20170405 - Entrevista - Moda Americana @ Cais do Sodré
Backstage

Uma Moda Americana com um (en)canto bem português

Corria o mês de Novembro quando o Vodafone Mexefest, festival de contexto único a ser feito em Portugal, juntou seis bandas ‘amadoras’ para mostrarem o ar de sua graça com o intuito de ganharem a possibilidade de tocarem num dos palcos do festival da Avenida da Liberdade. Foi nessa mesma ocasião que os Moda Americana deram se a conhecer ao grande público, arrancando um honroso terceiro lugar – feito incrível, tendo em conta o seu pouco tempo enquanto banda. Não passando despercebidos, estes seis rapazes conseguiram um acordo discográfico com a HAUS e foi em Março deste ano que o seu primeiro disco, de nome Singapura, viu a luz do dia tendo, inclusive, sido apresentado num MusicBox muito bem composto. Fruto de um casamento entre Alice (Afonso e Vítor), Grand Sun (João) e Them Flying Monkeys (Hugo e Luís), a conciliação entre todos estes artistas gera uma onda refrescante em termos de sonoridade praticada em Portugal, tudo isto liderado pela voz única do frontman Nuno Fernandes.

Numa calorosa tarde de quarta-feira, a Música em DX teve o gosto de se juntar a Nuno Fernandes (curioso nome), Hugo Luzio, Luís Judícibus e João Simões – este último a ter-se que ausentar – no Cais do Sodré. Ao sabor de umas quantas tapas e imperiais, tudo intercalado numa duradoura conversa que arrastou-se até à hora do jantar, ficámos a saber (quase) tudo sobre estes rapazes que se estão a tornar num caso sério a ter em conta para este ano de 2017.

Música em DX (MDX) – Como é que surgiram os Moda Americana?

Nuno Fernandes: Ao início, eu tinha um projeto em inglês chamado Fancy Dreaming e acabei por ir gravar para um estúdio onde gravavam os Alice. Foi assim que acabei por conhecer o Afonso Matos , tornámo-nos grandes amigos e começámos a compor músicas em inglês e a tocar covers. Certa altura, ele disse-me que eu estava a perder todo um mundo e aconselhou-me a começar a criar coisas em português. A partir daí, passámos a tocar muito mais vezes, onde eu acabei por criar seis músicas em português de rajada – tendo uma delas sido a “Elefante”- e tornámo-nos numa dupla. Chegado certo ponto, o Afonso passou a dedicar mais do seu tempo a Alice e foi então que eu assumi o cargo de frontman e continuei a criar músicas. Entretanto, o Vítor Teixeira ganhou interesse no projeto e juntou-se, assim como o (Hugo) Luzio, tendo o Simon (Afonso Simões) e o Luís sido as últimas aquisições. Tudo isto se passou ao longo de vários anos, ou seja, os Moda Americana surgiram ainda estava eu no 12º ano e isto foi uma versão resumida de como se passou a história; claro que houve muitas outras questões pelo caminho, como problemas de consistências até termos uma banda com membros a tempo inteiro, por exemplo.

20170405 - Entrevista - Moda Americana @ Cais do Sodré

MDX – Há alguma história por de trás do nome Moda Americana?

N.F: Sim, tem uma história muito simples: duas das minhas bandas prediletas são os Nirvana e os America e a junção dos dois levou a “Americana”. Já “Moda” está relacionado com o facto de ambas as palavras terminarem em “A” e, por isso, quando ditas em conjunto, parece que estão ‘coladas’.

MDX – Com o Afonso e o Vítor em Alice, o Hugo e o Luís nos Them Flying Monkeys a fazerem parte de outras bandas, torna-se difícil arranjar tempo para trabalhar em Moda Americana?

N.F: Não está a ser difícil. Foi criada uma agenda em paralelo com os Them Flying Monkeys – não tanto com os Alice nem os Grand Sun por não estarem tão ativos – e a distribuição horária já está a ser bem dividida.

Hugo Luzio: Ensaiamos todos no mesmo sítio, isto também ajuda um pouco.

Luís Judícibus: Sim, assim como o facto de os membros de ambas as bandas serem todos bons amigos e partilhamos o mesmo espaço, material, …

João Simões: Acho que a partir do momento em que todas as bandas se são bem entre si, há uma certa flexibilidade em conciliar os horários de cada para que no final ninguém acabe por sair prejudicado.

MDX – Tendo como base os outros projetos de alguns membros da banda, houve alguma música que não tenha começado em Moda Americana mas que acabou por lá ir parar?

N.F: Pelo que sei, a partir do Hugo, os Them Flying Monkeys constroem as suas músicas enquanto banda, ou seja, todos juntos em ensaios. Em Moda Americana, eu faço as bases das canções em casa, só com guitarra acústica e voz, sendo depois levado para a banda onde ensaiamos, fazemos arranjos e gravamos posteriormente.

H.L: Talvez no próximo disco de Moda Americana isso possa acontecer, mas para este disco as músicas já estavam todas feitas quando eu cheguei. Mal entrei na banda, comecei logo a gravar o disco, não houve grande participação da nossa parte no processo criativo porque o Nuno já tinha feito tudo.

