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Spectrum (Sonic Boom) no Musicbox Lisboa, memórias quentes

Enquanto as noites de verão se prolongavam para o outono, sábado passado, no Musicbox, tivemos o prazer de assistir a um concerto pleno de memórias para a maioria dos que ali se deslocaram para ver Peter Kember, um músico que numa vida pode já ter vivido duas ou três existências diferentes. Conhecido como Sonic Boom, foi fundador e peça elementar dos Spacemen 3, em paralelo dedicou-se a Spectrum e a  Experimental Audio Research, projectos a solo onde explorou caminhos que já havia iniciado nos Spacemen 3. Esperava-se que interpretasse algumas coisas do seu repertório enquanto Spectrum mas também  que nos presenteasse com outras pérolas dos seus outros projectos, o que de facto viria a acontecer.

Peter Kember é um daqueles músicos que fogem de quase tudo o que é norma, mas não de uma forma forçada ou falsa como por vezes acontece a algumas pessoas que nem sequer possuindo a importância que Peter Kember tem enquanto alguém que influenciou mais que uma geração de músicos e apreciadores de música o fazem. A sua presença impõe algo que transcende um pouco o respeito por alguém que admiramos, e isso era bastante notório no público de sábado à noite, porque apesar do Music Box ter uma audiência composta para receber esta encarnação musical de Peter Kember, o público nunca preencheu totalmente o espaço até ao palco, como se mantivesse uma distância de segurança, ou talvez porque pelo facto de ambos os músicos estarem sentados a proximidade dificultaria a visão que a cerca de dois, três metros nos dava uma excelente perspectiva com as sugestivas projecções que ocorreram durante toda a actuação.

As escolhas para o concerto não divergiram do que vem apresentando habitualmente; uma versão de Transparent Radiation dos americanos Red Krayola, uma banda que em 1966 navegava na novidade do psicadelismo e da música experimental, que surge em The Perfect Prescription dos Spacemem 3 dá o mote ao concerto. O público mantém-se silencioso, enquanto Kember pede que desliguem o ar condicionado da sala, que rapidamente se transforma numa sala abafada e quente.

Os espaços vazios da sala, preenchidos pela música, mas não exaustivamente, entram no público como aquela última onda da subida da maré e a sensação que temos na maioria do tempo, é aquela sensação que nunca conseguimos recriar na idade adulta na perfeição; quando éramos miúdos e a maioria de nós quando ia à praia via lá o sol nascer e descer, tentando estar a maior parte do tempo na água, como miúdos que éramos. Porém à noite quando já estávamos deitados na cama, quando fechávamos os olhos parecia que ainda estávamos a boiar dentro de água, que ainda sentíamos a ondulação do mar debaixo dos nossos corpos e o calor a sair de nós.

 

Com breves pausas, onde quase não ouve mais que um sussurar do público enquanto Peter Kember troca de guitarra ou faz algum ajuste, All Night Long de Highs, Lows and Heavenly Blows, quase sussurrada ao microfone, e o público já mais liberto da comoção aplaude fortemente, Lord I Don’t Even Know My Name de Soul Kiss (Glide Divine), a levar-nos ao primeiro momento de Spectrum no início dos anos 90, uma nova revisitação a Spacemem 3 com Call the doctor de Perfect Prescription. De coração cheio aplaudimos um concerto sucinto, com direito a encore, sabendo que fomos uns priveligiados.

Promotor – Musicbox Lisboa