Concertos Reportagens

Percorrer a 66 antes de cortar as amarras com o mundo terreno

A estrada faz-se de descapotável, de carrinha de caixa aberta, a berlina dos pobres ou, em derradeira alternativa, de vidros escancarados. Seja ela de terra batida, estejam os raios de sol mais erectos que o pilão do Rocco Sifredo antes de qualquer cena, mas nunca com ar condicionado. Este mastodonte, a nova marquise dos portugueses pós adesão à UE só serviu para unir os dois rivais de Lisboa, e mais meia dúzia de equipas da primeira divisão, e é utilizado, apropriadamente diga-se, como desculpa para quem não quer a manhã de trabalho. Não admira portanto que a aversão de Damien Jurado ao ar condicionado o tenha obrigado a soltar um sonoro – podem desligar esta porra!

O músico de Seatle, sempre sentado, mas neste preciso momento somente com a guitarra. O resto da banda recolhera por momentos ao backstage, e não é por nunca desejável outro limite que aquele já imposto pela altura do palco. Como em And LoraineLooking in the rearview | Someday California – o nosso destino está próximo, as intempéries da costa este, as terras planas do Midwest, o Grand Canyon e o vale da morte não são mais do que a antevisão do final – California. O fim. O fim geográfico e o fim do concerto. Quando aqui chegados só nós, o Damien e as suas composições sabemos que a viagem foi longa, uma viagem pela América, porque ainda há quem a cante, mas poucos o fazem deste modo. Há-os, haverá sempre – os da energia compulsiva de um Boss, das narrativas de um Dylan ou mesmo canadianos com a universalidade de um Cohen ou Young. Damien atreve-se pelos atalhos, pelos cruzamentos de estilos do rock ao psicadélico, da americana ao folk. Como bom viajante não o faz sozinho, a acompanhá-lo músicos de inquestionável qualidade, deslumbrantes baterista e teclista, capazes de indiciar direcção, reforçar a sonoridade planante de muitas narrativas de Damien e sobretudo ludibriar as persistentes falhas técnicas do início, conseguindo construir um concerto em crescendo, como verdadeiro campeão, tendo os seus momentos altos em temas como QACHINA e TAQOMA.

Uma plateia rendida, que desta vez decidira encher quase por completo a sala do Cais do Sodré e que em despedida ainda leva o refrão de Working Titles na memória – (..) Cut your ties and leave town when you want to. A maior parte das vezes desprender é acto difícil, a requer coragem do fundo do estômago, mas aí está a estrada para nos chamar e Damien para nos obrigar a não esquecer.

Na primeira parte Weather Station. A voz e a guitarra da canadiana Tamara Hope, acompanhada por bateria e, num tema, por quem a conhece bem – Francisca Cortesão (Minta & The Brook Trout), em mais uma visita, depois de já ter estado na Casa Independente. As melodias sucedem-se em toada folk, cristalinas mas sem entusiasmar verdadeiramente.

Texto – João Castro
Fotografia – Luis Sousa
Promotor – Musicbox Lisboa