Backstage

As linhas evolutivas dos Evols

Num festival tão deslumbrante como o NOS Primavera Sound, que decorreu na bela cidade que o Porto é, era necessário ter uma banda da ‘casa’ que conseguisse reproduzir, em formato musical, todo o esplendor que reside na cidade Invicta. Para tal, os Evols foram a banda convocada para levar a cabo tal tarefa, sendo a única banda portuguesa a constar do alinhamento do Palco NOS do festival.

Carlos Lobo, França Gomes, Vítor Santos, Jorge Queima e Rafael Ferreira constituíam os Evols, banda portuense que reúne elementos de shoegaze e rock psicadélico na sua sonoridade de forma tão natural que parece mesmo que este emparelhamento estava destinado a acontecer. Desde 2010 que o quinteto tem andado a mostrar o ar de sua graça, embora recentemente tenham recrutado tanto o Jorge (Torto) como o Rafael (Glockenwise) para as suas maravilhas sonoras, estando o terceiro disco da banda a meros meses de se tornar uma realidade.

No NOS Primavera Sound, mais concretamente no segundo dia do festival, a Música em DX teve a oportunidade de estar um pouco à conversa com o Rafael Ferreira. Apesar de toda a correria típica que um festival acata, a amabilidade do baixista que reparte deveres com os Evols e os também nortenhos Glockenwise permitiu abstrair-nos um pouco do ambiente que nos rodeava, proporcionando-nos uma conversa que poderia ter demorado eternidades sem nunca perder interesse. Entre reminiscências de tempos de festivaleiros e umas quantas gargalhadas, Rafael contou-nos um pouco sobre o próximo disco dos Evols, a mística que paira pela banda e as expectativas do concerto que iria abrir as hostilidades do palco NOS no dia seguinte.

Música em DX (MDX) – Os Evols serão a única banda portuguesa a constar do alinhamento do palco NOS desta edição do NOS Primavera Sound. Como é que te sentes em relação a tal facto?

Rafael Ferreira – Quando falo do Primavera, é aquele festival em que não consigo destacar um único palco como sendo o ‘principal’. Acho que o festival faz muito bem em distribuir todos os artistas ao longo dos seus quatro palcos, o que proporciona sempre concertos muito interessantes para se ver. Venho cá já há três anos, onde num até tive a oportunidade de cá tocar, em 2013, e enquanto fã estava constantemente a fazer escolhas sobre quais os concertos que eu iria ver, como Blur ou Hot Snakes.

MDX – Achas que há um sentimento de pressão acrescida ao facto de serem o único nome português no meio de tantos artistas internacionais a subirem naquele palco?

R.F. – Sendo eu o único aqui representado, vou falar por mim, visto que cada um de nós tem a sua própria opinião; no meu caso, eu levo sempre as coisas da mesma maneira, ou seja, a responsabilidade que eu sinto é de fazer as coisas sempre bem, independentemente de onde seja. Claro que tocar neste festival é muito diferente do que se fosse numa mais pequena, mas a responsabilidade, a meu ver, é sempre a mesma.

MDX – Estando os Evols habituados a concertos mais fechados e intimistas, há um receio de que a vossa sonoridade se possa perder um pouco face às dimensões do palco onde irão atuar?

R.F. – Mesmo estando nos Evols há qualquer coisa como ano e meio, sei que não é hábito da banda aventurar-se por este circuito de ‘festivais grandes’; estamos habituados a tocar para menos gente e sentimo-nos muito mais confortáveis nessas situações. Todavia, há uma grande expectativa de ver como é que a coisa de vai desenrolar.

MDX – Não sendo tu um membro dos Evols nessa altura, a verdade é que a banda estreou-se com o seu primeiro disco em 2010 e só passados cinco anos é que lançaram o segundo trabalho de originais…

R.F. –  Sim, podemos dizer que é o nosso Chinese Democracy, dos Guns N’ Roses (risos). Como mencionaste, por eu ainda não fazer parte da banda, acho que os outros membros saberiam dar-te uma resposta mais esclarecedora sobre o sucedido, mas o que acabou por acontecer foi que os Evols decidiram que deveriam levar esse tempo.

MDX – Poder-se-ia dizer, então, que houve uma espécie de desafio intrínseco, dentro do seio da banda, em produzir um disco que conseguisse superar o vosso primeiro álbum?

R.F. –  É uma possibilidade que explicaria o porquê da demora, de facto, mas acho que no final, o que acabou mesmo por acontecer foi que o trabalho que rondou o disco foi passando e alongando-se; quando se deu conta, já tinham então passado os cinco anos (risos).

MDX – Chegou a haver alguma contribuição, da tua parte, nesse álbum?

R.F. – Não, quando entrei na banda, o disco já tinha sido lançado. Atualmente, estamos a afinar o terceiro e aí sim já há a colaboração da minha parte. Comparativamente com o segundo, este novo disco teve um processo de gravação muito mais rápido.

