Backstage

O Sopro de Miguel da Bernarda no Coração de Brass Wires Orchestra

Nos inícios de Novembro passado, os Brass Wires Orchestra apresentaram o seu segundo disco de originais, Icarus, para um MusicBox bem composto onde finalmente desvendaram o véu do seu novo trabalho. Sendo uma das bandas que assina uma sonoridade praticamente única em Portugal, o apreço que o público português tem perante o grupo liderado por Miguel da Bernarda é tremendo, ou não tivesse sido a afluência e o espírito de felicidade que se verificaram pelo MusicBox provas do mesmo.

Para este novo disco, a banda optou por reinventar-se um pouco e por mexer na sua sonoridade para presentear os fãs com algo novo e ligeiramente diferente daquilo com que conquistou os fãs, apresentando um disco forte, consolidado, mas onde a essência dos Brass Wires Orchestra se manteve intacta.

Nas vésperas do dito concerto do MusicBox, a Música em DX teve a oportunidade de falar com Miguel da Bernarda para saber mais sobre a banda e o mistério que rondava o conto de Icarus.

Música em DX (MDX) – Houve um intervalo de tempo de três anos entre Cornerstone e o novíssimo Icarus. Existe algum motivo, em concreto, que justifique a demora?

Miguel da Bernarda – Em comparação com as outras bandas que andam por aí, acho que três anos é um período de espera normal. Quando eu sigo alguma banda e espero que lancem material novo, geralmente esses três anos é o ‘standard’. Durante este tempo, em 2015, tivemos em digressão a promover o Cornerstone, e tempo restante foi a trabalhar neste novo disco.

MDX – Ou seja, não houve necessidade da vossa parte em acelerar o processo…

Miguel da Bernarda – Sim, a ideia era essa. Claro que alguns temas já são mais antigos que outros, mas decidimos esperar para que pudéssemos lançar tudo ao mesmo tempo.

MDX – Ao longo desses três anos, entre concertos e a produção de um novo disco, houve um crescimento, por parte da banda, em termos musicais? Um desejo em expandir novos horizontes?

Miguel da Bernarda – Sim, embora ache que o objetivo da banda continue a ser o mesmo: chegar ao maior número de pessoas possível e espalhar a nossa música. Quando o primeiro disco foi lançado, nós éramos considerados como uma ‘novidade’, e isso fez com que tivéssemos em muitos sítios ao mesmo tempo.

MDX – Face àquilo que era a vossa sonoridade característica, nota-se uma grande mudança neste novo disco, estando agora mais rica e aprofundada. Isto é causa desses três anos que separam os dois discos?

Miguel da Bernarda – Nós enquanto músicos somos seres que estamos numa evolução constante em termos de gostos, do desejo em querer fazer coisas diferentes, de querer-mos presentear os fãs com algo de novo, de reinvenção e não nos estagnar-mos. Por estes motivos, esse tempo permitiu-nos desenvolver e aprofundar os nossos instrumentos; introduziram-se pedais e sintetizadores aos nossos instrumentos base para que pudessem ficar algo mais de aprofundados e com texturas novas.

MDX – Para este novo álbum, a personagem da mitologia grega Ícaro deu o nome ao disco. Existe alguma razão em concreto que justifique o porquê desta escolha?

Miguel da Bernarda – Escolhemo-lo porque, a nosso ver, corremos um risco quando quisemos alterar um pouco a nossa sonoridade. Apesar daquela que existe nas primeiras faixas ainda remontar um pouco àquilo que era feito no primeiro, as seguintes acabam por evoluir e por mudar um pouco, incluindo até uns tons algo mais electrónicos, como a “Whispers”; esta música permitiu-nos fazer realmente aquilo que nós queríamos que o disco fosse. Portanto, tal como Ícaro arriscou voar demasiado perto do sol com asas de cera, nós também arriscámos a fazer coisas diferentes que poderiam ter, como consequência, que perdêssemos ou ganhássemos fãs.

MDX – Voltando à personagem de Ícaro, este voou tão perto do sol com as suas asas de cera que estas acabaram por se derreter. No vosso caso, a proximidade do sol poderia ser interpretada como um desafio? Ou seja, que a alteração na vossa sonoridade não causasse diretamente a perda da vossa identidade.

Miguel da Bernarda – Apesar do disco ter algumas mudanças, eu sinto que a nossa identidade continua lá. Talvez um pouco mais madura e aprofundada, mas a nossa identidade permaneceu, sim. Aliás, com este disco, pode-se dizer que somos “Brass Wires Orchestra”, porque no primeiro eram inevitáveis as comparações com bandas como Mumford and Sons e Beirut, e isso ‘chateava-nos’ um bocado, porque aquilo era a nossa música e as pessoas associavam-nos sempre a essas bandas; por exemplo, uma banda de reggae não tinha necessariamente que ser comparada ao Bob Marley. Na altura, poucas eram as bandas portuguesas que faziam aquilo que tanto Mumford and Sons e Beirut assinavam, e isso fez com que nós fôssemos a única referência dentro daquele estilo.

MDX – Para este novo disco, o que é que mudou face ao processo de gravação do anterior? Isto pegando na questão de o disco ter sido gravado na HAUS…

Miguel da Bernarda – Na verdade, só o sítio é que mudou porque as pessoas que gravaram o primeiro disco connosco foram as mesmas que gravaram este segundo: o Makoto e o Fábio Javelim (PAUS, Riding Pânico). Na altura, eles trabalhavam na Black Sheep e agora estão na HAUS. Já o processo de criação em si foi basicamente o mesmo: as canções vinham da minha parte e posteriormente recebiam o arranjo por parte de toda a banda. Houve um ou outro tema que foram compostos do zero por todos nós, o que é raro, mas que deu resultados bastante interessantes, como foi o caso da “Youth” que foi feita em conjunto. Nós entrámos no estúdio com uma ideia muito clara daquilo que pretendíamos, isto em comparação com o primeiro, de se fazer o melhor que conseguíssemos, de ter todos os elementos que nos propusemos a ter – cordas, tábuas indianas, percussões diferentes, arranjos de sopros – e ficámos cheios de orgulho ao ver que conseguimos fazer tudo aquilo que nos propusemos antes de entrar em estúdio.

