Backstage

À Descoberta de MAHOGANY

MAHOGANY é o nome do projecto de Duarte Ferreira que se apresentou na passada sexta-feira ao público do Musicbox, no âmbito da festa do 7º aniversário do Blog Bran Morrighan. Sem o acompanhamento da sua guitarra, o centro das atenções do projecto, o músico revelou ao Música em DX um pouco do seu projecto e qual foram as motivações e revelações do seu álbum, “A house in Iceland”.

Música em DX (MDX) – Como surgiu o nome de MAHOGANY?

Duarte Ferreira (DF) – MAHOGANY surgiu do material da minha guitarra, mogno. Eu nunca tive grande cabeça para inventar nomes e a certa altura percebi que a guitarra era mais protagonista que eu, no meu próprio álbum, e acabei por ceder.

MDX – Mas tinhas outras ideias para nomes ou foi algo que colou?

DF – Eu tinha a ideia de deixar o nome para o fim. O nome do álbum sempre teve o An House in Iceland. O nome do projecto sempre foi uma incógnita. Quando surgiu isto, ficou. Achei que era perfeito.

MDX – E como é que surgiu a ideia da Islândia?

DF – A casa na Islândia surgiu muito antes do álbum. Foi há imenso tempo. Foi em 2009, talvez. Eu lembro-me de ter feito o primeiro estágio e estava meio desiludido porque o estágio correu-me muito mal e uma amiga minha estava a tentar ser designer profissional em Portugal, e estavam sempre a chutá-la para fora e eu tinha acabado de ver um documentário sobre uma casa no Brasil, acho que nos anos 70, que tinham acabado de recuperar uma casa no mato, e que depois ficou de portas abertas para todos os artistas e todos os artistas que passavam por lá influenciavam-se uns aos outros. E o que eu lhe disse foi que precisávamos de um sítio remoto e a Islândia saiu assim, porque tenho uma paixão por aquele sítio.

20160114 - Entrevista - Mahogany

MDX – E chegaste a ir à Islândia?

DF – Eu fui à Islândia depois de ter o álbum completo. A própria música foi uma ideia para querer ir à Islândia e a minha mulher, que na altura era a minha namorada, odiava a ideia e eu a meter-me um pouco com ela, fiz uma música que saiu em cima do joelho, e depois ela que se interessou em ver como é que era a Islândia, apaixonou-se pela ideia e começou a fazer os preparativos. Mas só conseguimos ir depois do álbum estar feito.

MDX – O álbum é então uma consequência das ideias que tinhas.

DF – Mais ou menos. A Islândia acaba por não ser sobre o país. Acaba por ser uma espécie de tábua rasa. O objectivo, o chegar à Islândia, é o despir do excesso, não é propriamente o lugar. O lugar em si, visualmente, é muito isso. O centro é inóspito, nasce tudo ao calhas, tudo agressivo. E acaba por ser natural nesse aspecto. E a ideia acaba por ser mesmo essa. Daí é que veio a ideia da Alegoria de Platão, exactamente o sair e descobrir de certo modo o que é real e o que não é.

MDX – Para além de ser um processo de descoberta é também de análise do passado e das tuas experiências.

DF – Sim, o álbum em si mais do que uma viagem física, é uma viagem interpretativa. Onde é que começas até onde é que vais. Mas por ti. Não é tanto um amontoar do que é que fizeste, e do que és, mas estar parado num sítio e olhar à volta e fazer esse balanço do excesso e do essencial. E acaba por ser isso, o perceber que estamos agarrados a muitas coisas e que estamos ligados a coisas que não têm valor, dispensáveis.

MDX – Falando do álbum, há o que se pode dizer uma certa ambiguidade, visto que permite que cada um de nós faça a sua interpretação.

DF – Sim, eu acho que isso advém do facto de ter feito o álbum para mim. Foi um pouco ao acaso que a construção do álbum acabou por sair. Acaso se calhar não é a melhor palavra, mas talvez acidente feliz. Porque vá, eu tinha outro plano e o álbum surge pelas experiências que fiz no Pro Tools. Eu não sabia mexer no Pro Tools, e comecei por experimentar os plug-ins, e quando cheguei à reverberação, reparei que o que estava a fazer aos plug-ins era levá-los ao máximo para ver a ideia que davam e a partir daí, usá-los subtilmente. E a primeira música que saiu em teste, foi a última. E é uma espécie de festival da reverberação. Tem a voz a reverberação, tem a guitarra em reverberação, os próprios ruídos em reverberação. Há qualquer coisa que me atirou para um sítio que me fez continuar e eu comecei a fazer essa viagem e não me preocupei em ter o feedback exterior. Só no fim é que isso me ocorreu, com o álbum e seria inevitável.

