Backstage

Yawning Man, Imitáveis mas nunca igualáveis

Yawning Man. Para a maioria das pessoas, mesmo considerando muitos melómanos dedicados, o nome quer dizer pouco. Contudo, os californianos são, por direito próprio, uma peça fundamental da história do Rock, mais não seja porque influenciaram nomes tão importantes como Josh Homme ou Brant Bjork. No entanto, como descobriríamos numa franca conversa com a banda, os Yawning Man não gostam de ser categorizados nem sequer se revêm assim tanto na actual cena Stoner. Jams de levar à loucura, jazz de cariz ambientalista e como técnicas desenrascadas de tocar guitarra levam à criação de um som único. Isto e mais, registado numa entrevista feita logo após a banda dar um fantástico concerto no Reverence Valada.

Música em DX (MDX) – Vocês estavam programados para tocar aqui no Reverence no ano passado, mas só este ano é que puderam vir. Qual é a sensação de estar aqui em Valada? O que acharam do concerto?

Mario Lalli (ML) – Tem sido incrível, foi um óptimo concerto, é um festival fantástico e toda a gente tem sido mesmo fixe.

MDX – Vocês são fãs de algumas bandas que vieram cá tocar?

ML – Claro!

Gary Arce (GA) – Killing Joke… nós crescemos a ouvir Killing Joke… O Nik Turner, obviamente, dos Hawkwind… Os The Damned, outro nome óbvio também…

ML – Os nossos amigos Dead Meadow…

GA – Dead Meadow, claro!

ML – Eles vão tocar agora a seguir. Já tivemos com eles várias vezes, são nossos amigos lá da Califórnia.

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MDX – Do que sei, vocês também foram muito influenciados pela cena Alternativa/Gótica dos anos 80.

GA – Sim, Sisters of Mercy, Bauhaus… todos nós adoramos Bauhaus.

MDX – Talvez esta pergunta seja ainda um pouco precoce, mas como é que está a correr esta digressão para vocês?

ML – Incrível, uma das melhores tours aonde já participei, todas as noites têm sido espetaculares. Nós temos tocado aqui com a nossa nova integrante da banda, a Justine, e ela tem sido fantástica! Sabes, foi um bocado difícil prepararmo-nos para esta tour, porque neste momento estamos todos separados geograficamente e estávamos a lidar com muitas coisas complicadas na nossa vida pessoal. Toda a gente está a lidar com a família, a mudar-se de casa, a encarar estas coisas da vida real! Tem sido árduo e quando agora nos reunimos encaixou tudo perfeitamente, tem sido mesmo bom. Eu não quero agoirar! (risos) Mas tem sido mesmo fantástico.

GA – Tem sido espetacular. Está ser uma daquelas tours em que me sinto mesmo confortável, estar a tocar com o Boomer [Mario Lalli] e com o Phil tem sido uma experiência orgânica, nada tem saído forçado, tem fluído bem. No momento em que a cena estiver a sair forçada e a parecer trabalho, nessa altura vou querer afastar-me. Mas tem sido uma evolução mesmo natural e divertida, toda a gente tem estado com uma mentalidade aberta até agora.

MDX – Vocês acabaram de lançar um novo álbum, Historical Graffiti. Qual é que foi a vossa abordagem a este novo trabalho? Houve alterações significativas em relação ao Nomadic Pursuits?

GA – É o mesmo processo. O Boomer saca uma linha de baixo e eu acrescento uma melodia de guitarra, ou então mando eu a melodia, ele que acompanha com o baixo e o Phil adiciona a batida. Quero dizer, não existe mesmo um processo, é assim que fazemos

MDX – Portanto, para vocês começa sempre por ser uma jam.

GA – Sim, sim, sem dúvida.

MDX – Mas vocês não pensam em ideias novas anteriormente e depois experimentam-nas?

