Os Moonspell, banda que não carece de apresentação em nenhuma parte do globo, comemora os 20 anos do Irreligious, um dos seus trabalhos de marca. Assertivo dialogante, Fernando Ribeiro conversou com a Música em DX sobre este concerto, e ainda de diversos assuntos da actualidade.

Moonspell, “A nova vaga da música Portuguesa não é uma cena que nos encante”

Música em DX (MDX) – Quando em 1996 lançaram o Irreligious, o vosso segundo álbum, tinham noção do que tinham em mãos? Ou foi a distância e a perspectiva que vos deu essa noção?

Fernando Ribeiro (FR) – Não era um pensamento que nos passava pela cabeça, porque na verdade tínhamos outras preocupações. Tínhamos experimentado algum reconhecimento na cena, assistimos a modificações de 95 para 96 de uma forma extremamente rápida, a nossa banda em si também estava a mudar. A verdade é que sempre tentamos fazer a nossa parte, damos o nosso melhor para isso, e sentimos isso com o Irreligious. Pareceu-nos um álbum com muita personalidade, e que vinha resistir a muitos dos testes que se colocavam naquela época, como o teste do segundo álbum. Além de surgir numa altura algo decisiva, que encontrou um público disposto a recebê-lo, era um estilo muito forte, que tinha salas cheias por toda a Europa.

MDX – Quando é que percebeste o quão impactante era este álbum?

FR – Percebi logo que o álbum tinha impacto, mas lembro-me de pensar que a avaliação da dimensão de qualquer evento histórico – e para nós o Irreligious foi exactamente isso – tem que ser feita à distância de algum tempo. Mas sim, apercebermo-nos que o álbum estava a ter impacto e uma resposta diferente, notamos que as coisas estavam a acontecer. Além de toda aquela exposição, trouxe também algumas responsabilidades enquanto banda, as coisas tornaram-se mais sérias, agora já não podíamos meter o pé na poça – o que nos uniu ainda mais. Se não fosse o vocalista dos Moonspell e tivesse de falar de uma forma descomprometida do Irreligious diria que é ainda um evento muito fino e distinto dentro do Metal Gótico: parece-me sempre díspar, não tem quase nada no meio, percebem-se bem as influências, é duro e possui uma mensagem muito clara.

MDX – Reparo que refletes frequentemente sobre a evolução social e musical de Portugal: Quais te parecem ser as diferenças fundamentais entre o Portugal de 1996 e o de 2016.

FR – O Portugal de 86 era mais aventureiro, as pessoas não comiam gato por lebre. As bandas arriscavam mais, tinham vontade de fazer diferente. O que vejo hoje é precisamente o oposto, bandas a recriar o som do passado, a esquecerem-se do lá-fora e a centrarem-se apenas cá dentro, têm sempre o mesmo percurso. E nunca foi isso que nós visionamos para os Moonspell. Tentamos sempre fazer algo diferente, não ir pelos mesmos caminhos, e daí o meu tom não ser o mais entusiasmado com a música contemporânea portuguesa, com todos a cantarem em português, acho que hoje em dia a cena é mais cínica, há muitas pessoas que nem dentro do seu estilo têm conhecimento e propriedade, e comportam-se como donos da verdade. Não gosto de uma cena onde há bandas que sentem que têm uma verdade maior que as outras. Somos todos iguais e cada um tem a sua expressão, umas não devem ser mais nobres que as outras, é isso que eu sinto. Gostamos muito de trabalhar aqui com os nosso fãs, mas a nova vaga da música Portuguesa não é uma cena que nos encante, não.

MDX – Apesar da diminuição do desnível nos últimos anos, é patente um maior reconhecimento exterior dos Moonspell. Já te debruçaste sobre o assunto e percebeste as razões deste fenómeno?

