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Swans, Todos os índios fossem cisnes!

Podemos focar-nos em duas imagéticas distintas que, no fundo, nos podem trazer o mesmo sentimento? Claro que podemos! Podemos não só fazê-lo visualmente como sensorialmente. Em concreto solicitaria ao leitor que se imaginasse no meio de um ritual de uma tribo quase primata de índios, no escuro, de volta de uma fogueira com sombras distorcidas e uivos de lobo. No outro lado da mente estaria um lago pintado de um azul transparente no meio de um campo verde onde flutuam pacífica e tranquilamente cisnes de penas o mais branco e sedoso possível. Foi no centro destas duas imagens que nos situámos e nos deixámos levar, sem qualquer fio condutor durante uma vaga quente de 2h30 de duração.

No passado dia 9, começámos a semana com um sentimento agridoce de despedida e, ao mesmo tempo, aconchegante de uma das mais carismáticas bandas de noise rock e rock experimental dos últimos tempos, falo de Swans e a sua despedida na sala Lisboa ao Vivo.

A abrir o espectáculo, a estranha Baby Dee e seu sobrinho. Uma dupla desconcertante de voz, acordeão e guitarra acústica. Poderia dizer que estava defronte para uma peça cantada de Tim Burton com Baby Dee como foco central. A sua música, estilo storytelling com voz de cabaret trazia-nos algo melancólico e meio perturbador.

Ressuscitados por Michael Gira em 2010, os Swans regressaram aos palcos para conduzir as pessoas a um estado de transe profundo de onde podem resultar descobertas mentais emparelhadas com o contorcer do corpo. Em 2017, declaram um novo final e, nesta noite, assistimos aquele que será o último concerto da banda em Portugal.

A primeira hora de concerto trouxe-nos algo perturbadamente bom. A variedade de graus de intensidade, subidas de tom, aumento de fuzz e distorções complexas guiou-nos por viagens densas e demasiado profundas ao cerne de um desassossego profundo em fase de transe. O chão tremia à medida que o corpo dos instrumentos respirava fundo e as cordas sugavam-nos para dentro de uma teia e brincava connosco tal aranha faminta. O trabalho de Noman na Lap Steel Guitar era de tal grandeza que nos contorcia o olhar e os ouvidos fazendo-nos perder o norte. Quando aparecia a voz de Michael a fogueira acendia-se e nós levitávamos tal almas leves e despidas de tudo.

As ondas que subiam do chão pelos pés e se espalhavam pelo corpo criavam uma inércia densa onde o físico desaparecia e era apenas na mente que residiam as paisagens e a limpeza de espírito. Sempre que nos sentíamos confortáveis em algum grau de intensidade que perdurava, algo explodia nas nossas mentes e o instrumental rebentava tal intempérie dentro de nós, fazendo com que as paredes tremessem e nos sentíssemos dentro de uma vaga gigante capaz de devastar uma cidade inteira. Diante de nós, caminhos confusos com degraus de insanidade e flashes de perturbação criando um loop de magnetismo diante de uma dança da lua comandada pelas mãos de Michael. Por momentos, tínhamos a sensação que o crânio ia rachar ao meio e desfazer-se em pedacinhos por não pararmos de encher o peito e o corpo de ar.

Em diversos momentos perdemo-nos de nós próprios e, de olhos fechados, fomos guiados a uma transcendência que só o transe consegue igualar. Entre explosões mentais e a genialidade instrumental que nos entrava por cada poro do corpo, perdemo-nos por diversas vezes, em sensações cósmicas que, talvez, não vamos encontrar noutros refúgios. A densidade estrutural que nos fora apresentada nesta noite deixa marcas em qualquer corpo e mente. Será uma perda grande o fim destes cisnes imaculados de poder que nos proporcionaram uma bela dança em frente à fogueira.

A melhor coisa que trazemos da música ao vivo é a surpresa. Foi o meu primeiro e, quiçá, último concerto de Swans e nunca eu estava a espera de encontrar a bolha gigante de poder e intensidade que encontrei e onde me perdi. Pudessem todas as semanas começar assim e seríamos todos mais alegres.

 

Texto – Eliana Berto
Fotografia – Daniel Jesus
Promotor – Amplificasom | UGURU