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EDPCoolJazz’18, a noite do Salvador

A noite desta quarta-feira, 18 de julho, teve como maestro Salvador Sobral, o herói nacional que conseguiu a proeza de vencer o Festival Eurovisão da Canção e trazer para Portugal um troféu há muito desejado, mas nunca alcançado. Com carreira feita principalmente no universo do jazz, Salvador Sobral acaba por se tornar uma estrela com o tema que o levou à vitória histórica alcançada em 2017, fazendo com que a sua carreira siga agora um percurso algo dúbio, mas nem por isso menos interessante.

O EDPCoolJazz regressou este ano a Cascais, para aí aproveitar as potencialidades do Parque Marechal Carmona, jardim lindíssimo e que oferece um ambiente quase paradisíaco, ajudado pela forma como as estruturas do Festival foram distribuídas e pela maneira interessante como está feita a iluminação do espaço, nomeadamente as árvores à volta, enormes e bem tratadas, com cores diferentes resultantes da tal iluminação. A noite estava fresca e, apesar de estarmos no verão, poucas eram as pessoas que se atreveram a ir de manga curta. O espaço estava muito bem composto e foi o apropriado para a música que aí vinha.

Para abrir o serão, tivemos o angolano Toty Sa’Med, por quem Salvador Sobral tem uma grande admiração, daí também o convite para abrir o palco principal, que se apresenta sozinho em cena e só acompanhado pelas suas guitarras, uma elétrica e uma outra acústica, tendo esta sido a mais usada durante o espetáculo, já que a mesma serviu também de instrumento de percussão, gravando assim várias camadas de ritmos para que fossem lançadas em loop. Os cerca de quarenta e cinco minutos de espetáculo foram uma espécie de viagem por aquela que é a cultura e as sonoridades de Angola. Foram interpretados temas de Ingombota, o seu EP de 2016, do também angolano Bonga e músicas feitas em conjunto com Sara Tavares, não se esquecendo de dedicar um dos temas da noite a Nelson Mandela, nascido, fez precisamente neste dia, há 100 anos. Notou-se sempre que grande parte do público não era propriamente conhecedor do trabalho de Toty Sa’Med, mas a sua simpatia, sempre muito comunicativo, a voz delicada e límpida e as guitarras a servirem de acompanhamento, fizeram com que todos estivessem totalmente concentrados no que se passava em palco.

Um pequeno intervalo e surge Salvador Sobral e a sua banda, formada por Júlio Resende no piano, André Rosinha no contrabaixo e Bruno Pedroso na bateria, para além de um convidado especial – se era para tocar os standards de jazz então era preciso um saxofonista –, Ricardo Toscano. Desde o primeiro segundo que se destacou a qualidade dos músicos e a extraordinária voz de Salvador Sobral. Mas também se revela uma outra coisa em relação ao vencedor do Festival Eurovisão 2017, o seu sentido de humor, que é fantástico, para além de ser do mais genuíno e puro que possa existir. O frio foi uma das “vítimas” do seu humor, afirmando a dado momento qualquer coisa como “vocês pagaram para vir ter frio”. Salvador Sobral está à vontade em cima do palco, por vezes senta-se numa cadeira lá colocada para o efeito, outras vezes coloca-se um pouco de lado para deixar os seus músicos brilhar. A dado momento, pergunta quem lá tinha estado na vez anterior em que esteve naquele Festival, mais precisamente em 2016 com a The Cinematic Orchestra, e antes de se ter tornado numa estrela nacional.

Tal como lhe tinham pedido, este foi um espetáculo diferente daquilo que tem andado a fazer. Assim, Salvador Sobral apresentou um repertório baseado naquelas que são as suas grandes referências musicais: os standards de jazz e as sonoridades oriundas da América Latina. Mas também não faltaram as canções que o lançaram para o estrelato.

Ao longo da hora e meia de concerto, Salvador Sobral foi chamando convidados para se juntarem a si e contando diversas e divertidas histórias. Uma delas, e que serviu de mote para a chamada de um desses convidados, passou-se enquanto esteve internado no hospital, em que num dos dias a sua irmã, Luísa Sobral, apareceu junto de si e lhe mostrou um vídeo de um dos concorrentes do programa de televisão “Factor X”, era ele Tiago Nacarato, que o surpreendeu no vídeo e que depois conheceu pessoalmente, e desta forma chamou-o ao palco para se juntar a ele. No encore, foi a vez de Janeiro, participante no Festival da Canção deste ano, a juntar-se a Salvador Sobral, que aproveitou para partilhar que tinha uma enorme admiração pelo ar despreocupado de Janeiro e que neste dia tinha chegado com duas horas e meia de atraso ao soundcheck e que se tinha esquecido do amplificador. Tudo contado com a maior das descontrações. O público quase sempre reagia com risos àquilo que ia ouvindo. Destaque também pela forma habilidosa como Salvador Sobral imita o som de uma trompete. Fechando os olhos, fica a dúvida se não será mesmo um instrumento real.

Como esperado, “Amar pelos Dois”, numa versão mais próxima do universo do jazz, foi o tema mais esperado e mais bem recebido da noite, acompanhado em coro pelo público durante toda canção. De qualquer forma, é de salientar que depois da interpretação do tema que lançou Salvador Sobral para o estrelato, ninguém se foi embora e todos se mantiveram concentrados no concerto do artista português até ao último segundo. Outro tema conhecido do seu repertório a ser interpretado, neste caso o último antes do único encore da noite, foi “Mano a Mano”.

Salvador Sobral tem indubitavelmente a sua carreira marcada pelo sucesso que fez com “Amar pelos Dois”. Alguém que se dedica ao jazz, e com isso sabendo que nunca será popular, de repente levar com aquele furacão que foi vencer a Eurovisão, e dessa forma ficar famoso, levou a que tivesse que repensar tudo aquilo que queria da música. Decidiu então por continuar a fazer o que mais gosta e à sua maneira, não cedendo a certas e determinadas tentações. Mas ao mesmo tempo, sabe que as pessoas estão ali, em parte, pela canção que o tornou conhecido e assim não a deixa de a interpretar, mesmo que levando-a para um contexto mais jazzístico, tendo a coragem de não a deixar para o final do espetáculo. O público fica assim satisfeito, mas ao mesmo tempo vê com atenção até ao fim um concerto do Salvador Sobral, já que estamos perante um extraordinário intérprete, acompanhado por músicos de enormíssima qualidade.

Texto – João Catarino
Fotografia – EDPCoolJazz
Evento – EDPCoolJazz’18