J.S: Quando tocamos ao vivo, está a acontecer um pouco que cada membro dá um toque mais pessoal em cada tema e isso acaba por fazer com que se passe a ter arranjos ligeiramente diferentes do que no disco.

H.L: E por falar em disco, durante a gravação do mesmo, achámos que com as músicas que tínhamos e com base no contexto do mesmo, mais valia gravar um álbum inteiro do que um EP.

L.J: Tivemos em atenção o complexo que existe com EPs, visto que a diferença de peso em lançar um quando em comparação com um disco é bastante elevada; para uma banda que se está prestes a lançar, um disco terá muito mais visibilidade e não vão passar tão despercebidos.

20170405 - Entrevista - Moda Americana @ Cais do Sodré

MDX – A banda apareceu em Novembro e mesmo com tão pouco tempo de existência, ficaram entre os finalistas do Vodafone Band Scouting. Pode-se dizer que isto foi o pagamento por todo o vosso trabalho?

N.F: Foi bom, sim, mas enquanto pessoa ambiciosa que sou, o que aconteceu no Vodafone Band Scouting, o nosso 3º lugar foi como uma derrota, fez-me logo questionar a nossa chegada à final e se tudo aquilo tinha realmente valido a pena, aliás, fiquei uma semana a fritar sobre o assunto, mas depois tivemos a aceitação por parte da Haus e do Hélio Morais e no fim, o esforçou acabou por compensar.

L.J: Por vezes, mais vale não ganhar mas não passar despercebido do que ganhar e ser esquecido.

MDX – Falando agora de Singapura, como é que tem sido o feedback que vos tem chegado aos ouvidos?

N.F: O álbum foi lançado recentemente por isso o feedback ainda não é muito. Contudo, já recebemos da cidade de Singapura em si, que acha que a estamos a ofender.

H.L: Aliás, há um grande site de notícias em Singapura que deu a conhecer-nos e a mostrar a música com o mesmo nome.

N.F: O que fez com que tivéssemos quase 2000 visualizações num único em dia, algo mesmo fixe (risos). Isto tudo surgiu com um dos últimos versos da canção, onde é dito que ‘Lá em Singapura eu não era ninguém / A comparar com o malfeitor / Lá em Singapura todos querem ser alguém / Mas não corre esperança’ e eles associaram como algo de trágico, quando na verdade a palavra ‘Singapura’ tem dois sentidos: desde pequeno que a uso como uma substituta para a palavra ‘Amor’ e porque, ao dividi-la em três sílabas tem-se “sing-a-pura”, ou seja, cantar-se genuinamente, que vem do coração.

L.J: Isto já para não falar da comparação que fizeram com a capa do álbum e o território do país… (risos)

N.F: Sim, supostamente, a imagem do disco representava um “monstro” na forma do território de Singapura quando, na verdade, foi inspirado em uma das minas bandas favoritas, The Stone Roses, e no vídeo para a “I Wanna Be Adored”. Desde que o vi pela primeira vez que fiquei encantado com aquela paisagem e soube que um dia queria usá-lo em algum lado.

MDX – Consideram que este disco representa bem quem são os Moda Americana?

N.F: No sentido em que todos nos identificamos com as músicas, sem dúvida. Estamos todos dentro da mesma ‘vibe’ e muito motivados para lançar Moda Americana. Em termos de sonoridade, acho que é mais uma ‘identificação’ das pessoas do que uma representação das mesmas; exceto para mim, visto que foi de mim que surgiram todas as bases. Se as coisas tivessem sido feitas de forma diferente, de certeza que Moda Americana teria tido um percurso mais diferente.

MDX – Ao cantarem em português, consideram que a vossa música possa ser mais facilmente alcançada pelo grande público?

N.F Não tanto. Acho que se trata de algo mais natural por estar em contacto com a língua, como quando escrevi seis temas de rompante logo ao início, por exemplo. De uma maneira quase espontânea, a partir do momento em que passei a escrever em português, comecei a escrever muito mais músicas e a fazê-lo de uma forma muito mais rápida, talvez por gostar da minha língua e entender melhor como transmitir mensagens do que se fosse em inglês. Ao fim ao cabo, é um processo mais espontâneo.

MDX – Acham que as vossas letras podem fazer com que muitos sejam aqueles que se identifiquem com as mensagens que as mesmas carregam? Há esse intuito?

N.F: Espero genuinamente que sim, tenho uma esperança que isso aconteça, mas ainda não recebi muito feedback a esse nível. O que eu tento passar não é algo que seja identificável, mas sim algo verdadeiro e genuíno: as minhas letras relatam experiências e estados de espírito. Todas as músicas deste disco foram feitas em 15/20 minutos porque se demorar mais do que este tempo, passa a ter demasiada elaboração para mim e sinto que deixa de vir tão do coração e perde um pouco da sua genuinidade e naturalidade.

L.J: Comparando com Them Flying Monkeys, o processo é diferente mas no final o que se pretende é que se chegue ao mesmo objetivo e à mesma solução do que em Moda Americana.