ML – Sim, quer dizer… Na verdade este álbum é diferente porque tem duas músicas que já estavam meio compostas. Nós elaborámo-las no estúdio, mas elas já existiam. No entanto, há muitas partes do álbum que foram improvisadas na hora, enquanto estávamos no estúdio, e tornaram-se composições durante a noite à medida que as íamos aperfeiçoando. Essa forma é como nós costumamos compor. 90% do que nós compomos surge quando começamos a improvisar e deixamo-nos ir e ir.

GA – Deixamos a música crescer e crescer cada vez mais.

ML – Nós não chegamos a um ensaio do género “Aqui estão as pautas, pessoal. Aprendam isto”. Isso não acontece.

MDX – A vossa sonoridade tem uma natureza exploratória, anda um pouco à deriva. Quando vocês estão numa jam, quando é que sentem que a canção está finalizada? É que numa jam pode-se tocar para sempre…

(Risos)

ML – Tenho a certeza que as pessoas de vez em quando pensam “ok…” e começam a olhar para o relógio! Nós estamos a divertirmo-nos tanto, somos nós que estamos a tocar e por isso é uma coisa um bocado autoindulgente! Mas pronto, é o preço a pagar para nos verem!

(toda a gente se ri)

ML – Mas sim, a dada altura tens de parar… E por acaso, ele [apontando para Gary] tem andado a dizer [faz uma voz de queixume, a gozar] “meu, tou farto de jams, eu quero é escrever!” E eu consigo perceber isso. Nós passamos por ciclos. Andámos a jammar durante dez anos, tanto até ao ponto de ficarmos completamente fartos. A nossa banda tornou-se numa máquina movida a equações matemáticas, uma cena de doidos. O trabalho que investimos nestas composições já estava tipo “tic-toc, tic-toc”. Ficámos fartos, só de continuar com aquilo éramos capazes de ficar com enxaquecas. Quisemos voltar a fluir na boa. Nesta altura estamos algures a meio caminho, entre jams e composições trabalhadas. Não sei bem, é estranho…

MDX – Vocês são parte da cena Desert original. Quão influenciados foram pelo vosso ambiente?

ML – Um bocadinho…

GA – Honestamente, esta vai ser uma resposta estranha, porque nem tudo teve a ver com o deserto. Sim, tocar lá fora à luz das estrelas era fixe, mas… Nos anos 80, havia uma editora chamada Windham Hill, estava lá o Michael Hedges, havia muita música de cariz ambiental e nós andámos colados nessa editora durante uma data de anos. O Michael Hedges e todos estes grandes músicos…

ML – John Abercrombie, Jack DeJohnette…

GA – Nós começámos a incorporar toda esta música ambiental da qual gostávamos muito. Era estranho! No mesmo dia podíamos ir desde os Mountain, aos Black Flag e às cenas da Windham Hill, tudo no mesmo dia na mesma casa! Era assim que era, não havia limites. Absorvemos tudo, todos gostávamos de cenas diferentes que resultavam num grande prato de onde todos se serviam!

Bill Stinson (BS) – O Duke Ellington disse que só existem dois tipos de música: boa e má. É assim que nos regemos.

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MDX – Mesmo tendo em conta que vocês tiveram outros projectos com que se ocupar, os Yawning Man estiveram quase duas décadas sem lançar material até ao primeiro LP, Rock Formations, sair em 2005, e desde então têm lançado discos com regularidade. Esse álbum foi, de certa forma, um gatilho para vocês?

ML – Hmm… O que realmente se passou foi o seguinte. A banda chamou-se Yawning Man durante 3 ou 4 anos. Foi de 86 até… para aí… 89, não interessa. Depois disso mudámos o nome da banda, passámos a ser os The Sort of Quartet.

MDX – E também mudaram um pouco a sonoridade, não foi?