FR – Já me debrucei das mais variadas formas sobre esse assunto e resolvemo-lo pelo simples facto de desfrutar e viver aquilo que vivemos e que foi tão particular. A carreira dos Moonspell passa por fazer cada vez mais, por promover a nossa música, agora se os fãs em Portugal estão interessados, se a nossa música lhes chega, se falam de nós ou se conseguem vislumbrar o fenómeno – ou a falta dele – já me ultrapassa. A minha decisão é não tomar mais tempo com os outros. Não tenho a ambição de ter a comunicação social atras de nós, se estiverem óptimo, mas se não o fazem é algo que não me cabe a mim decidir nem reivindicar. Continuaremos a trabalhar, mas a verdade é que temos um percurso internacional que não tem par cá em Portugal. Há outras bandas que também o têm, mas estão algo longe. Talvez mais longe que alguns jornalistas pensam.

MDX – Em 2017 ainda sentes que a malta do Metal não é olhada de frente?

FR – Se a questão é se a perspectiva mudou, é normal que assim seja. O telemóvel, a internet, tudo mudou, há uma evolução que é inevitável. O que acho é que quando uma banda de Rock ou Metal conquistam alguma coisa, há sempre a sensação que, por estarem supostamente num nicho ou porque não é Mainstream, foi mais fácil que em outros géneros. Isto faz-me imensa confusão, porque o mainstream morreu com a Internet. As bandas que se preocupam em fazer música a sério não estão muito preocupadas com as aparências.

MDX – Parece-me que os Moonspell têm lutado para mostrar que a vida de uma banda está longe do imaginário das pessoas. Sendo que o Metal é um nicho enorme – capaz de oferecer conforto emocional e financeiro – por que razão compraram essa guerra?

FR – Todos usam nicho como palavra definidora para o Metal, mas a verdade é que os Metallica ou os Iron Maden tocam nos mesmos espaços que os U2 ou os Arcade Fire. Acho que Metal não é um nicho, é sim um estilo de música. E é um dos mais populares, e dos que tem resistido melhor ao teste do tempo. O que nos fazemos além de uma espécie de resposta ao que nos é apresentado, acredito que seja também um pouco de formação. Pelo menos comigo foi. O metal no fundo ajuda a formar pessoas, e mostramos que o metal é também poesia, que há hipótese de viver da música Heavy Metal em Portugal. Não é bem uma luta, é algo que pertence à banda, mas claro que reagimos às injustiças que nos são feitas porque acho que os Moonspell – principalmente por causa dos seus fãs – são uma banda que merece fazer parte da história da música em Portugal, não só do Heavy Metal.

MDX – Quando os Moonspell surgiram a Internet não eram ainda uma ferramenta de divulgação: em que medida é que o seu aparecimento vos ajudou?

FR – Tenho sentimentos contraditórios em relação à internet. Acho que a internet foi uma oportunidade perdida por quase toda a gente: o espaço de discussão pública, as redes sociais, a blogosfera, não são nada que nos enriqueça. É muito residual a população que usa a internet de uma forma mais construtiva. Mudou as regras do jogo, trouxe benefícios às bandas e aos fãs, mas na verdade além de retirar algum romantismo, a internet é, no fundo, um utilitário para o que já tínhamos na altura: uma rede de contactos. Começamos pelo correio, fax e telefone, e hoje, depois de tanta evolução, não fiz um contacto pelo Facebook, por exemplo, mais importante do que aqueles que fiz naqueles meios. Ou seja, há a ilusão de que só o que passa na internet decide o futuro das bandas, e às vezes até se passa o contrario. Às vezes vemos concertos com imensas pessoas que no Facebook dizem que vão, e depois estão lá metade das pessoas. Isto para te dizer que reconhecemos a importância, e usufruímos dela, mas não é algo absoluto em temos de comunicação, muitas vezes vem até complicar as relações.

MDX – Por outro lado, com a quebra abrupta da venda de discos, a competição para tocar ao vivo dilatou-se: os Moonspell sentiram essa competição? Parece-te haver algum factor diferenciador entre os Moonspell e outras bandas?

FR – No geral, é verdade que os discos vendem menos, mas também se vendem menos as casas, os jornais, os livros. À excepção de produtos informáticos, tudo se vende menos, mas na música foi mais notória porque a industria da música é absolutamente dramática, e pessoas que estavam a ganhar grandes somas de dinheiro não quiseram evitar essa sangria. Por outro lado, talvez como vingança, muitas pessoas começaram a desrespeitar coisas importantes como os direitos de autor. Mas considero que uma banda deve estar forte nas várias vertentes deste mercado, mas não haverá melhor promoção que uma boa atuação ao vivo. Bem, falando apenas dos Moonspell e não nos comparando com outras bandas, o que nos diferenciou foram alguns aspectos como termos um interesse mais aprofundado em originais, não nos importando com covers, e – há quem chame teimosia, há quem chame arrogância – mas tentamos fazer sempre a nossa parte, as coisas à nossa maneira, em todas as vertentes da música.

