… é uma combinação de tudo. A instrumentação é óptima. Tudo se conjuga.

MDX – Vives em Brisbane, é mais fácil? Ou mais difícil? tenho a noção que será mais difícil… estando baseado na Austrália, gerir a tua carreira, o legado dos The Go-Betweens, sentes que é mais difícil fazer digressões, por exemplo?

RF Boa pergunta… boa pergunta. É mais difícil fazer digressões… resulta, mas talvez as coisas fossem um pouco mais fáceis se eu vivesse na Europa… mas talvez não muito. Poderá chegar uma altura em que eu venha a passar mais tempo por aqui. A minha filha está no último ano da escola. No ano que vem, a minha mulher e eu (temos dois filhos e como estão ambos a acabar a escola…) talvez então passemos mais tempo na Europa ou a viajar. Mas o que é bom de viver em Brisbane é que posso afastar-me e relaxar, hoje em dia com a Internet as coisas são mais facilitadas.

MDX – É mais fácil.

RF Sim, muito mais fácil.

MDX – Pergunto isto porque parece mais difícil para as bandas australianas tocarem por exemplo nos USA, bem mais ainda com a questão dos Visas necessários.

RF – Sim, vê, esse é também o meu problema com os USA. Eu não toco lá, há já uns onze anos porque me custa tanto dinheiro, obter o Visa e a viagem aérea. São uns cinco mil dólares e eu nem sou muito popular lá. Mas se não fosse isso do Visa, eu provavelmente iria. Já agora, o que é que outras bandas australianas dizem sobre isso?

MDX – Dizem que é mais difícil… até para os promotores portugueses é mais difícil agendar uma banda Australiana ou da Nova Zelândia, a não ser que o concerto seja inserido numa tour europeia. É difícil trazer uma banda inteira do outro lado do mundo apenas para um ou dois concertos.

RF – Exacto. É por essa razão que eu venho no fim do ano em formato acústico com a minha mulher. Mas estou muito feliz com o concerto que vou dar porque o concerto que faço é muito baseado em canções, não é que precise de uma banda só porque tem um percussionista e termos uma secção de sopros e estarmos a fazer uma coisa para dançar. Este conceito de singer/songwriter, por exemplo, podes ter a banda o que é óptimo, mas para mim também funciona perfeitamente comigo a cantar e na guitarra, e a Karin a cantar com violino, é mais versátil se fores um singer/songwriter.

MDX – Um espectáculo mais intimista… portanto.

RF – Há muitos singers/songwriters que vi tocarem com banda e sem banda e que são melhores só com uma guitarra acústica.

MDX – Os fans mais puristas de Dylan, provavelmente concordariam, quando ele se rendeu à electricidade.

RF – (risos)  

MDX – A minha pergunta final como disse seria no sentido de saber de concertos em Portugal, já sei então, que estão já confirmados no Porto e em Lisboa. Tens um grande número de seguidores por cá, são portanto boas notícias.

RF – Estou muito feliz, que venham todos, traz todos eles. Estou ansioso por tocar em Portugal.

Robert Forster toca em Portugal a 22 de Novembro no Porto, no Passos Manuel e a 23 de Novembro em Lisboa, no Musicbox. Inferno está disponível pela Tapete Records.

+info em facebook.com/robertforsterofficial/

Fotografia (capa) – Bleddyn Butcher