ML – Nós não mudámos o som, nós estávamos a crescer… Aquilo queríamos fazer era tocar música que fosse interessante para nós, estávamo-nos a cagar para concertos, andar em digressões, fazer álbuns ou ter fãs. Não queríamos saber de nada disso. Quando tocávamos, queríamos lixar as pessoas, queríamos dar-lhes nos cornos! Não interessava pertencer a este ou àquele grupo. Queríamos era surpreendermo-nos a nós! E por isso a nossa música continuou a mudar e a evoluir. Estávamos a ouvir cenas da Windham Hill, Punk Rock e algum Prog Rock. Depois começámos a ouvir Bebop e Jazz Avantgarde. De seguida veio o Captain Beefheart e o Zappa e outras merdas maradas! Quando mudas aquilo que ouves, começas a descobrir coisas novas e isso reflecte-se na música. A dada altura começámos a sentir falta daquela simplicidade aberta que os Yawning Man tinham no início. Era uma coisa mais espiritual e menos cerebral, não que o que tocamos agora seja estúpido. Simplesmente já não estamos tipo [fingindo estar em pânico] “pensa, pensa, pensa! Vem aí uma mudança, depois outra, este compasso é assim e o a seguir não”. Nós nunca tocamos nenhuma das músicas que tocámos hoje da mesma maneira, nunca! É sempre diferente, mas já não temos essa abordagem mecânica à música.

MDX – Não há dois concertos de Yawning Man iguais.

ML – Não! Às vezes sai uma coisa um bocadinho por lapidar. Mas eu sentia falta disso! Os The Sort of Quartet chegaram a um ponto em que nós já éramos matemáticos!

GA – Éramos mesmo militantes!

ML – Hoje em dia fala-se de Math Rock?! Que se foda essa merda! Se esse género é Math Rock, então nós éramos uns autênticos cientistas.

MDX – Já tinham chegado ao nível da Física Quântica.

Todos – Sim! (risos)

ML – Ainda por cima, nós não eramos assim tão bons instrumentalistas. Nenhum de nós sabia tocar com o mindinho, ele [Gary] não usa uma palheta, eu não sei fazer double-picking… Mas a nossa técnica chegava para fazermos aquilo que queríamos fazer. Então estávamos mesmo a desafiarmo-nos e a puxar os nossos limites. Foi muito fixe durante algum tempo, mas depois começou a tornar-se chato.

GA – Chegou a um ponto em que um de nós faltava ao ensaio e no seguinte já estava a dizer “eu já nem sei tocar isto!”

(risos)

ML – Quando voltámos a ser os Yawning Man, escolhemos este nome porque as pessoas já nos conheciam e porque já havia uma certa noção de quem éramos porque os Kyuss fizeram aquela cover [Catamaran, lançada no álbum …And the Circus Leaves Town de 1995]. Foi uma oportunidade para nós voltamos a tocar e, portanto, quando lançámos o álbum [Rock Formations], a banda já tinha crescido de termos tocado juntos, por isso não é verdade que tenhamos estado à espera 20 anos para lançar um álbum. Sim, houve vários projectos, mas eu e o Gary nunca parámos de tocar juntos, lançámos muitas cenas maradas. Pá, depois decidimos voltar com esta formação mais orgânica e a sensação é de que foi um processo natural.

GA – Sim, e com a Justine sinto que a banda está una outra vez, faz-me lembrar dos inícios dos Yawning Man. Sinto-o, não sei explicar, sinto a energia do início outra vez.

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MDX – É engraçado que vocês de certa forma se distanciem de toda a cena Fuzz/Stoner, até porque vocês são tidos como uma banda tremendamente influente no que toca a esse lado do espectro musical. Como é que vocês medem o vosso legado, ou melhor, a vossa influência?