MDX – O que pode o público esperar do concerto no Campo Pequeno? Estão previstas mudanças relativamente ao que é o vosso concerto típico.

FR – Imensas. A começar na gravação do DVD, vamos carregar muito na componente visual, vamos apostar muito no dress code da banda, na imagem, assim como na pirotecnia. Mas mais que essas coisas, queremos fazer um concerto muito personalizado: queremos que seja muito diferente do habitual, não apenas pela vertente da actuação dos Moonspell, mas porque se estivesse na pele de um fã ficaria excitado com a ideia de uma banda nacional ir tocar a uma sala grande e prestigiada da sua capital, e gravar um dvd que será visto por imensa gente em todo o mundo. O DVD será também bastante diferenciador. No fundo, os nossos seguidores têm a possibilidade de fazer parte da nossa história.

MDX – Como vês o futuro dos Moonspell?

FR – No futuro mais próximo – até quatro ou cinco anos – consigo: vamos lançar um álbum em português, temos já várias datas marcadas, e contamos também gravar um sucessor do Extinct. O futuro próximo está mais ou menos previsto.

Moonspell, “A nova vaga da música Portuguesa não é uma cena que nos encante”

MDX – Então daqui a 10 anos não posso ligar-te para falarmos dos 30 anos do Irreligious?

FR – (Risos) Daqui a dez anos já não prevemos, não é que pensemos no fim da banda, mas somos realistas e vamos ver o que o tempo nos trás e nos faz. Mas considero que estamos a amadurecer bem, seja musicalmente, seja no nosso trajeto enquanto banda. Mas as celebrações existem, e nós não vivemos muito do passado, mas ele existe e nós disfrutamos dele. Mas sim, com o álbum em português prevejo que entremos numa nova fase.

MDX – Qual o disco – Português e estrangeiro – que mais te surpreendeu nos últimos meses?

FR – O Sinistro dos Semente, não apenas pelo disco, mas tudo o que os envolve. Não gosto muito da palavra surpreendente, mas surpreenderam-me positivamente. Lá fora foram muitos os discos que gostei, mas o principal – só a mim porque eles já eram uma certeza – foi Magma dos Gojira. Parece-me um disco bastante importante para o metal, nunca tinha ouvido com a devida atenção e sem dúvida que merecem todo o destaque que têm tido porque são uma grande banda.

MDX – Se outros artistas e outras bandas influenciam a nossa música, parece-te que o mesmo pode acontecer com livros ou filmes?  

FR – Sim, completamente. A música que fazemos é mais inspirada em livros que em álbuns de outras bandas, mas também acontece chegar a autores através de outras bandas. Acho que quem compõe tem que ter um equilíbrio de tudo, todas as vertentes são muito importantes.

MDX – Ser pai alterou a tua forma de estar na música?  

FR – É claro que o meu filho me inspira, até já escrevi letras inspirado no fenómeno da paternidade. Mas muita gente me faz essa pergunta, no sentido de perceber se me amoleceu, mas aconteceu-me o contrário. Sou ainda mais feroz no que toca a Moonspell, no sentido em que faço ainda mais para que as coisas dêem certo, pois agora tenho um filho para sustentar. Musicalmente não: tens a parte mais familiar, mais delicada, e depois tens a aspereza da música que é um óptimo equilíbrio com a paternidade. Por outro lado, ao longo destes anos lutamos muito para que na altura que fossemos pais, podermos gerir as coisas sem comprometer os Moonspell. A paternidade toca a todos de uma maneira bastante intensa, qualquer que seja a área ou profissão, e nós músicos não somos excepção.

O Campo Pequeno recebe a celebração dos 20 anos de Irreligious no dia 04 de Fevereiro, num concerto que será certamente épico.

Entrevista – Tiago Pinho
Fotografia – Paulo F. Mendes