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Protomartyr, a atracção do abismo

Os americanos oriundos de Detroit, Protomartyr estrearam-se num palco lisboeta na passada quinta-feira à noite, num Musicbox completamente cheio e devoto. A estreia em palcos portugueses aconteceu em 2016 no Primavera Sound.

Os Protomartyr são um daqueles casos de singularidade despropositada. Podemos tentar, enquanto ouvimos apenas os discos, mas depois de os ver ao vivo entendemos que qualquer tentativa de colocar os Protomartyr em determinada gaveta ou espectro é vã e vazia. Tem uma identidade e uma linha tão perto de tanta coisa mas ao mesmo tempo com um cunho pessoal tão vincado que a distância se torna tangível.

Um concerto em grande parte dedicado ao mais recente album, Relatives in Descent, mas com profundas incursões a Under Color of Official Right como em I Stare at Floors.

Assustadoramente incisivo e cortante Casey, rodeado de garrafas de cerveja, uma mesa no palco para pousar copos e garrafas que por ali andam. Um palco e uma actuação a entrar num espectro à David Linch.

A voz de Casey incomoda. Na verdade não é a voz é o que diz e como o diz. Parece que nos estão a deitar sal numa ferida aberta e exposta. Mas a dor que daí advém é uma daquelas dores quentes, semelhantes às dores de crescer; So don’t lean on me mancause I ain’t got nothing to give to my children” em My Children ou ainda em Windsor Hum em que precogonizam a turbulência da actualidade; The old Windsor humming, across the river, from U.S. of A. saying everythings fine”.

A guitarra a rasgar-se contra as paredes da sala, à medida que o baixo e a bateria crescem com Up The Tower até Casey vociferar “Throw him out, Throw him out, Throw him out” de forma crua e rispida contra o público, vezes sem conta.

O público rendeu-se à primeira música, e ao longo do concerto o entusiasmo apenas aumentou. O que espanta não é isso, o que espanta é uma sala cheia de gente diferente entre si nos mais diversos aspectos a partilhar aquele momento. Muitos miúdos e bastantes graúdos, todos a sentir aquele desencanto estilhaçado onde se perderam todas as ilusões mas que no entanto é puro o suficiente para nos deixar sonhar.

Houve tempo para um suporte de microfone partido de tanto ser manipulado duramente, tal como as palavras e a própria sonoridade da banda.

The Devil in His Youth, Don’t Go To Anacita ou Here is The Thing, tempo para um encore anunciado pela própria banda. Uma noite em espiral ascendente, memoravél e irrepetivél. Tal como os Protomartyr, uma banda que canta a solidão do mundo em salas cheias de gente que não quer sonhar a sós.

Texto – Isabel Maria
Fotografia – Luis Sousa