MDX – Devido aos registos que têm nas suas bandas, houve alguma influência do Makoto ou do Fábio na produção do disco, em termos de sonoridade? Na “Whispers”, por exemplo.

Miguel da Bernarda – Curiosamente não. Eu estava a ouvir coisas mais direcionada para esses lados, com mais guitarras, e a música foi começar a ir mais para esse lado, algo mais no género de Grizzly Bear e de The Maccabees, sem grande influência deles.

MDX – O alinhamento da banda alterou-se para este novo disco face ao primeiro. Que diferenças trouxe?

Miguel da Bernarda – Os instrumentos mantiveram-se, mas houve alguns músicos diferentes: o Gui (Guilherme Salgueiro, teclista) foi uma parte importante do processe criativo do disco. Tivemos também um novo baixista e baterista (André Silva) connosco a gravar. Como eram pessoas que já conhecíamos, como foi o caso do André que era nosso amigo, não se sentiram grandes diferenças, aliás, tudo acabou por se tornar muito fácil.

MDX – Tendo sido tu que teve a ideia de quase todas as músicas do disco, houve a inclusão, da tua parte, de alguma mensagem ou de uma temática?

Miguel da Bernarda – Não uma temática que fosse um fio condutor, porque há músicas que falam sobre coisas distintas. Eu tento passar, através das minhas canções e das minhas letras, conclusões ou histórias que crio para que as pessoas façam um ‘click’ e interpretem aquilo de alguma forma. Tento sempre não criar letras que não tenham qualquer tipo de moral ou de história, sem mensagem.

MDX – Falando em particular na “Youth”, mesmo apesar de ter sido feita por toda a banda, que fala sobre o abuso da tecnologia e das redes sociais, esta mensagem surgiu da tua parte?

Miguel da Bernarda – Quando eu me sentei para começar a compor a melodia e a letra, fez-se uma luz qualquer na minha cabeça que me indicou para esse caminho. A nível pessoal, eu sentia-me viciado no meu telefone ao ponto de ter entrado num período em que deixei de ter telefone, uma desintoxicação, e eu quis falar sobre essa experiência em específico. Dentro deste disco, esta é a música que tem uma mensagem mais clara, mais óbvia. Todavia, a escolha para a tornar no nosso primeiro single não partiu pela mensagem em si, mas pela melodia que pairava pela música. Víamo-la como uma canção que resumia perfeitamente o disco: o cruzamento entre a sonoridade antiga e a nova. Quando estávamos a compor a música, sabíamos logo que aquela seria o primeiro single do disco, porque aquilo começou logo a soar a algo de diferente e único.

MDX – Poderá este novo disco ser visto como uma ‘catapulta’ que tem o objetivo de vos levar à conquista do panorama musical internacional?

Miguel da Bernarda – Obviamente que nós pensamos nessa questão e temos como objetivo tocar lá fora, e o facto de cantarmos em inglês poderá ajudar-nos em entrar nos circuitos internacionais, visto que consideramos que o nosso produto pode ser bem aceite. Contudo, nesta questão, há muita burocracia, ou seja, é necessário conhecer as pessoas certas para que te ajudem a meter nos circuitos lá fora, e esta é a questão que menos me agrada neste ‘mundo’. Não há nenhuma banda, em Portugal, que esteja a tocar fora com o tipo de música que os Brass Wires Orchestra fazem, e isso faz com que não tenhamos alguém a quem nos direcionarmos para nos ajudar com essa questão. Estamos ainda a tentar perceber como fazer isso.

MDX – Consideram que a vossa música é de fácil apreço e escuta? Ou seja, que conseguem alcançar grandes multidões devido à forma como a vossa música consegue induzir estado de felicidade?

Miguel da Bernarda – Esse espírito de despertar felicidade nas pessoas partia um pouco da nossa ingenuidade de estarmos num projeto há relativamente pouco tempo. Neste momento, ainda nos dá muito prazer fazer as coisas, mas queremos ter uma abordagem algo mais séria neste disco, ou seja, não tão brincalhona. Eu por vezes sentia que era pouco profissional a forma como estávamos em palco, e com este disco há o desejo de não ser tão ‘palhacinhos’ ao vivo, pois antes havia momentos em que estávamos todos a falar uns com os outros em palco e a mandar piadas uns aos outros, acabando por ser um desgoverno. Relativamente ao público, nós temos sempre um enorme prazer de falar com as pessoas, muitas destas que nos dão elogios incríveis; houve uma senhora que uma vez contou-me que uma das nossa músicas, a “Finders Keepers”, tinha sido a música da gravidez dela e que a acompanhou durante todo esse processo, que a marcou durante todo este tempo, e para mim ouvir isto é simplesmente incrível. Depois de um concerto, é usual ficarmos no fim a falar com as pessoas, a assinar discos e afins, e adoramos este tipo de contacto. Esse é um dos nossos objetivos: fazer coisas que sejam marcantes.

E marcante foi também o concerto que os Brass Wires Orchestra assinaram no MusicBox, onde a Música em DX fez também questão de marcar presença. Deixamos aqui o link para que possam rever como correu a apresentação de Icarus.

Entrevista – Nuno Fernandes