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MDX – No álbum usas várias citações de diversas personalidades. Como é que chegas a essas personalidades. Foram aparecendo ou foi um trabalho de pesquisa?

DF – Eu tinha a ideia original de começar e acabar com os samples do Frank Lloyd Wright. Foi logo de caras, e surgiu numa conversa com um amigo meu. Ele era arquitecto, daí ter usado essa referência. Percebi que era uma excelente referência para usar. Vi entrevistas que ele tinha dado e peguei em pedaços que de certa forma descreviam a viagem que estava a fazer. O objectivo inicial era só usar isso. O ponto de entrada e de partida. Mas pelo meio, uma das primeiras músicas que acabei foi a sexta faixa, All That Is Bright And Beautiful, e que apeteceu, por causa do próprio som e temática que tinha instrumental, achei que devia compor, merecia ser composta com vozes. E só surgiu, talvez porque o som era um pouco “lullaby”, uma cantiga de embalar, usei as vozes das minhas sobrinhas. E depois fui compondo com outras coisas. E uma espécie de capricho meu, quis ter uma faixa em português. E uma vez que este corte e costura vem um pouco por influência do Sam The Kid, decidi buscar o António Pinho Vargas, que utiliza como uma das entradas da música dele. O resto foi ouvir entrevistas, entrevistas… E no meio deste molhe inteiro encontrei coisas que se utilizam. Tudo o que se quer utilizar, é apanhar o ouro, no meio de tanta terra.

MDX – É assim então o teu processo criativo, de muita descoberta.

DF – Sim, o próprio álbum é todo muito assim. Nasceu de uma faixa e acho que isso me cativou para o fazer sozinho. Acabei depois por pedir a colaboração de alguns amigos meus, nomeadamente para as teclas e para o coro, com uma pessoa que conheço há mais tempo, o António Fontes, que tocou com o João Só. Tinha uma banda no início, e acho que ainda colaborou nos primeiros álbuns, ainda quando eram os abandonados… E um amigo meu que tem uns projectos, acho que um é o Qwentin, em que toca belissimamente guitarra, então pedi a certa altura, ao Gonçalo Brito para ver o que é que ele trazia para a minha música. Música muito particular, de rutura. Uma faixa que existe de facto muito presente a ideia de sair da caverna, de arrancar os dogmas e pressupostos que nós temos. É a quinta faixa, em que se ouve o John Lennon a falar… Não é o Robert Kennedy, há-de ser o irmão… e eu queria saber o que é que ele trazia. Foi engraçado porque acabei por trabalhar mais ou menos como produtor, no meu próprio álbum, com outra pessoa, e ele mandando-me esboços e outras propostas e eu ia transmitindo e dando o feedback de onde ele poderia ir. E acabei por fazer isso com o António nas teclas, mas é nessa parte que comecei com o Gonçalo e foi uma experiência, dentro da experiência.

MDX – Quanto aos videoclipes, valorizas muito a parte visual?

DF – Valorizo apesar de querer apostar mais parte visual do que consegui. Mas a parte engraçada é que as pessoas dizem que sou, não nas letras em si, mas na prosa, as pessoas tendem a dizer que sou muito visual. Como se estivesse a descrever, como se fosse escrita para cinema, e as próprias músicas para onde eu vou e para onde me levam é com base nas imagens que o som me transmite. Não sei se isso me caracteriza como autista ou coisa do género… mas é por aí.

MDX – Como é que surgiu o convite para tocares no Musicbox na festa de aniversário do Bran Morrighan?

DF – Isso já é tara da Sofia ou aquele coração enorme que ela tem. A Sofia não para e não sei como é que ela consegue arranjar tempo para tudo. Mas a Sofia conheceu-me através da Zigur, e eu conheci a Zigur através do António, o António que lhe passou o meu álbum na altura para ela dar opinião. Aparentemente ela gostou, ao ponto de me querer no aniversário. Ela foi ver o meu concerto no Damas, que fez parte do label day da Zigur em Lisboa, e acho que foi lá para tirar as dúvidas para ver se me queria ou não.

Entrevista – Carlos Sousa Vieira
Fotografia – Luis Sousa