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Stripped – O amadurecer da rosa

Há músicos que nos acompanham ao longo da vida. Dão-nos a mão quando estamos prestes a cair no precipício, dão-nos energia quando estamos a definhar. Caminhamos lado a lado nas angústias, nos medos, na irreverência. Amadurecemos meio trôpegos por não nos limitarmos somente a isso – a envelhecer. Peter Murphy é isso e mais um punhado de coisas.

Perdemos a conta do número de vezes que o músico britânico actuou em terras lusas. Em cidades de grande e média dimensão, do interior ou do litoral, pouco importa desde que haja fãs que realmente o venerem. Com ou sem deslizes de agudos, com “good” ou “bed mood”, o Peter Murphy envelheceu amadurecendo!

Uma mancha negra percorria a fachada do edifício da Reitoria da Universidade de Lisboa. O concerto estava esgotado e, pela maioria do público que ordeiramente espera a sua vez para entrar, facilmente depreendemos que não conheceram Peter Murphy de “Hang Up” (2014, último álbum). A faixa etária era maioritariamente acima dos 40, o Peter Murphy não é definitivamente “para meninos”.

Sem banda de abertura e com um ligeiro atraso, as luzes apagam-se e o público recebe o ex-vocalista de Bauhaus em ovação. Estávamos prontos para receber a tour, Stripped. Dois músicos entram com Peter Murphy, John Andrews (Nova Iorque) na guitarra e Emílio China (baixo e violino). Inicio meio conturbado com o som, situação inesperada nesta sala (?), a provocar distorção e a irritar muito Emílio China. Peter Murphy começa com “Cascade”, discretamente dentro de um blazer clássico e com uma rosa vermelha presa no braço direito. Segue mais um tema (“Secret Silk Society”) e no final agradece ao público e apresenta “Indigo Eyes”. É o inicio de uma noite cheia de revivalismos, emoções de memórias. A voz única e arrebatadora de Peter Murphy, os movimentos teatrais que lhe conferem singularidade, fazem a tela perfeita com o figurino delicioso do pós-punk (Bauhaus) dos músicos. Intercalam com guitarra elétrica e acústica, violino e baixo, e bateria (Robbie, California). Agudos puxados ao limite, que no fundo no fundo, não existe! “Marlene´s Dietrich Favourite Poem”, a meio do alinhamento e o cover de “The Sewlay Brothers” de David Bowie, do álbum Hunky Dory (1971) – “God blass David”. Peter Murphy assegura-se que o público conhece o tema que segue, “A Strange Kind of love”, a que o público responde com entusiasmo acompanhando-o até ao final. Despe o blazer e fica de colete, ajeitando com subtileza a rosa que se mantém no mesmo braço. Em brincadeira faz um gesto de luta e pergunta mesmo “Do you wanna fight?”. “The Rose” manda os agudos para lá da fronteira do que é razoável e alimenta a voz com o discernimento de um verdadeiro gentleman!

Segundo momento do concerto, em que para quem viveu o pós-punk de 70/ 80 ficou com vários “nós na garganta”. Quase que conseguíamos ouvir a guitarra de Daniel Ash e os acordes nostálgicos do baixo de David J., Bauhaus no seu melhor! “She´s in parties”, onde toca harmónia e bateria electrónica prolongando o tema com arranjos sublimes. Neste momento uns quantos levantam-se das cadeiras e dançam (eu fui uma deles!). Mão colocada elegantemente na anca, rosto levantado no olhar fixo do azul, dos seus olhos e do projector de luz. Intercala entre o banco giratório e os passos largos ao longo do palco, mais dois temas de Bauhaus e a voz deixa-lhe margem para fazer dela o que lhe apetece. Faz um aceno de mão a despedir-se e sai do palco. Primeiro encore, regresso com “Lion” e descansa a voz com o tema instrumental, “The Three Shadows Part1”. E num remate de mestre projecta-nos novamente para as incertezas angustiantes da nossa adolescência – “Hallow Hills”, com uma intensidade incrível nas palavras que pareciam duplicar o significado das colinas tristes. O próprio reconheceu a tristeza profunda do tema, “very dark song”. E no clímax da nostalgia, o público levanta-se e agradece em felicidade uníssona. Ele deixa-nos, uma vez mais.

Segundo encore e o público não se volta a sentar. Totalmente inesperado, o tema mais desafiante de Peter Murphy e, para mim, dos mais bonitos – “Cool cool Breeze”, num registo vocal arrepiante. Em festa de despedida, cantámos com ele e com os excelentes e pacientes (o som deixou a desejar) músicos que o acompanham,“I’ll Fall with your knife”. Uma noite memorável em que revivemos momentos, revisitámos fantasmas e descobrimos que é tão bom envelhecer com o Peter Murphy!

Texto – Carla Sancho
Fotografia – Luis Sousa
Promotor – Everything is New