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Salvador Sobral no Centro Cultural de Belém, O Herói que Amou por Onze Milhões

No preciso momento em que Salvador Sobral ganhou o festival da Eurovisão, vitória inédita para Portugal, a procura pelos bilhetes para o concerto do cantor dispararam por completo, desencadeando uma data extra – na qual a Música em DX teve o prazer de estar presente – que, tal como na primeira, vendeu-se rapidamente como pãezinhos quentes.

Tive o prazer de ver o Salvador Sobral ao vivo na longínqua edição de 2014 do Vodafone Mexefest e o ano passado no EDP Cool Jazz, onde lhe coube a tarefa de abrir para os The Cinematic Orchestra e, desde cedo, era notória a paixão que nutria pela música, amando genuinamente aquilo que fazia e tentando ao máximo transmitir esse afeto e as emoções que sentia na pele, fosse a cantar ou por trás de um instrumento. Desde Abril, quando “Amar Pelos Dois” catapultou o ex-Ídolos para as luzes da ribalta, Portugal inteiro perdeu-se de encantos por este rapaz que só queria cantar, seguindo-se a Europa e posteriormente o globo inteiro.

20170703 - Concerto - Salvador Sobral @ CCB

Na segunda-feira passada, os lisboetas que tanto ansiavam pela oportunidade de ver Salvador Sobral em carne e osso chegara finalmente, com o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém a encher-se por completo para acolher aquele ‘tipo’ que colocou Portugal nas bocas do mundo desde o fatídico 13 de Maio. Faltando algo como uma hora para o concerto começar, a fila para as portas já era extensa, constituído por um público bastante heterogéneo, chegando mesmo a sair do C.C.B.; um presságio de que a noite seria de sucesso.

Numa das salas de maior renome de todo o país, é tradição que quando as luzes se apagam segue-se um voice-over que informa sobre as normas e cuidados a ter durante a duração de todo o espetáculo. Todavia, naquela noite, foi o próprio Salvador Sobral a tomar conta dessa voz para, no seu jeito brincalhão e bem-humorado, pedir às pessoas para “desligar esses aparelhos tecnológicos que têm convosco e que não tirem fotografias durante o concerto. Caso cumpram este meu pedido, eu prometo ceder-vos 20 segundos onde podem tirar todas as fotografias que quiserem”. Entre piadas que faziam meia plateia rir desalmadamente e a restante sorrir de forma sincer, os telemóveis lá que se desligaram e a noite estava prestes a seguir em frente.

20170703 - Concerto - Salvador Sobral @ CCB

Acompanhando por um sublime – atrás de um grande cantor, há sempre uma excelente banda – tripleto de músicos constituído por Júlio Resende (piano), André Rosinha (contrabaixo) e Bruno Pedroso (bateria), os quatro músicos entraram todos juntos em palco sob uma enorme chuva de palmas e upos, prontos para dar aso a uma noite que em tudo tinha para ser mágica.

Desde a sua vitória no festival da Eurovisão que o único disco de carreira do cantor, Excuse Me, ganhou finalmente o reconhecimento que merecia e foi em prol do mesmo que grande parte da noite se desenrolou sobre. Salvador Sobral é um artista inigualável, sendo este um facto dificilmente contestável: durante a sua vida, o artista tomou residência tanto nos Estados Unidos como em Espanha, o que lhe permite manusear tanto o inglês como o espanhol como se de a língua nativa se tratassem. “Change”, em inglês e “Nada Que Esperar” em espanhol, provaram-se envolventes e capazes, demonstrando que o cantor consegue se adaptar facilmente ao campo em que jogue desde que controle o esférico. E neste ‘desporto’, Salvador Sobral é um autêntico craque, fazendo incríveis malabarismos com a voz como se fosse a prática mais fácil do mundo.

20170703 - Concerto - Salvador Sobral @ CCB

No momento em que ‘Salvador Sobral’ passou a constar no vocabulário de muitos portugueses e os mais curiosos inspecionarem a sua sonoridade pós-festival, milhares foram aqueles que impulsionaram a que o estilo do jazz começasse a passar pelas rádios e a alcançar um público variado que muito provavelmente tomava o pop, a electrónica ou o indie como estilos de eleição; novamente, Salvador Sobral dá uma nova vitória a Portugal. Talvez por esta intensa pesquisa recompensadora, no preciso momento em que “Excuse Me” começa a ecoar pela sala, palmas começam a marcar o tempo dado por Júlio Resende, desencadeando os primeiros vestígios de gratidão por parte de Salvador; “antes de tudo isto acontecer, não me passava pela cabeça estar numa sala como esta a ver alguns dos meus temas passados a receberem tanta amabilidade da vossa parte. Sei que muitas das vezes pode não parecer, mas estou eternamente grato a todo o vosso carinho. Muito, muito obrigado”, confessou meio estonteado e emocionado, recebendo uma enorme salva de palmas com direito a luzes acesas.

