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Naturama #04 – The Black Wizards + Asimov

A cargo da WH!, a passada quinta-feira foi palco de mais uma edição da Naturama, com a presença de dois valorosos nomes do nosso burgo, The Black Wizards e Asimov, numa noite que recompensou a perseverança de quem soube aguentar duas horas à espera de música. Bem sabemos que o Sabotage é um Rock Club à antiga e, portanto, como casa genuína que é, não são raros os atrasos. Contudo, desta vez foi diferente. Não foi responsável um devaneio Axl-Rosiano mas sim um percalço técnico que poderia ter colocado em causa o concerto em si. Felizmente isso não aconteceu e a espera passou-se na palheta, trocando impressões, contando histórias, enfim, a segunda coisa mais importante que pode haver num concerto. Mas vamos lá agora falar da primeira.

Ainda bem que já não se julgam crimes de feitiçaria em Portugal, ou então os Black Wizards (sim, tem um “the”, mas não queremos cair em redundâncias) estariam por esta hora a empoeirar o Rossio. Quais monges das trevas, os BW souberam estudar os negros tomos do rock para apresentarem Lake of Fire como prova da sua feliz reinterpretação dos clássicos. Mas mais do que escrever boa música, estas coisas do Rock só valem a pena se mexerem connosco (já dizia o Lemmy) e os Black Wizards trouxeram mesmo fogo para o Sabotage, elevando a qualidade dos seus temas com uma performance incendiária.

A sua música não espanta, é uma súmula de influências do Blues Rock ao Doom com um filtro de Fuzz distorcido por cima. Um dos temas que apresentaram, Wicked Brain, encapsula no seus 10 minutos essa fórmula, desde a passada inicial empestada de mortulho sabbathiano, à espraiada secção de blues à antiga em que os solos se sucedem à Lagardère, passando pelo enérgico riff principal inspirado nos 70’s. O que realmente distingue os Black Wizards é que, apesar da tenra idade, o quarteto tem o raro condão de conseguir subir a intensidade e resvalar no descontrolo, mas sem nunca se deixar cair no turbilhão. O seu som é potente e barulhento, porém coeso perante o caos. A sequência final de Gypsy Woman e Lake of Fire mostrou uma jovem banda no pleno das suas capacidades com Joana Brito e Paulo Ferreira trocando riffs e solos furiosamente enquanto a secção rítmica manteve as costuras intactas. Neste capítulo temos de dar a devida menção à baterista Helena Peixoto, cujas valências deitam completamente por terra qualquer justificação pseudocientífica de que a compleição masculina é a mais adequada para o cargo, com uma performance com tanta violência quanto inventividade. Quando um concerto acaba com baquetas esmagadas, é porque foi uma bonita festa.

Já estávamos a entrar pela noite dentro quando chegou a vez dos Asimov subirem ao palco. Com Truth acabado de sair, o duo lançou-se na busca pela ascensão a um plano superior por via da música, aproveitando da melhor forma possível o seu set infelizmente encurtado pelas circunstâncias da noite. Tal como o influente escritor que lhe dá o nome, também a banda postulou uma série de regras, sendo estas as Novas Leis de Asimov: 1) Tudo deve ser tocado o mais exacerbadamente alto quanto possível; 2) Primeiro vem o Riff, depois a Bateria, depois a Voz. Baixos são para mariquinhas. 3) Tudo o resto é acessório. A música é para ser tocada sem merdas e são eles que o dizem.

Operando sob estes trâmites, Carlos Ferreira e João Arsénio trataram de fazer chegar à clarividência os valentes que se aguentaram até ao fim no Cais do Sodré. Como em todas as boas viagens, tanto deu para sentir o excitamento das curvas e contracurvas contornadas pelas guinadas rítmicas de João como relaxar e simplesmente apreciar a paisagem circundante, pincelada a guitarradas psicadélicas que mudaram de tonalidades consoante o efeito que Carlos quisesse conferir às suas seis cordas. É mesmo o maior elogio que podemos fazer aos Asimov, transportam-nos para outro sítio com a promessa de que nos esqueceremos, mesmo momentaneamente, que amanhã é mais um dia de labuta. Infelizmente, tudo o que é bom é efémero. Uma última divebomb estridente assinala o fim, olhamos para o relógio e sacudimos os ombros mesmo sabendo que a manhã seguinte vai custar. Isto do Rock é só para duros.

Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Ana Pereira