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Postmodern Jukebox, do Youtube para a Aula Magna

Se há dez anos atrás vos dissessem que um fenómeno viral de Youtube encheria a Aula Magna, esgotada com meses de avanço, para um público multigeracional, vocês acreditariam? Bem, não interessa, pois foi exactamente isso o que a Postmodern Jukebox (PMJ) fez na passada terça-feira na sala lisboeta. Durante cerca de duas horas, o conjunto de cinco músicos, sete vocalistas e uma endiabrada dançarina de sapateado fez o gáudio dos presentes com versões vintage de êxitos recentes da música popular, umas mais inspiradas que outras, mas sempre num ambiente de celebração.

O conceito é simples: os PMJ são um projecto de Scott Bradlee, experienciado músico da cena de Jazz nova-iorquina, cuja pós-moderna cabeça se lembrou de gravar versões de hits contemporâneos ao estilo da música norte-americana criada dos anos 20 aos anos 60 do século passado e colocá-las semanalmente num canal de Youtube. Dezenas de temas e milhões de visualizações depois, o sucesso ditou que este fenómeno deixaria de ser meramente virtual, com uma banda sem membros fixos a percorrer esse mundo fora. Soube o músico compositor nova-iorquino capitalizar na era do viral, do irónico e do fetiche pelo vintage, criando um projecto que é simultaneamente tudo isso, num anacronismo consciente da sua condição foliona.

O começo foi bastante promissor. Após uma curta apresentação de LaVance Colley, o mestre-de-cerimónias (mas também cantor) da noite, Bye Bye Bye dos NSYNC foi tocado num trejeito Surf Rock, mas sem guitarras, já que o quinteto foi composto por bateria, contrabaixo, piano, trombone e saxofone/clarinete. Seguir-se-ia Bad Romance ao jeito do Jazz dos anos 20, comandada pela voz de Sara Niemietz e pelo sapateado estonteante de Sara Reich, numa inspirada versão que não andou assim tão longe do que a Lady Gaga anda a fazer por estas alturas. Talk Dirty to Me sofreria aqui uma completa transmutação, de medíocre tema R&B de Jason Derulo para uma divertida marcha Klezmer pontificada pela substituição dos versos de 2 Chainz por canto Yiddish a cargo da sensualíssima Robyn Adele Anderson. O quarteto fantástico de temas ficaria completo com Cry Me a River, tocada com um andamento semelhante à seminal I Put a Spell On You de Screamin’ Jay Hawkins, servindo de base para o cantor Von Smith expurgar a sua alma numa actuação que valeu a primeira salva de aplausos em pé da noite.

Contudo, como sempre acontece nestas coisas do pós-modernismo. ir ao passado para reformular o presente tem resultados variados, ainda para mais se o caso for um show de variedades. Por isso mesmo, na fase intermédia do espectáculo, por cada Hey Ya e Thrift Shop tivemos direito à mediocridade de uma Rude ou de uma Roar, ao tiro ao lado que foi Hotline Bling (que sem o pathos de Drake é só uma música idiota) ou ainda à redundância que é tocar a All About that Bass quando esta é uma canção claramente na mesma onda de revivalismo. Porém, ficaram na memória uma espectacular versão de My Heart Will Go On, assim como um duelo entre o baterista e Sara Reich, no qual a dançarina evidenciou ainda mais a sua mestria nesta esquecida arte. Já o tema de Celine Dion, passou de xaroposo melodrama a pop dos 50’s, com um LaVance Colley que, passe o seu excessivo e histriónico falsetto, teve aqui uma das melhores performances vocais do certame.

À medida que a noite foi decorrendo, também as versões inferiores ficaram para trás, atingindo os PMJ um novo ponto alto. Halo começou com o pé esquerdo mas LaVance Colley agarrou na música e no seu término já estava toda a gente de telemóveis ao alto a simular isqueiros, ao passo que Love Yourself, do renascido Justin Bieber, levou um belo tratamento jazz. Na recta final houve direito ao sumptuoso Doo Wop de We Can’t Stop (canção de Miley Cyrus que catapultou os PMJ para o êxito viral) e a uma extensa apresentação dos membros da banda em Sorry, outro tema de Bieber, desta feita em modo Motown. Ainda antes do encore, os PMJ mandaram uma piscadela de olho aos fãs de Indie Pop com Such Great Heights (dos defuntos The Postal Service) alá Jackson 5, isto numa fase em que todos os membros já estavam em palco e o público de Aula Magna finalmente de pé, dançando no pouco espaço que tinha à disposição.

O breve intervalo seria interrompido com uma graçola, tocando o conjunto Let’s Get it On, de Marvin Gaye, para fazer um desavergonhado apelo à compra de merchandise. O regresso ao passado ficaria concluído com o clássico As Time Goes By, imaculadamente trazido ao século XXI sem invenções, provando que a pertinência dos PMJ pode ser contestada (afinal de contas são um conjunto de covers), mas nunca o seu amor e reverência pelos géneros a que presta homenagem. Numa fase em que o público estava de tal forma rendido que até podiam ter tocado o pau ao gato em concertina que toda a gente aceitava, Shake it Off da omnipresente Taylor Swift foi um digno encerramento de uma noite para recordar.

 

Texto – António Moura dos Santos
Fotografia – Luis Sousa