“There’s a starman waiting in the sky.”

08/01/1947 – 10/01/2016

Pouco passava das 7 da manhã do dia 11 de Janeiro de 2016 quando a rotina matinal de percorrer o feed de noticias começara. Foi um acordar péssimo! Primeiro veio a negação e depois o choro. Foi um dia mau para ir trabalhar, para a música, para o mundo e para a alma.

Apesar de carregar o peso de nunca ter visto este senhor ao vivo, absorvi dele, ao longo dos meus poucos anos de existência tudo aquilo que, na sua genialidade e talento, mostrava ao mundo. Um génio enquanto músico e enquanto actor. Um génio enquanto compositor e escritor e enquanto pessoa controversa. Alguém de que, quer queiramos quer não, influenciou o mundo e irá fazer sempre parte da sua história. Afinal, não é preciso que falemos ou vejamos certas pessoas para que estas nos façam bem.

David Robert Jones tinha celebrado os seus 69 anos há dois dias atrás, dia em que lançara o seu último disco em vida: Blackstar. Blackstar trazia consigo o prenúncio da morte e a aceitação da mesma. Um disco negro, pesado e ao mesmo tempo sublime na sua essência. Com mensagens subliminares e video-clips que transpunham para nós o sentimento de dor e sofrimento que vinha a acompanhar Bowie nos últimos tempos. A perplexidade com que tivemos de lidar ao absorver-lo era algo dura e de difícil digestão. No fundo, sabíamos que algo de mau estava prestes a acontecer, apenas não sabíamos que seria tão cedo.

Na sua genialidade, Bowie calculou tudo ao mais pequeno detalhe. Transformou a sua dor e falta de lucidez em algo complexo, lúcido e mórbido. E foi por estar ciente da sua genialidade que acreditei que ele estivesse vivo, não naqueles actos desesperados e sonhadores de quem acredita e quer que o Elvis e o Cobain estejam vivos, mas sim num acto de começar a juntar as peças. Em pouco tempo tracei uma história na minha cabeça e ouvi “I Can’t Give Everything Away” com atenção. Fazia sentido que esta morte fizesse parte da encenação de Blackstar. Fazia todo o sentido que Bowie se tornasse Lazarus e nos aparecesse à frente em poucos dias. Fazia todo o sentido! No entanto acabou por ser mais um acto ilusório e desesperado, também, de querer que ele estivesse vivo. Agora, um ano depois, acredito numa das últimas teorias que saíram sobre ele, onde se afirma que a morte dele foi planeada e estruturada a pedido dele. Mais um acto de genialidade que faz todo o sentido. É um acto frio e, talvez, egoísta planear a própria morte, mas para quê continuar a viver com o muro do fim cada vez mais próximo? Para quê continuar a empurra-lo, sabendo que este era mais forte e ia acabar por esmagar aquele corpo já débil? Porque não fazer da sua própria morte algo grandioso? Talvez até tenha sido algo inesperado… Nunca iremos saber. Teremos a certeza, apenas, que David Bowie teve uma vida e uma morte épicas.

Ele não apareceu um ano depois, mas planeou uma festa para o dia em que completaria 70 anos. Uma festa sentida e grandiosa composta de um banquete auditivo. No passado dia 8 de Janeiro, saiu um EP de Bowie. No Plan, soa a algo despreocupado e sem linha definida de raciocínio, mas a verdade é que não há coincidências e este génio que respondia pelo nome de David Robert Jones deixou tudo planeado até depois da sua partida. No Plan trata-se de um EP composto por 4 faixas, incluindo uma versão estendida de “Lazarus”. É notória a continuação de Blackstar e o peso dos últimos dias, a carga sentimental é empurrada para dentro do ouvinte e é inevitável não sentir o coração apertado. Bowie deixou várias mensagens ao longo da sua vida e decidiu continuar a fazê-lo após a sua morte, mesmo que tenha usado ironicamente o título No Plan. É possível que o único plano que não tivesse fosse aquele de que todos padecemos: encontrar uma forma de contornar a morte, porque de resto, foi tudo planeado ao mais pequeno pormenor com a relevância de um grande pormenor e a luminosidade de quem nunca vai partir.

Bowie não nos deixou só a dor da perda. Deixou-nos uma atitude que marcou os anos 70 e 80, um guia de boa música, um livro de histórias e episódios caricatos, revelações e uma obra cinematográfica que condiz com as suas cores camaleónicas.

De 1967 a 2016 lançou 26 álbuns dos quais 9 alcançaram a platina, 11 o ouro e 8 a prata no Reino Unido e 5 a platina e 7 o ouro nos Estados Unidos. Recebeu 6 prémios ao longo da sua vida de músico e actor, recusou a condecoração de Ordem do Império Britânico em 2000 e em 2003 recusou tornar-se Cavaleiro da Ordem do Império Britânico afirmando não ter sido para isso que trabalhou a vida toda. Em 1996 entrou para o Rock and Roll Hall Of Fame.

