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Filho da Mãe no Teatro Maria Matos… ou na sala de estar de sua casa

Rui Carvalho, mais conhecido nestas andanças por Filho da Mãe, deu início esta terça-feira, dia 8 de maio, à digressão de promoção de Água-Má, o seu quarto disco, editado este mês, com um concerto no Teatro Maria Matos em Lisboa, um espaço que muito diz a este autêntico mestre da guitarra clássica.

Uma hora antes do início do concerto, arranjar um lugar para estacionar nas imediações do Teatro Maria Matos é quase tão difícil como encontrar uma agulha no palheiro, isto apesar de o cinema King já não funcionar há algum tempo. Com algum desespero à mistura, acaba-se por deixar o carro a uma distância considerável do local onde iríamos ver e ouvir Filho da Mãe apresentar o seu mais recente trabalho. O esforço de percorrer a tal distância é compensado por Lisboa nos oferecer uma noite com condições atmosféricas bem agradáveis.

Em noite de primeira semifinal do Festival Eurovisão da Canção 2018, que este ano decorre na Altice Arena em Lisboa, nem todas as atenções musicais lisboetas estiveram centradas no que se passava no Parque das Nações, isto porque quando Filho da Mãe entrou em cena, encontrou uma plateia muito bem preenchida, com pessoas, inclusive, no segundo balcão.

Quando entrámos na sala de espetáculos do Teatro Maria Matos e olhámos para o palco, lembrámo-nos do que eram os concertos de Bob Dylan em 1965, em que estes estavam reduzidos a um palco preenchido com a guitarra e um único holofote apontado para ela. Passados mais de cinquenta anos, ainda há quem ache que basta isso para transmitir a essência da sua música, o que não deixa de parecer muito bem. No fundo, há lugar para as mais diversas formas de transmitir a música que se faz.

Passava pouco das 22h quando Filho da Mãe entrou em cena. Ao seu dispor tinha duas guitarras clássicas, com as quais foi tocando a set-list preparada, com destaque para o seu mais recente disco. O som estava excelente e bem apurado. Filho da Mãe estava nervoso no início, mas aos poucos foi ganhando confiança e as coisas foram saindo cada vez mais naturalmente. A sua técnica na guitarra clássica é apuradíssima e até temos dificuldades em acompanhar com os olhos a rapidez dos seus dedos a saltar de traste para traste. Em cada música interpretada são muitas as notas tocadas. Filho da Mãe vai ficando cada vez mais solto e isso vai fazendo com que venha ao de cima o seu sentido de humor. No fundo, a partir de dado momento mais parece que estamos na sala de estar de sua casa a ouvi-lo a tocar, tanta a proximidade que se consegue criar na sua relação com o público presente. Mas apesar desta aproximação, a realidade é que ao mesmo tempo a sua música consegue preencher por completo um espaço que talvez seja grande demais para uma música tão intimista. A verdade é que Filho da Mãe consegue com uma guitarra criar uma sonoridade que mais parece uma parede sonora elaborada por mais do que um instrumento. Isto porque o que é tocado na guitarra é captado por duas vias, em que um dos microfones apanha diretamente o som limpo e genuíno proveniente da guitarra e um segundo capta o que vai saindo de um pequeno amplificador localizado ao fundo do palco e em que o que de lá sai passa antes por uma série de pedais de efeitos, verificando-se também o uso de loops. Assim, os dois sinais captados em simultâneo conseguem criar um efeito bastante interessante, que enche por completo qualquer espaço. A juntar a tudo isso, temos alguém que está em cena de uma forma descontraída, como se estivesse na cozinha, ou noutra divisão, da sua residência, mas que ao mesmo tempo se envolve, e de que maneira, com o que vai fazendo com as cordas da guitarra.

Ao longo de uma hora e tal, Filho da Mãe foi desfilando o seu reportório, fazendo pelo meio várias referências à poncha – bebida tradicional da Madeira, local que muito marcou a elaboração de Água-Má – e ao facto do Teatro Maria Matos ter sido concessionado a privados, deixando de ser o que foi nos últimos tempos, nomeadamente para ele, que por várias vezes por ali passou. Assim, foi inevitável o agradecimento às pessoas que têm trabalhado naquela casa e que sempre o receberam da melhor forma.

Como referiu Filho da Mãe, esta era a segunda vez que tocava Água-Má, mas como na primeira estava cheio de poncha, então esta noite no Maria Matos é que foi, de facto, a primeira. Ao longo do espetáculo, o público revelou-se sempre atento e concentrado, fazendo com que os telemóveis praticamente estivessem ausentes, o que nos leva a pensar que há esperança no futuro e que poderemos voltar aos tempos em que durante um concerto nos focávamos por completo no que se passava em palco. Ontem, foi dessa forma que o público se comportou e no entanto ninguém deve ter saído chateado por não ter recorrido ao telemóvel.

Nos intervalos entre as canções, os aplausos, e alguns gritos, que se ouviam significavam que as pessoas estavam a gostar do que viam e, acima de tudo, do que ouviam. Assim, perante tanto entusiasmo da plateia, Filho da Mãe foi “obrigado” a fazer dois encores, o segundo dos quais marcado pelo já falado seu sentido de humor apurado, em que enquanto ia tocando ao mesmo tempo ia pedindo às pessoas para irem saindo, pedindo inclusive que acendessem as luzes da sala. Mas o público não queria ir embora, estava ali muito bem na sua companhia e da sua música.

No final, sentimos que as nossas expetativas foram superadas. Antes, achávamos que o concerto seria simplesmente alguém em cima do palco a tocar guitarra, mas Filho da Mãe consegue criar uma dinâmica e uma identidade muito própria, fazendo, como já foi dito, com que um espaço grande se reduza à sala de estar de sua casa, ajudado pelo seu sentido de humor, que vai aparecendo ao longo do espetáculo, conforme o nervosismo vai desaparecendo, e a tal solução técnica de captação a dobrar do som da guitarra que faz com que a sua música se torne muito mais complexa do que se fosse simplesmente registada só pelo som direto saído de uma guitarra com estas caraterísticas. Ao mesmo tempo, somos levados a pensar que tanto talento e técnica poderiam ser mais reconhecidos pelo grande público caso a sua música não fosse toda tão abstrata e tivesse aqui e ali alguns tiros mais certeiros no que a melodias que estram no ouvido diz respeito.

A digressão de Água-Má arrancou assim da melhor forma, com casa cheia e um público que no final se encontrava bem satisfeito e preenchido com o que tinha assistido.

Texto – João Catarino
Fotografia – Vera Marmelo | Teatro Maria Matos