MDX – No primeiro disco de Evols, é notória a sonoridade shoegazing existente na banda, assim como a forma como o tentaram implementar em Portugal. Todavia, na sua continuação, vocês abordaram uma postura muito mais orientada para o psicadélico, mesmo que não tenham perdido a vossa identidade inicial. Será que foi essa longa demora em lançar o segundo disco que vos levou a que experimentassem outras sonoridades, ao renovarem-se mas ao mesmo tempo mostrar consistência da vossa parte?

R.F. – A minha posição para falar sobre esse assunto é um pouco mais confortável, visto que eu não participei na gravação do disco pois eu ainda não fazia parte da banda. Eu acho, sem dúvida alguma, que o primeiro álbum é um disco de shoegaze, enquanto o segundo reúne outros elementos, se calhar mais pop, mais ‘comuns’, e há uma mistura bastante coerente entre ambos os discos. Agora para o terceiro disco, que já conta com a minha participação, posso dizer que se trata de uma espécie de ‘somar’ das matrizes existentes em cada um deles.

MDX – O vosso terceiro longa-duração já se encontra terminado?

R.F. – Não, ainda não. Os Evols são uma banda que costuma gravar em casa, o que leva a que as coisas aconteçam a um ritmo mais pessoal, pausado e não tanto ‘forçado’.

MDX – Mas têm uma data prevista para o seu lançamento?

R.F. – No final do ano. Estamos, então, a falar de dois anos que o separam do segundo, uma diferença mais normal, digamos (risos).

MDX – Atualmente, os Evols contam contigo e com o Jorge (Queijo), com cada um de vós a ser originários de outras bandas, sendo elas os Glockenwise e os Torto, respetivamente.

R.F. – Sim, aliás, para além dos Torto, o Jorge contribui em muitos outros projetos.

MDX – Como é que conseguem conciliar o vosso tempo entre os Evols e as vossas outras bandas?

R.F. – Para mim, é relativamente fácil. É uma questão de se fechar, primeiro, as coisas que estão pendentes e depois dedicar-nos ao resto, tratando sempre de garantir que não haja sobreposição de coisas, por exemplo, mesmo em Glockenwise, o Nuno (Rodrigues, vocalista da banda) também tem a sua agenda própria com Duquesa, e mesmo com este acumular de tarefas nunca houve um problema de tempo; quando uma data está fechada, está fechada.

MDX – Pessoalmente, considero que tanto Glockenwise como Duquesa têm uma sonoridade muito semelhante…

R.F. – Sim, completamente, aliás, acho que no fundo acabam por se complementar. Estão dentro do mesmo género e isso acaba por ser uma consequência benéfica.

MDX – Sendo tu parte de um projeto caracterizado pela sua sonoridade garage rock, achas que podes influenciar, de algum modo, a essência existente em Evols com base nos caminhos delineados por ti em Glockenwise?

R.F. – Eu acho que sim, porque essas coisas acabam sempre por acontecer mesmo que seja de forma involuntária: quando tu estás a tocar com alguém, passas sempre um pouco da tua ‘essência’ e da pessoa que és para a banda, chega a ser mesmo um pouco incontrolável. Aliás, nem me iria sentir muito confortável ao tocar numa banda onde eu não pudesse introduzir nada daquilo eu acho, penso ou sinto. Atenção que, com isto, eu não quero dizer que os Evols agora vão se tornar uma banda de garage rock, nem é esse o objetivo; a banda não vai tanto buscar os elementos musicais, mas sim outros aspetos como a postura ou a sensação de frescura – eu sou muito mais novo do que eles – e há todo um conjunto de coisas que acabam por ser absorvidas num processo que eu diria como inevitável.

MDX – Pegando então nesses ares frescos que introduziste na banda, será possível esperar-se uma nova ‘vida’ na sonoridade dos Evols, de forma a reinventarem-se constantemente e não caírem em banalidade?

R.F. – Sim, completamente. Nesse aspeto, eu partilho da mesma opinião do que os meus colegas, com tentativas da minha em fazer coisas sempre diferentes daquelas que eu fiz anteriormente, para eu não ficar preso a uma zona de conforto; não é pelas coisas terem corrido bem uma vez que eu tenho obrigatoriamente de me cingir aquele trajeto. A história em si prova um pouco esta linha de pensamento, com todas as bandas que se manterão sempre inalteráveis a perderem-se um pouco no tempo e no contexto com o passar dos anos.

MDX – Algo que se espera nunca acontecer com os Evols, pressuponho…

R.F.: Sim, esperas tu e eu (risos).

“Father Death” é o mais recente single dos Evols, demonstrando o dito ‘somar’ de matrizes existentes em cada um dos discos da banda, mencionado pelo Rafael Ferreira, e que serve como o primeiro avanço para o terceiro disco de originais do quinteto portuense, prevendo-se como um dos trabalhos mais esperados para esta segunda metade do ano de 2017.

 

Entrevista – Nuno Fernandes