Durante a sua infância, lidou com uma família assombrada pela esquizofrenia, vendo um irmão suicidar-se devido a esta doença e aguardando o momento em que a loucura lhe bateria à porta de forma infame. Em 2004 foi submetido a uma cirurgia ao coração que o fez descer umas quantas mudanças e começar a desfrutar da viagem de outra maneira.

Aos 9 anos de idade, na Burnt Ash Junior School começou a estudar a forma de escutar sons e a dançar. Mais tarde mudou-se para a Ravens Wood School onde estudou arte, música e desenho e, também, levou um murro no olho esquerdo por causa de uma rapariga que lhe fez ganhar um dano sério no olho ficando permanentemente com a pupila dilatada, resultando no que se chama de anisocoria. Foi este soco que lhe fez dar mais ênfase à sua imagem, criando a ilusão de ter um olho de cada cor. Na verdade, Bowie tinha os dois olhos azuis e uma doença no olho esquerdo.

Aos 15 anos Bowie formou a sua primeira banda, os Kon-rads que tocavam rock’n’roll. Pouco tempo tardou para desistir desta e criar uma outra, os King Bees dedicando-se ao blues. Seguidamente entrou para Manish Boys onde ao blues juntava-se o folk e o soul. Como eterno insatisfeito, vira as costas aos Manish Boys para se juntar aos Lower Third um trio blues com influências de The Who. Passou ainda por Riot Squad até se tornar David Bowie. Aqui, caminhou por entre folk psicadélico, funk, glam rock, pop, soul, krautrock, rock, techno, electro e o jazz. Em 1989 volta ao formato banda com Tin Machine que termina, mais tarde, em 1992.

Ao longo da sua carreira tocou e colaborou com personalidades como Brian Eno, Queen, Iggy Pop, Tina Turner, Mick Jagger, Placebo, Butterfly Boucher, Lou Reed, David Gilmour Arcade Fire, TV on The Radio e Alicia Keys.

No teatro, no cinema e na televisão, Bowie encarnou papeis em Pierrot in Turquoise, The Image, The Virgin Soldiers, The Man Who Fell To Erath, Just a Gigolo, O Homem Elefante, Christiane F. – Wir Kinder vom Bahnhof Zoo, The Hunger, Merry Christmas, Mr. Lawrence, Yellowbeard, Into the Night, Absolute Beginners, Labirinto – A Magia do Tempo, A Última Tentação de Cristo, The Linguini Incident, Twin Peaks – Os últimos dias de Laura Palmer, Basquiat, Gunslinger’s Revenge, Everybody Loves Sunshine, Mr. Rice’s Secret, Zoolander, Prestige, Arthur e os Minimoys, Bob Esponja: Calça Quadrada, August.

Para além de Londres, Bowie viveu em Nova York, Suiça e Berlim. Ao longo dos anos, sentiu a necessidade de criar personagens como Ziggy Stardust e The Thin White Duke que fizeram parte de si e de tudo o que ele ansiava ser ou mostrar em palco ou no ecrã.

Apesar de sermos todos heróis, alguns são mais que outros. E é por ti que, hoje, vou calçar os meus sapatos vermelhos e, de lágrimas nos olhos, dançar. Porque nunca vais morrer nem as tuas músicas vão deixar de existir. Porque farás sempre parte da história do mundo e da minha. Um aplauso sentido e uma vénia até ao chão.

Obrigada David Bowie!

“Ashes To Ashes”

Do you remember a guy that’s been
In such an early song
I’ve heard a rumour from Ground Control
Oh no, don’t say it’s true

They got a message from the Action Man
“I’m happy. Hope you’re happy, too.
I’ve loved. All I’ve needed: love.
Sordid details following.”

The shrieking of nothing is killing me
Just pictures of Jap girls in synthesis
And I ain’t got no money and I ain’t got no hair
But I’m hoping to kick but the planet is glowing

Ashes to ashes, funk to funky
We know Major Tom’s a junkie
Strung out in heaven’s high
Hitting an all-time low

Time and again I tell myself
I’ll stay clean tonight
But the little green wheels are following me
Oh, no, not again

I’m stuck with a valuable friend
“I’m happy. Hope you’re happy, too.”
One flash of light
But no smoking pistol

I never done good things
I never done bad things
I never did anything out of the blue,
Want an axe to break the ice
Wanna come down right now

My mama said, “To get things done
You’d better not mess with Major Tom.”

Texto – Eliana Berto