ML – As pessoas costumam diz-me isso… e eu consigo vê-lo e ouvi-lo a toda a hora, mas é curioso porque eu não o ouço realmente na música dos outros. Quero dizer, nós estávamos nas franjas do movimento, não é? Nós estamos conscientes disso, de que fomos catalogados dentro do Stoner/Desert Rock, seja o que essa merda for. Mas eu não o ouço. Eu acho que o espírito daquilo que fazemos é que é a verdadeira influência. Houve um gajo que me disse isso ontem à noite, e eu fiquei “aah, é disso que as pessoas se referem! Bem, eu… eu ia dizer uma coisa mas mudei de ideias! (risos) De qualquer das formas, eu acho que é mais o espírito do que o som em si, até porque eu não ouço bandas a conseguir sacar o nosso som com frequência. Nós tocámos com uma banda em Saragoça, os Lana Lee. Uma óptima banda, sem dúvida, e eles tocam algumas das nossas canções. Eu estive a ouvi-los a tocar e eles não soaram mesmo nada a Yawning Man. Demasiado rígidos, demasiado limpos, o guitarrista tinha uma maneira de tocar muito jazzy, não se assemelhavam em nada a nós. Eu acho que quando és músico e nos tens como influência, ficas um bocado à nora , pois é muito difícil de definir o que ele [apontando para Gary] faz. Ele toca com o polegar! Sabes quantos gajos é que fazem isso?! É muito difícil de copiar, é muito único!

MDX – Sim, parece que acaricia as cordas da guitarra, isso faz com que o som soe muito diferente.

ML – Completamente. Não dá para aprender uma música de Yawning Man e tocá-la como nós. Eu ouço tentativas, mas há sempre algo que falta, é estranho. Mas eu não ouço assim tanto uma influência óbvia da nossa parte. Tu ouves?

GA – Não, não… Nós temos uma abordagem quase Bitches Brew em relação à música, vimos de ângulos diferentes. Somos definitivamente únicos e agrada-me que algumas pessoas percebam isso. Eu não gosto de ser encaixado ou rotulado e odeio música genérica. Eu ouço bandas que soam a tudo, são tipo ovelhas. Uma banda tem um som mais original e toda a gente vai atrás e faz cópias processadas.

MDX – Acham que a música se tornou mais derivativa nos últimos anos?

GA – A minha opinião pessoal é que nos últimos 5 anos a cena Stoner/Desert se tornou tão genérica e toda a gente está na boa com isso. Uma banda torna-se grande e dez bandas copiam-na logo. Foi a mesma coisa que se passou com a Disco!

ML – O Punk Rock é o exemplo perfeito. No início o que interessava era a expressão individual, teres a tua própria cena, sabes? Pegar numa guitarra, enfiares-te numa garagem e tocar… Agora tornou-se no mais identificável, fácil de copiar e uniforme género de rock & roll.

GA – É tipo chegares a um supermercado, olhares para uma prateleira onde estão uma série de produtos já enlatados, todos eles processados. Eu gosto de bandas que sejam únicas, que consigas distinguir do resto. Eu odeio esta cena de toda a gente estar a usar Fuzz para aqui e Big Muff para ali, eu fico do género “Oh meu Deus, porque é que não usam as vossas próprias ideias”. Eu não ouço nada disto, até porque todas me soam a Kyuss. Aliás, soam mas “não soam”! Todos soam ao John [Garcia, ex-vocalista dos Kyuss], todos afinam a guitarra como o Josh [Homme, ex-guitarrista dos Kyuss], mas como não lhes querem roubar o som, fazem sempre algumas variaçõezinhas. Não são capazes de pensar pelas suas cabeças? Pá, e com a cena assim eu só me quero afastar.

MDX – Bem, para terminarmos de forma mais positiva, o que é que o futuro aguarda aos Yawning Man?

GA – Hmm, para mim, pessoalmente, quero continuar a escrever com o Boomer e com o Bill, chegar a casa e gravar as coisas que estávamos a experimentar antes de partirmos nesta tour.

ML – Sim, nós temos aperfeiçoado algum material novo nesta tour e estas músicas estão a começar a tornar-se numa cena muito fixe.

Entrevista – António Moura dos Santos
Fotografia – Daniel Jesus