Pondo os ritmos estonteantes e absorventes do jazz em segunda, Salvador Sobral mostrou também a sua capacidade de transmitir emoção através da música na sua veia mais minimalista, através de um simples piano, aquela sua característica que encantou meio mundo e que ainda hoje nos deixa com um sorriso apaziguador sempre que pressionamos o botão do repeat de “Amar Pelos Dois”, seja no YouTube ou no Spotify. Com o momento mais desejado da noite ainda a alguns minutos de distância, “Nem Eu” e “Presságio”, sendo esta última uma adaptação de um poema de Fernando Pessoa que nos remete para o projeto Alexander Search que partilha com Júlio Resende, mostram o encanto, a entrega, o amor que Salvador consegue colocar nas suas palavras. Por mais fora do comum que sejam os seus ‘tiques’ em palco, a verdade é que estamos perante um homem que tem tanto amor para dar e sente tanta emoção que não as consegue controlar no seu corpo e coração, com estas a ‘exigir-lhe’ que sejam transmitidas por reflexos espontâneos.

20170703 - Concerto - Salvador Sobral @ CCB

Por mais marcante que seja a presença de Salvador em palco, a verdade é que a voz do cantor representava apenas metade da sonoridade que era emitida no Grande Auditório: variadas foram as ocasiões em que o artista se distanciava do centro do palco e resguardava-se na sua escuridão para dar lugar a que a sua excelente banda de apoio tivesse o estrelato merecido, com cada um a ter direito a um solo do seu instrumento e a receber sempre uma ovação no final do mesmo. Quando Júlio Resende pede o microfone para pôr em palavras a gratidão que todos os presentes na sala sentiam por Salvador, era possível ver que estávamos perante do que apenas simples companheiros: quatro bons velhos amigos. Antes de a passagem do microfone, Salvador Sobral dá o ar de sal graça e do seu estilo descontraído quando, a gracejar, aconselha Júlio a não dizer “peido” despertando múltiplas gargalhadas vindas da plateia que ainda tinha bem recente o episódio caricato de terça-feira passada no Concerto Solidário de Pedrogão Grande.

O presságio de Julio Resende seria completado por Salvador Sobral como introdução para o momento da noite: recuando atrás no tempo para relatar a história como o tema surgiu, “Amar Pelos Dois” finalmente se faz ouvir no Centro Cultural de Belém, numa versão acompanhada por bateria e contrabaixo que, ainda assim, retêm toda a magnificência da versão original, se não mesmo mais. Convidando os presentes a juntarem-se durante o desenrolar do tema, o vencedor do festival da Eurovisão mostrou o quão belo consegue ser este clássico dos tempos modernos, independentemente se já se tenha ouvido uma, dez ou cem vezes.

20170703 - Concerto - Salvador Sobral @ CCB

Já com quase duas horas de concerto atingidas, a noite não acabaria por ali com um inevitável encore já ao virar da esquina com direito a apresentação de um novo tema, “180 Dias” a integrar o próximo disco do cantor. Relatando a história de um homem que acordou num coma e enojado pelo cenário que o rodeava, de toda a pressão que sociedade incumbia nos seus cidadãos, deseja morrer e regressar para a tranquilidade dos seus cento e oitenta desligado do mundo. De certa forma, pode-se dizer que estamos perante uma analogia do que é agora a vida de Salvador Sobral face todo o mediatismo que a vitória da Eurovisão acata, desabafo feito claro momentos antes em “Ay Amor”, outra das canções que o músico cantou em espanhol.

Para a derradeira música do concerto, Salvador apresenta-se sozinho e sentado no piano, para apresentar “aquele momento especial que concertos como este merecem” num belíssimo momento em que o cantor deu tudo de si, tocando uma belíssima medley composta por “Ninguém Escreve a Alice, de Rui Veloso, “Quando Te Vi”, da irmã mais velha Luísa Sobral, “A Case Of You” de Joni Mitchell e a já imortalizada “Amar Pelos Dois”, numa rendição tão íntima e delicada que deixou a plateia do Grande Auditório arrebatada de tanta emoção que dez minutos conseguiram causar. Com uma muito merecida ovação de pé – o tal momento dos “vinte segundos para fotografias” – os quatro músicos fizeram a vénia da praxe, um simbolismo sentido para pôr o ponto final numa noite memorável.

20170703 - Concerto - Salvador Sobral @ CCB

De um simples rapaz que só queria cantar e que encaixava 30€ por concerto nos seus tempos humildades na Braço de Prata, até ao momento em que se tornou num homem que encheu o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém em duas noites, esgotadas, e a receber, nas suas palavras, “um cachet de 10000€”, vai apenas uma música que já consta na história de Portugal. Numa só noite, Salvador Sobral foi “Amar Pelos Dois” mas acabou a amar por uma nação inteira. Hoje, amanhã e até ao final dos dias, Portugal inteiro amará Salvador em retorno por ter mostrado à Europa que o minimalismo prevalece, que uma simples canção tem o poder de mudar o mundo.

Esta foi a noite de Salvador Sobral, o novo herói de Portugal.

 

Texto – Nuno Fernandes
Fotografia – Luis Sousa
Promotor – Sons em Trânsito