Concertos Reportagens

Deafheaven, paisagens bonitas de florestas negras

Sexta-feira é aquele dia da semana em que ou estamos muito bem dispostos por ser fim-de-semana ou estamos derreados por termos passado uma semana dura. Fosse como fosse, a passada sexta-feira serviria para ambos os lados. O RCA Club serviu mais uma noite de boa música que espalhou contentamento e satisfação por todos os que quase o encheram!

A noite dedicava-se a culturas mais pesadas e negras. A primeira parte estava nas mãos dos enigmáticos e intrigantes Myrkur.

Confesso que estes 3 meninos liderados pela bela Amalie não trouxeram sentimentos bons. Quando olhamos para descrição de uma banda e vemos a mistura entre black metal e sonoridades angelicais a dúvida começa a vaguear pela cabeça. Ao fundo imagina-se que poderá ser algo que englobe cenários góticos. A verdade é que nem percebi bem o que aconteceu durante aqueles 45 minutos em que os Myrkur vaguearam pelo palco.

Caras e braços pintados, falta de energia, presença ou garra assomavam aquelas almas que pareciam não encontrar um caminho certo para percorrer. Em frente do ex-libris da banda um galho de árvore dividia-se em dois: o lado bom e o lado mau. O lado bom era a voz distorcida, potente e arrastada que Amalie fazia poucas vezes, o lado do black metal que acariciava os ouvidos durante breves segundos. O lado mau era a voz angelical, celestial e cristalina que nos remetia de imediato para a imagem de bancos compridos de madeira corridos com reflexos de vitrais em manhãs de domingo. Tal como o azeite e água não se conseguem misturar, estas sonoridades tampouco se misturam. Ou, pelo menos, não desta maneira.

A ideia seria apresentar o primeiro álbum da banda – M – lançado em Agosto do ano passado. Tocaram 7 das 11 faixas que pertencem ao álbum e acrescentaram “Den Lille Piges Dod” e a cover de “Song To Hall Up High” de Bathory.

Esta bipolaridade de vozes e sentimentos criados satisfez alguns fãs espalhados pela sala e deixou algo desconfortante a percorrer o corpo dos restantes.

 

A cura para todos os males da semana e todo o nervoso miudinho criado pelo início da noite vinha com os Deafheaven.

Também com um álbum lançado no ano passado, New Bermuda, é mais uma obra-prima destes rapazes. Desta feita, a surpresa pautou-se pela positiva e pôde assistir-se a algo mágico em cima do palco.

Donos de um black metal com uma voz algo parecida ao génio alucinado Varg Vikernes e um instrumental que contém a agressividade do puro black metal e a melancolia doce de bandas como Slowdive, estes californianos são uns dos pais do Blackgaze, um estilo que tem a mistura de black metal com shoegaze e post – rock.

O tempo parou e cada nota foi saboreada como se da última gota de licor se tratasse. A ligação e partilha que existiu entre a banda e entre a banda e o público para além de mágica, foi emocionante. A humilde e aconchegante presença de George, como frontman, encaminha-nos para uma união perfeita entre harmonia e inquietação aconchegadas por danças opostas que caminhavam entre a sensualidade e a brutalidade. Por sua vez, a fazer truques cobertos de maestria nas cordas, o tímido e perfeccionista Kerry fazia-nos entrar num mundo de melancolia suave e bonito que nos deixava sempre o desejo de não sair de lá.

Tocam faixas longas e complexas. Dentro delas, uma carga emocional e emocionante capaz de arrepiar até os mais estóicos. Os ouvidos sorriem e as pessoas também, ao mesmo tempo que acompanham as letras e erguem as mãos no ar.

New Bermuda foi apresentado na íntegra e por ordem, havendo ainda tempo para duas faixas de Sunbather: “Sunbather” e “Dream House”, sendo que esta última teve o enquadramento perfeito para o momento que se vivia. De relevar que, como que por poesia, na faixa “Gifts To The Earth” George oferece garrafas de água ao público enfatizando a comunhão existente.

Em cerca de uma hora e meia constatou-se que as coisas mais improváveis podem acontecer: o black metal pode ser bonito e pode transmitir pensamentos e sensações positivas.

No ar, ficou o desejo enorme de que uma noite assim se repetisse em breve. Esperamos ansiosamente pelo regresso destes americanos e, de preferência, sem Myrkur.

 

Texto – Eliana Berto
Fotografia – Luis Sousa
Promotor – Amplificasom