H.L: Isto remete um pouco novamente para aquela questão do disco e do EP, pois para um disco pretende-se que tudo faça sentido e surja de forma natural.

MDX – Ao longo de Singapura, é possível observar uma conciliação entre temas com mais adrenalina intercalados com outros de cariz mais suave. Pretendem, com isto, demonstrar a vossa versatilidade enquanto artistas? Que são capazes de tocar mais do que um estilo?

H.L: A intenção não é essa, mas é isso que demonstramos por conseguirmos tocar em registos diferentes, seja mais calmo ou agressivo. Neste aspeto, acho que o processo de escrita pesa também porque o Nuno faz as bases apenas com voz e guitarra acústica, sendo apenas depois que os restantes membros adicionam elementos nas canções. Regressando àA questão inicial, acho que é bom haver quem pense assim porque dá-nos mais margem de manobra para um segundo disco e aventurar-nos a fazer outras coisas.

L.J: Antes de eu entrar em Moda Americana, fui com o Hugo fazer-lhe companhia porque ele ia gravar secções de bateria para o disco e como eu não tinha nada para fazer naquela noite, aventurei-me e fomos juntos. Nesse mesmo dia, conheci o Nuno, ouvi algumas das músicas e a primeira coisa que pensei logo foi que aquilo era um disco pop, mesmo com elementos de rock e psicadélico à mistura, era genuinamente pop e uma das coisas que mais se destacava era a voz do Nuno, porque eu não consigo identificar nenhum artista a quem a sua voz se assemelhe.

20170405 - Entrevista - Moda Americana @ Cais do Sodré

MDX – Não são muitas as bandas que têm o privilégio de apresentar o seu primeiro álbum no MusicBox. Isto acata um sentimento acrescido de responsabilidade em vocês?

H.L: Sim, completamente, já com os Them Flying Monkeys também foi assim, onde após montes de concertos, tivemos a possibilidade de apresentar o disco no MusicBox. Já o Nuno foi completamente às escuras, porque só tinha dado 3 concertos com Moda Americana e o quarto foi lá, havia um peso acrescido.

N.F: Sinceramente, não estava à espera que o nosso quarto concerto fosse logo no MusicBox e estava um pouco nervoso, mas com muita expectativa. Fiquei muito contente por esta oportunidade.

L.J: Sempre que vamos ao MusicBox ver um concerto e a sala está cheia pensamos sempre que é algo fácil de se concretizar, mas quando estamos a fazer soundcheck é que ganhamos uma noção de como a sala é enorme.

MDX – Têm, no horizonte, uma tournée por Portugal. Estão ansiosos por dar a conhecer um pouco da vossa música em cidades que não têm tanto facilidade de acesso a música como Lisboa e Porto?

N.F: Pela minha falta de experiência, não faço a mínima ideia de como será e, por isso mesmo, tenho uma enorme curiosidade em ver onde é que o nosso álbum pode chegar.

L.J: Ir às escuras, a meu ver, é algo de interessante. É uma experiência interessante partir para o desconhecido e ter a possibilidade de tocar para um público novo ao mesmo tempo que crescemos enquanto músicos – improvisar alguma coisa porque um de nós se enganou, por exemplo.

H.L: Também é um pouco como um voto de confiança por parte de o promotor que arranjou os concertos, pois de certeza que este quer que a banda toque com a mesma intensidade independentemente que seja para 10 ou 100 pessoas. Nós estamos com uma agência incrível e isso facilitou-nos imenso o processo para chegar aos espaços chave, em termos de concertos, em cada cidade.

20170405 - Entrevista - Moda Americana @ Cais do Sodré

MDX – Que conselho dariam a uma banda que está prestes a dar os primeiros passos? Isto vindo de alguém que começou em Novembro e que editou o seu primeiro disco em Março?

H.L: Não comecem que é para nós não termos concorrência? (risos)

N.F: Não lancem nada nos próximos 3 anos para nós termos tempo para bombar? (risos) Um conselho que daria a uma banda tão recente como nós seria terem autenticidade e fazerem aquele que genuinamente gostam. Mesmo que a indústria esteja virada para algo completamente oposto ao que a banda está predisposta a fazer, continuem a fazê-lo e criem algo de novo.

H.L: Uma sugestão sincera e isto também pegando em Them Flying Monkeys: sejam super organizados internamente. Ver a banda como um todo e ter as ideias bem estruturadas sobre como fazer algo funcionar, é meio caminho andado.

L.J: É preciso tentar copiar a organização um dos outros e a partir daí criar uma organização comum entre toda a banda, esse é um dos truques fundamentais para o profissionalismo. É preciso ser humilde, acima de tudo.

A humildade demonstrada pelo grupo de jovens que compõe Moda Americana é apaixonante, mas é mesmo através da sua música que nos conquistam, que nos tornam fiéis e leais seguidores. Com concertos recentes em Leiria, Setúbal e Lisboa, temos a certeza de que se estão a tornar como uma das grandes promessas do panorama musical português. A moda pode ser americana, sim, mas é em português que tem todo o seu encanto.

Entrevista – Nuno Fernandes
Fotografia – Luis Sousa