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O Caloroso Sopro de Brass Wires Orchestra

Longe vão os tempos em que os Brass Wires Orchestra, sexteto de folk lisboeta, eram conhecidos como aquele grupo que se dedicava a fazer versões de Mumford and Sons e Beirut pelo Miradouro do Adamastor, na capital. Seis anos depois, com um aplaudido disco de estreia pelo meio, com “Tears of Liberty” a dar som a múltiplas campanhas de publicidade da (agora) extinta Optimus, a banda regressou aos palcos para apresentar o seu segundo trabalho de originais, de nome Icarus, a um MusicBox completamente cheio.

Três anos separam o novo disco do estreante Cornerstone, mas não é só de tempo que se fazem as mudanças entre ambos os trabalhos: se no primeiro o folk acústico era a sonoridade dominante, para o mais recente lançamento a coisa muda de figura para dar cedência a um registo mais orientado para o indie rock. Todavia, é irrefutável que a sensação calorosa e de aconchego do primeiro disco tenha transitado para o seu sucessor, tarefa árdua mas bem alcançada por parte dos Brass Wires Orchestra. Não tão complicada foi a de aquecer o coração da enchente que se registou no MusicBox onde, novamente, a banda foi carimbada com selo de aprovação.

Numa friorenta noite de Novembro, onde Icarus seria naturalmente o protagonista da noite, os Brass Wires Orchestra tiveram a noite e o palco do MusicBox só para si, assim como o público, mas já lá chegaremos. Logo de rompante, salta à vista a composição do palco, estruturada de forma a conseguir acolher os sete músicos do grupo: entre cordas, teclados, bateria, um baixo e três instrumentos de sopro, instrumentos capazes de recriar a magia dos temas da banda não iria faltar.

Pouco passava das 22h30 quando as luzes da sala se apagam para ceder a luz aos Brass Wires Orchestra. Sem rodeios e diretos ao assunto, a banda atira-se logo de cabeça com “Oxygen”, “Coup de Pied” e “Trust”, curiosamente, as três primeiras canções que também fazem parte do alinhamento do disco. E verdade seja dita que pouca diferença se notou entre o trabalho de estúdio e o ao vivo, com as canções a assemelharem-se a réplicas exatas do registo físico. A opção de a banda tocar três temas de rajada, sem interrupções pelo meio, mostra a sublimidade na composição do disco, com os três temas a comporem-se de forma tão natural que mais parecem fazer parte de um só.

No primeiro momento em que se dirigem ao palco, é notória a forma como dá para ver que a banda estava rodeada de amigos, conhecidos e fãs tanto de longa data como mais recentes, com as palmas que antecederam o primeiro contacto entre ambas as partes a prová-lo. Visivelmente satisfeitos por terem, pela terceira vez, enchido a sala que é o MusicBox, confessam-se orgulhosos pelo resultado de Icarus e, depois de um longo processo de gravação e posterior lançamento, felizes por finalmente conseguirem mostrar ao seu fiel público o resultado destes árduos meses de trabalho.

O concerto estava próximo de alcançar a sua primeira metade e facilmente era notável que o trabalho da banda estava a colher todos os merecidos frutos: a banda expandiu os seus horizontes, abandonado o seu registo prévio quase inteiramente folk para abraçar todo um novo leque de sonoridades, enriquecendo, ao mesmo tempo, a sua versatilidade enquanto banda. Todavia, apesar desta ‘evolução’, da partida face ao novo, os Brass Wires Orchestra têm ainda proeza de manter o seu cunho pessoal – a presença de instrumentos de sopro e de um banjo são os elementos mais característicos – nesta nova sonoridade, continuando a impor-se como uma das bandas mais únicas a atuar no atual panorama musical português.

Para uma noite repleta de amizades e de caras conhecidas, houve ainda tempo de os Brass Wires Orchestra contarem com a presença de (ilustres) convidados para dar vida a dois temas, um de cada disco da banda: para “Wash My Soul”, Ana Bacalhau juntou-se a Miguel da Bernarda para um dueto de cortar a respiração, impulsionando uma música que só por si já era bonita para algo num patamar completamente diferente; seguindo o registo do anormal, houve tempo para o rapper NBC fazer uma perninha em “Icarus”, espalhando versos atrás de versos que, surpreendentemente, não soaram contextualizado perante o conflito de estilos entre os dois artistas. Houve ainda tempo para recordar quem já partiu através de uma homenagem a um fã, um amigo, um admirador da banda que já não se encontra presente entre nós, com “The Proposal” a ser dedicado ao mesmo, num momento tão emocional que deixou tanto Miguel como Afonso Lagarto visivelmente emocionados.

Já perto do término do concerto, ecoou pela banda aquele que é bem capaz de ser o tema mais forte de Icarus, o excelente “Whispers”, música forte que foge ao registo de tudo o que a banda já compôs até ao momento, e é mesmo na sua diferença que reside a beleza e a magnificência deste outlier, contando ainda com um excelente arranjo de sopros para esta interpretação ao vivo. O aconchego nas sonoridades de Brass Wires Orchestra deu-se, pela primeira vez, para muitos dos seus fãs, ao som de “Tears Of Liberty”, um tema que consegue demonstrar facilmente como é que uma música tem a capacidade de transmitir sensações de felicidade, com o público a esboçar sorrisos genuínos de felicidade perante toda a sala.

Entre agradecimentos e palavras carinhosas, os Brass Wires Orchestra despediam-se do público com a sensação de um duplo dever cumprido: o de apresentar, de forma irrepreensível, um novo disco ao vivo que deixou o público de água na boca, assim como o de preencher as almas desses contagiadas de felicidade e de emoção. Bravo rapazes, bravo!

 

Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – João Rebelo